Correio de Carajás

Captura ilegal de quelônios coloca em risco a conservação da espécie em Marabá

Projeto tradicional realiza trabalho de recuperação e preservação dessa espécie tão importante para o ecossistema regional

Esta tartaruga foi encontrada com anzol enganchado na garganta e precisou de ajuda de veterinário para retirada

Das 16 espécies de quelônios (nome que agrupa todas as formas de tartarugas identificadas no mundo) que existem na Amazônia, seis são prioritárias, de uso comum e com potencial de manejo. Dessas, dois tipos são destaque na região de Marabá: a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e a tracajá (Podocnemis unifilis).

Por aqui, a preservação desses animais é assunto sério e, considerando esse contexto, o CORREIO conversou com José Pedro de Azevedo Martins e Cristiane Cunha, dois nomes importantes quando se fala em quelônios nesta região.

Recentemente, colaboradores do ‘Projeto Quelônios de Marabá’, que os dois coordenam, encontraram na praia Croa Solta ou Croa Pelada, próximo à Praia do Meio, na fronteira entre Marabá e Itupiranga, dezenas de iscas ilegais, utilizadas para capturar quelônios. Graças à ação ambiental, sete tartarugas-da-amazônia foram resgatadas, sendo que em uma delas o anzol ficou alojado no trato digestivo.

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“Essa tartaruga está na Fundação Zoobotânica de Marabá (FZM), para receber o acompanhamento do veterinário e sua situação está sendo monitorada”, informa Cristiane Cunha, coordenadora do projeto.

Ella é formada em Ciências Maturais e pós-graduada em Ecologia Aquática. Os profissionais veterinários da FZM também deram suporte ao projeto, auxiliando na retirada dos anzóis das outras tartarugas. “Elas estão aqui no tanque e serão liberadas novamente no ambiente natural”, afirma Cristiane.

A caça ilegal de ovos e matrizes (fêmeas) de tartaruga e de tracajás é um problema preocupante e o registro de ocorrências como essa são frequentes na região de Marabá, Itupiranga, Nova Ipixuna e São João do Araguaia. Este fator torna as pessoas que realizam essas práticas, concorrentes do programa de conservação ambiental.

Além das ações do projeto, três peças são essenciais para uma virada nesse jogo: pescadores, órgãos de fiscalização e a população. Ecoando nessas três esferas está um pedido de Cristiane.

“A gente faz um apelo. Primeiro aos pescadores, que consideramos parceiros do projeto, para que foquem apenas na pesca, que de fato é seu objetivo. Para a população local: não compre (quelônios). Se não tiver quem compre, não vai ter também quem vá pegar para poder vender. E para os órgãos fiscalizadores, que estejam nos rios junto com a gente, porque nós não exercemos esse papel”.

RECUPERAÇÃO E PRESERVAÇÃO

“A nossa missão, enquanto projeto, é fazer o salvamento dos ninhos, para que a gente consiga ter essa população recuperada no rio”, declara Cristiane Cunha. O aumento de quelônios no Tocantins pode impactar em uma maior oferta de comida para os peixes desse ecossistema, bem como para outros bichos”.

Como consequência, a cientista da natureza afirma que haverá peixes maiores e mais saudáveis, elevando até mesmo o rendimento dos pescadores. Mas para que essa cadeia evolua, o ‘Projeto Quelônios de Marabá’ não pode caminhar sozinho.

Tão somente com um trabalho coletivo será exequível a conscientização para preservação dessas espécies. E esse feito não é de responsabilidade apenas dos órgãos e da população marabaense, mas, da mesma forma, de municípios vizinhos.

Atualmente, o projeto recebe apoio do Conselho Municipal de Meio Ambiente e é financiado pelo Fundo Municipal de Meio Ambiente, e da Eletronorte, mas o rol de colaboradores carece de ampliação.

“Nós precisamos que outros parceiros estejam junto com a gente, para que as nossas populações de tartaruga e tracajás se estabeleçam no rio. Se isso acontecer, é ganho para todo mundo”.

Projeto é um divisor de  águas na preservação

Desde julho de 2017 o ‘‘Projeto Quelônios de Marabá’’ realiza o manejo de tartarugas da Amazônia e tracajás. Renascido de um pedido do Conselho Municipal de Meio Ambiente, ele tem a importante missão de conter a extinção dessas espécies.

De acordo com dados da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), ao longo dos últimos seis anos, o programa já devolveu mais de 140 mil filhotes ao Rio Tocantins.

“A universidade havia trabalhado anteriormente com o manejo de quelônios. O Conselho de Meio Ambiente, preocupado com o desaparecimento da espécie no Rio Tocantins, nos procurou para desenvolvermos novamente e, também, garantiu seu financiamento”, detalha José Pedro de Oliveira Martins, professor da Unifesspa e coordenador do Núcleo de Educação Ambiental (Neam).

À reportagem do CORREIO, ele esmiúça o início do projeto e conta que o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) foi um grande motivador para a sua realização, com o apoio de Josélia Leontina de Barros Lopes, promotora de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, da 8ª Promotoria Justiça.

Financiado pelo Fundo Municipal do Meio Ambiente, o projeto ganhou um novo provedor recentemente, a Eletronorte. Pedro Martins afirma que a entidade governamental percebeu a importância do empreendimento e com seu aporte, veio também a oportunidade de estender as ações para a região do Lago de Tucuruí.

AS AÇÕES

Entre as operações realizadas está a coleta noturna de ovos, empreendida nas praias da região. Ela acontece entre o final da tarde de um dia e o final da manhã de outro, assim sendo, ninhos e ovos de quelônios ficam libertos da predação humana.

“Livrar da caça e da pesca ilegal, que existem para alimentar um comércio pirata, ilegal e criminoso. Nós precisamos fazer a coleta dos ovos exatamente para fugir disso”, assevera professor Pedro Martins.

Ele observa que a captura predatória de ovos e de fêmeas reduz consideravelmente a população de quelônios. Por conta disso, segundo o professor, centenas de animais são levados em sacos e colocados à venda a cada final de semana.

Para combater essa prática é necessário, para além da fiscalização, ele prega a conscientização através da educação ambiental. Atualmente, o projeto mantém cursos de manejo de quelônio para a população em geral. Assim, é ofertado o aprendizado de como esse trabalho é realizado.

Berçário já conta com centenas de ovos já coletados nas praias da região de Marabá

Todavia, com o ‘Projeto Quelônios’, é possível trabalhar questões que vão além da ambiental. Pedro Martins é assertivo ao falar que as diversas facetas do turismo da região podem ser exploradas.

Além das vias mais comuns para esta área – turismo esportivo, científico, universitário -, o internacional e o ecológico são uma opção a mais de aproveitamento desse programa de conservação ambiental.

Estabelecido em uma região de grande antropização (ação do ser humano sobre o meio ambiente), o projeto tem o condão de atrair a curiosidade da população – e de possíveis visitantes de fora da região. “Com um trabalho de turismo ecológico, essas pessoas podem apreciar, ver, observar e fotografar os quelônios que ficam tomando sol ao longo do rio, isso é muito importante”, reflete.

Como possibilidade, ele cita que a Ilha do Tucunaré (região onde a Praia do Tucunaré está localizada) pode ser dividida em duas unidades de conservação: uma aberta para atividade humana e que pode atender os banhistas que transitam pelo local entre junho e agosto e, também, uma outra mais restrita, localizada do outro lado da praia, onde está a sede do Projeto Quelônios.

Uma das regiões citadas por ele, que está localizada do lado oposto da Praia do Tucunaré, é onde os animais costumam realizar a postura de seus ovos. É preciso, por conta disso, conscientizar os banhistas a não explorarem essa área.

“Ela não deve ser usada para banho porque vai fazer com que as matrizes, as fêmeas de quelônios, não venham mais fazer a postura naquele lugar. É importante sensibilizar a população sobre isso”.

E em meio a inúmeras medidas de conscientização, preservação e recuperação, ainda existe margem para mais uma recomendação.

Pedro dirige sua fala aos empresários da região, principalmente àqueles sensíveis à questão ambiental e adverte ao falar que este é um tópico importante para o desenvolvimento econômico, social e cultural dessa circunvizinha, e daí a relevância desse engajamento.

(Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)