Dizem que a vaidade é o mais democrático dos vícios e a mais comum das características humanas. Não me entendam mal. Obviamente não estou falando de compras de cremes anti-idade que prometem milagres (e custam quase um rim) nem de escolher fotos perfeitas com a melhor iluminação, ângulo e uso de filtros que evaporam os anos e esticam as rugas.
Estou me referindo à vaidade daqueles que defendem que devemos cuidar de nossas próprias necessidades e jamais sacrificar o nosso bem-estar para agradar os outros. É esse tipo de vaidade que combina egoísmo, ausência de empatia e uma boa dose da mais pura indiferença e soberba cristalina, levando a comportamentos egocêntricos, manipulativos e até mesmo destrutivos.
Já ouvi pessoas dizendo que seguem a regra “se me faz bem, que mal tem?” e vivem assim, despreocupadas com as consequências de suas ações, entorpecidas pelos perfumes dos seus desejos e enebriadas pelas conveniências particulares, em um constante torpor da consciência narcísica.
Leia mais:É assustador perceber que é preciso muito pouco para nos perdermos dentro dos nossos próprios reflexos e que qualquer pessoa menos avisada pode ser tragada por suas labirínticas autoseduções.
No entanto, em algumas ocasiões, a vaidade chega a ser cômica, e por mais que você tenha experiência e use frases do tipo “eu já vi isso antes”, esteja certo de que sempre aparecem oportunidades em que o mais certo a dizer é “agora deu”.
Estamos chegando ao final de 2023 e ainda estamos mais preocupados em nos encher de adjetivos, ao invés de fazer como a tiazinha que vende jujuba para encher a barriga de famílias em situação de vulnerabilidade social com alimentos que ela compra com a venda dos doces em vários cantos da cidade. Ela foi encontrada por aí pela repórter Ana Mangas e contou sua história de empatia, despretensiosa com seu umbigo.
Lembro de uma ocasião em que, ao ser indagada sobre sua profissão, a testemunha afirmou ser psicóloga. A juventude da moça me chamou atenção e perguntei quando ela tinha se formado, ocasião em que esclareceu: “Sou psicóloga em formação”, ou seja, estudante de psicologia, mais propriamente do terceiro semestre. Fiquei com imensa vontade de passar a me dizer “magro em formação”, mas as evidências negariam a nova essência.
Certa vez uma conhecida arranhou, sem querer, um carro em um estacionamento público, colocando um bilhete no para-brisa se desculpando e com o telefone de contato para os devidos acertos. Pode ser difícil acreditar, mas o dono do carro ligou aos berros, dizendo que era um absurdo ela ter batido no carro dele, afinal de contas ele era médico.
Outra vez, em uma pequena recepção de autores de livros infantis, uma jovem senhora disse fazer parte de uma academia de renome literário, no que foi seguida por outras pessoas, cada uma debulhando o próprio terço de pertencimento cultural e reconhecimento de erudição, por entre olhares de admiração e respeito.
Quando chegou a minha vez e indagado se pertencia a alguma academia, já que eu havia publicado seis livros, respondi afirmativamente e me calei, deixando propositalmente surgir aquele silêncio de elevador, enquanto comia um salgadinho.
Aliás, uma das melhores horas nessas ocasiões é justamente a hora do lanche. Se não tiver lanche, nem vou. Não pra comer, mas para bater papo, prosear. Pois bem, quando a jovem senhora perguntou qual era a academia, respondi que era a de musculação lá no Sesi.
E assim caminha a humanidade, com todas as suas cores, sabores e, claro, algumas risadas pelo caminho. Talvez seja hora de dizer: “espelho, espelho meu… existe alguém mais narcisista do que eu?”
* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira