Nos últimos 25 anos, a prevalência da doença de Parkinson dobrou, mostram os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A condição resultou em 5,8 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade — medida que combina a mortalidade, anos perdidos devido à morte prematura, e a morbidade, tempo vivido com incapacidade por doença ou lesão.
O Parkinson também causou 329 mil mortes, aumento superior a 100% em menos de três décadas. Enquanto isso, cientistas aprimoram terapêuticas para combater doença incurável e procuram por mecanismos de proteção.
Um estudo realizado por uma equipe internacional, e detalhado na revista Jama Network Open, recentemente, investigou os efeitos a longo prazo da estimulação cerebral profunda (DBS) do subtálamo, estrutura localizada no cérebro, na qualidade de vida de pacientes com a doença avançada, comparando ao tratamento padrão com medicamentos. Para o trabalho foi realizado um ensaio de cinco anos de acompanhamento, no qual 183 pacientes foram inicialmente avaliados, e 167 participaram.
Leia mais:Os resultados principais revelaram que a qualidade de vida permaneceu igual no grupo que fez estimulação cerebral profunda. Essa técnica envolve o uso de um dispositivo semelhante a um marca-passo para enviar impulsos elétricos a áreas-chave do cérebro, reduzindo tremores, rigidez e movimentos involuntários. As pessoas que usaram medicamentos tradicionais tiveram piora nessa questão.
“O estudo descobriu que os pacientes que receberam DBS tiveram qualidade de vida estável no acompanhamento de cinco anos, principalmente devido à melhoria da mobilidade, e destaca a importância da melhoria a longo prazo nos resultados relacionados às atividades da vida diária”, ressaltaram, em nota, os autores.
A melhoria das condições no grupo que passou pela estimulação foi impulsionada sobretudo pelo domínio de mobilidade, mas também houve otimização em atividades de vida diária, suporte social, desconforto corporal e estigma, embora com efeito menores. Por outro lado, o domínio de comunicação foi melhor naqueles que usaram os medicamentos, alinhando-se com estudos anteriores que relataram piora da fala como um efeito adverso comum da técnica cerebral.
Nem todos
O médico José Oswaldo de Oliveira Júnior, neurocirurgião e responsável pela Unidade de Neurocirurgia Funcional do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, em São Paulo (IAMSPE), pondera haver riscos, por se tratar de um procedimento cirúrgico. “Dos portadores de Parkinson, apenas cerca de 10 a 15% recebem indicação cirúrgica de DBS. Como qualquer cirurgia pode haver hemorragias, infecções, falhas do material implantado, falhas de técnica cirúrgica e alterações individuais dos pacientes que os tornam refratários ao tratamento ou tenham respostas pobres.”
Pensando em aprimorar a neuroestimulação, torná-la mais eficiente e segura, especialistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, revelaram duas abordagens para aliviar os sintomas de Parkinson. Ao tratar simultaneamente duas estruturas cerebrais principais e empregar um dispositivo autoajustável inovador, os cientistas demonstraram melhorias nas dificuldades de movimento.
A equipe, liderada por Dennis Turner, professor da universidade, explorou uma abordagem inovadora ao posicionar eletrodos no núcleo subtalâmico e no globo pálido, duas áreas cerebrais associadas ao movimento. Além disso, como descrito no artigo, publicado, recentemente, na revista Brain, eles introduziram uma técnica chamada DBS adaptativa, que ajusta automaticamente os parâmetros de estimulação com base na atividade cerebral do paciente.
Bons resultados
No decorrer do ensaio, com seis voluntários, a equipe observou que, ao atingir as regiões ao mesmo tempo, houve melhora dos sintomas motores em comparação com a estimulação de cada região isoladamente. A DBS adaptativa se mostrou tão boa quanto a DBS contínua de alvo duplo, com resultados promissores em ambientes clínicos e domésticos.
Luana Mikael, neurologista do Instituto de Neurologia de Goiânia, frisa que a abordagem adaptativa se sobressai à comum. “Ela faz um ajuste automático da estimulação de acordo com a necessidade do paciente em cada momento. Na padrão, é o mesmo estímulo em todo momento, porque o ajuste é feito em consultório, alguns sintomas podem não ficar bem controlados.”
Mikael reforça a vantagem de atingir simultaneamente dois pontos. “Propiciar um melhor controle dos sintomas no geral, pois o primeiro traz um bom controle de rigidez, bradicinesia e tremor e o segundo, das discinesias. Quando se estimula apenas um destes alvos, algum sintoma pode ter um menor controle.
Mais prático
Cientistas da Sociedade Americana de Química relataram, em um trabalho recente, publicado na revista da instituição, uma nova aplicação da estimulação elétrica cerebral profunda. Em vez de eletrodos invasivos, eles utilizaram a magnetogenética, uma técnica que emprega ímãs em nanoescala para acionar células nervosas específicas no cérebro, sem fios.
O tratamento aplicado em camundongos modelos de Parkinson aliviou problemas motores, revelando potencial terapêutico de uma alternativa menos invasiva. No método tradicional de DBS, sinais elétricos são enviados externamente para ativar células nervosas. A equipe acredita a abordagem magnetogenética sem fio “tem potencial terapêutico e pode ser usada para tratar disfunções motoras em pessoas com doença de Parkinson em estágio inicial ou tardio, bem como outras doenças neurológicas, como epilepsia e doença de Alzheimer”.
Oliveira Júnior pondera, no entanto, que é preciso estudar mais a prática antes de ser aplica a pessoas. “Saliento o trinômio indissociável: eficácia-segurança-reprodução, que torna o caminho a ser percorrido muito longo. O método precisa ser também seguro não apenas a curto prazo.”
Resposta genética
Mais homens do que mulheres são diagnosticados com doença de Parkinson. O porquê que cerca essa realidade é cercado de mistérios. Um grupo de cientistas da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, liderado pela professora Marina Romero-Ramos, pode ter encontrado uma peça importante desse quebra-cabeça e está numa proteína presente em células fagocíticas.
Em um artigo, detalhado, recentemente, na revista NPJ Parkinson’s Disease, os pesquisadores lançaram luz sobre um receptor específico chamado CD163, a proteína expressa principalmente em células fagocíticas que é um tipo que realiza a fagocitose, processo pelo qual englobam e digerem partículas estranhas, como bactérias, vírus e detritos celulares.
Essa substância desempenha um papel crucial na resposta imunológica durante o processo neurodegenerativo associado à agregação da proteína alfa-sinucleína na doença de Parkinson, parecendo ter um papel específico e protetor na defesa contra os danos relacionados à doença.
“Nosso estudo sugere que o CD163 está envolvido no mecanismo que controla a entrada de linfócitos no cérebro durante a neurodegeneração”, frisa, em nota, Romero-Ramos. O aspecto mais intrigante para os cientistas é que a proteína parece exercer um papel neuroprotetor particularmente significativo nas mulheres.
As descobertas podem criar uma nova perspectiva sobre a disparidade de gênero na doença e indicar que algumas respostas podem residir no sistema de proteção do corpo. “Acreditamos que as diferenças observadas entre os sexos no risco de desenvolver DP, que é maior no sexo masculino, bem como as disparidades na apresentação da doença entre os sexos, podem ser atribuídas a diferenças na resposta imunológica”, conta a líder do trabalho.
Para os estudiosos, o ensaio apresenta evidências de que o aumento da expressão de CD163 em pacientes com doença de Parkinson pode ser um mecanismo compensatório voltado para a proteção dos neurônios, especialmente no sexo feminino.
A equipe espera que a pesquisa direcione mais atenção tanto para o sistema imunológico quanto para o entendimento das diferenças que envolvem homens e mulheres.
Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, detalha que o receptor estudado foi recentemente ligado à limpeza de proteínas das células. “Ele poderia estar relacionado com a retirada da alfa-Sinucleína mutada.”
Apesar do desfecho do estudo, é necessário investigar melhor a relação. “Nesse ensaio podemos ver que o CD163 provavelmente exerce um poder de neuroproteção contra esse modelo de Parkinson induzido por substância nas cobaias. É um ensaio experimental Para tirarmos conclusões para humanos ainda tem um trabalho muito grande de ciência translacional que precisa ser feito. O que parece existir que é alguma coisa que vai ser avaliada mais profundadamente nos trabalhos futuros.”
Persistir na ciência
“Estimulação Cerebral Profunda carece de procedimento neurocirúrgico sobre onde são implantados eletrodos conectados a um estimulador. Não é um tratamento curativo, mas ajuda na qualidade de vida. É recomendado que o procedimento seja indicado após abordagem multidisciplinar em centro de referência. Consideramos o tempo de duração da doença, idade do paciente, resposta a medicamento, doenças clínicas e psiquiátricas preexistentes. Nas últimas duas décadas tivemos avanços importantes na compreensão dos mecanismo envolvidos no Parkinson. A estimulação foi uma revolução no tratamento. Há estudos interessantes sobre possíveis abordagens para a doença, a maioria em fase pré-clínica. Mas ainda não são uma realidade na prática clínica e não sabemos se chegarão a se tornar tratamento viáveis. No Brasil, ainda temos as barreiras de acesso ao diagnóstico, pacientes que sofrem com a demora para ter acesso a especialistas. O DBS ainda é restrito a pouco centros de referência no país.”
(Correio Braziliense)