Correio de Carajás

O amor é a força motriz de duas mulheres em Marabá

Bianca Nascimento e Lynda Sousa são duas mulheres com narrativas diferentes, mas intrinsecamente ligadas por um amor revolucionário

A cantora marabaense Lynda Sousa e sua esposa, Bianca Nascimento, compartilharam com o CORREIO suas histórias/Fotos: Evangelista Rocha

No recorte da mídia, a vida da mulher lésbica está sempre atrelada a preconceitos, tragédias e, uma vez ao ano, ao dia do orgulho. Tratando-se de lésbicas, são raros os conteúdos que vão contra o senso comum e narre a vida cotidiana de uma mulher que se relaciona com outra mulher e, muito menos, focando no ser humano por trás da orientação sexual. Não é que os obstáculos não precisem ser retratados, mas a história individual também possui suas virtudes dignas de serem rogadas.

Considerando isso, a reportagem deste CORREIO entrevistou Bianca Nascimento e Lynda Sousa, duas mulheres com narrativas diferentes, mas intrinsecamente ligadas por um amor revolucionário.

Bianca é uma figura destemida do desafiador mundo financeiro. Rompendo barreiras e conquistando seu espaço, a residente de Marabá há quase 20 anos, atua como correspondente bancária especializada em financiamento de crédito rural.

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Mais do que uma mulher em um ambiente dominado por homens; ela é uma líder. Representando uma das poucas que atuam nesta área. Com grande notoriedade, Bianca é um exemplo de determinação para todas as mulheres que buscam sucesso em campos tradicionalmente masculinos.

Um relatório da Women in Business 2022, da Grant Thornton, uma das maiores empresas globais de auditoria, consultoria e tributos, aponta um crescimento expressivo do número de mulheres em cargos de liderança no Brasil. Entre 2019 e 2022, houve um aumento de 13%, elevando a participação feminina de 25% para 39% em posições de liderança no país.

É importante também lembrar que, para pessoas LGBTQIAP+, esse percurso pode ser ainda mais desafiador. Além dos obstáculos já mencionados, enfrentam o estigma, a discriminação e o preconceito, relacionados à sua orientação sexual ou identidade de gênero. À medida que os números e as estatísticas demonstram um avanço na participação feminina em cargos de liderança, é essencial reconhecer os desafios persistentes que as mulheres enfrentam e continuar a apoiar a causa da equidade de gênero em todas as esferas da sociedade.

Atraída por uma reportagem da revista Veja que descrevia Marabá como o “tigre da Amazônia”, Bianca conta que sua decisão de se mudar para a cidade foi impulsionada por uma curiosidade intrínseca e pelo desejo de explorar novas oportunidades. O que começou como uma aventura, rapidamente se transformou em uma estadia duradoura.

Sua jornada profissional, no entanto, tomou um rumo inesperado. Antes de se tornar uma especialista em financiamento de crédito rural, a belenense era professora. Mas, graças a uma reviravolta do destino, tudo mudou. Ela narra que a sua, a priori, amizade com Lynda, que se formou em uma festa de aniversário, a levou ao mundo das finanças, onde encontrou sua verdadeira vocação.

O caminho não foi isento de desafios. Ela relembra momentos em que precisou elevar a voz e ser firme para que fosse ouvida e seu trabalho fosse valorizado. Para muitas mulheres, essa luta é uma realidade comum ao ingressar em campos dominados por homens. No entanto, ela também ressalta que, com determinação, foi possível superar esses obstáculos e conquistar o respeito que merece e tem.

Hoje, Bianca é respeitada por sua equipe e colegas de trabalho. Ela afirma que no cargo atual nunca enfrentou problemas ligados à sua orientação sexual, algo que atribui à sua postura firme e ao seu profissionalismo. Além disso, também destaca que a empresa em que trabalha valoriza e promove mulheres em cargos de liderança, demonstrando um compromisso com a igualdade de gênero.

Apesar de não estar diretamente ligada ao ativismo feminino e LGBTQIA+ da cidade, Bianca pode ser vista como uma figura inspiradora para todas as mulheres que aspiram a conquistar seu espaço em ambientes desafiadores. Sua mensagem é clara: “Nunca seja coitadinha, porque as pessoas só vão te respeitar quando você se tornar o autor de sua própria história.”

História de cumplicidade, perseverança e resiliência

A história de Lynda e Bianca é um grande exemplo de cumplicidade, perseverança e resiliência. Com sete anos de união, o casal não apenas consolidou seu relacionamento, mas pode também ser enxergado como um farol de esperança e inspiração para a comunidade.

Em uma conversa com as duas, é possível embarcar em uma viagem pelo tempo, explorando desde o primeiro encontro até os desafios que enfrentaram ao iniciar seu relacionamento.

Inicialmente, as duas compartilhavam apenas uma amizade que nasceu depois de um curso onde Lynda era estudante e Bianca a professora, em 2010. Nos anos seguintes, após o primeiro contato, mesmos os encontros sendo esporádicos, Bianca expõe que Lynda começou a demonstrar interesse e a cortejá-la pelo Instagram. E deu certo em 2016, quando a cantora foi correspondida.

A relação avançou rapidamente, como Lynda recorda: “Fomos movidas pela emoção, e, acredite ou não, com apenas três meses de relacionamento, decidimos morar juntas. Essa mudança foi acompanhada por desafios financeiros significativos, mas, graças a Deus, conseguimos superá-los gradualmente.”

Além das dificuldades financeiras, o casal também enfrentou a resistência de ambas as famílias. Para Lynda, a situação foi ainda mais complicada, já que Bianca era sua primeira namorada. Algo que, atualmente, já não é mais uma questão, considerando que a harmonia paira sobre o lar da família de cada uma e, principalmente, em reuniões que envolvam as duas.

ROMANCE MELÓDICO

A música desempenhou um papel fundamental em suas vidas, permitindo que alcançassem uma carreira de sucesso: “Tanto eu quanto ela decidimos viver de música, deixando nossos empregos anteriores para trás”, relata Lynda, acrescentando que o cachê era de apenas R$50. Mas, a situação financeira foi revertida com determinação e trabalho árduo. É que compensou cada gota de suor.

Por outro lado, antes de Bianca se tornar a líder profissional que é, precisou sentir na pele a lesbofobia no mercado de trabalho. Traumático, ela conta de quando foi demitida por preconceito. Algo que fez nascer dentro de seu peito o sentimento de raiva. Mas, hoje, como sua esposa bem ressalta, a situação fez com que Bianca transformasse o negativo em uma capacidade notável de perdoar.

Ainda, com muito carinho, a cantora destaca a força da esposa que, apesar de sua batalha diária com a fibromialgia, uma condição dolorosa e, muitas vezes, silenciosa, não deixa de continuar trabalhando com o que ama: “Bianca lida com dores intensas todos os dias. Atualmente, ela tem dezesseis pontos de dor ativos, enquanto a fibromialgia envolve dezoito”, relata.

A visibilidade do casal no meio artístico tem quebrado muitos preconceitos. Segundo Lynda, as pessoas as conhecem e percebem que vivemos em harmonia, sem desrespeitar ninguém. Promovemos amor e respeito.

O casal não é apenas uma história de amor, mas também um exemplo para muitos, especialmente dentro da comunidade LGBTQ+.

Bianca deu a outra face aos episódios de lesbofobia, transformando a raiva em perdão

Do Karaokê aos palcos da vida profissional

É raro quem não conheça Lynda Sousa, a cantora de forró que embala muitas noites marabaenses há mais de 10 anos. Mas, nem todos sabem que por trás da figura artística exista tantas nuances envolvendo uma mulher em um ambiente de trabalho também tomado por homens e, com uma história de superação.

Nos últimos anos, o papel das mulheres no mercado de trabalho tem passado por uma transformação notável. Posições de liderança, que outrora eram predominantemente ocupadas por homens, agora veem um protagonismo feminino em ascensão. Dados atuais indicam uma tendência de crescimento do domínio feminino em diversos setores profissionais, marcando uma transição importante na equidade de gênero.

O início desta canção, chamada de jornada, iniciou quando Lynda ainda era criança. Ela recorda, com brilho nos olhos, que, o pontapé inicial foi dado pelo seu falecido tio, quando de presente, lhe deu um microfone de karaokê. O que era para ser só uma brincadeira, virou rotina: “Após a escola, eu corria de volta para casa para cantar com os CDs de brega e forró.”

Desde cedo, a marabaense revelou sua paixão pela música e sua determinação inquebrável em seguir seu sonho. Começando com apresentações nas missas da igreja católica de sua família, Lynda logo se tornou líder do ministério de música. No entanto, sua jornada profissional começou em 2012, quando deu o salto corajoso para o cenário noturno, abraçando o mundo da música como sua profissão.

Contudo, um capítulo doloroso interrompeu temporariamente a carreira: “Passei por um relacionamento abusivo muito difícil”, revela. A situação fez com que ela desse uma pausa prolongada na trajetória, já que tinha medo das ameaças e de encontrar a agressora.

A VOLTA POR CIMA

Mal sabia que na amizade, Lynda encontraria a pessoa que se tornaria uma força motriz para sua carreira musical: Bianca. Com carinho, a cantora conta que ela a incentivou como ninguém antes. Inicialmente, a marabaense se recusava a voltar a cantar e isso chegou a ser motivo de discussões entre as duas, mas, essa narrativa trata de determinação.

E assim, Bianca ajudou Lynda a encontrar o caminho de volta à sua paixão musical, gradualmente reerguendo seu nome através de participações em concursos locais, como o Rainha Expoama, entre outros eventos.

Hoje, Lynda é uma artista respeitada na região, com uma agenda lotada e constantes viagens que a consolidam como uma figura de destaque na cena musical.

Questionada se gostaria de compartilhar uma mensagem de força para as mulheres que podem estar enfrentando desafios semelhantes aos que ela superou, fez de suas palavras um abraço acolhedor ao dizer que, a coragem é a principal arma na vida de alguém que se sente desacreditada com o que exerce profissionalmente. Tomando sua história como exemplo, Lynda se dispõe a ser um apoio a quem precisar.

“Se você está enfrentando dificuldades hoje ou se sente desacreditada em relação ao que faz, tenha coragem de sair de onde está. Com o tempo, ganhei forças para sair daquele lugar, tive coragem para retomar meu sonho, e você também vai conseguir. Estou aqui para todas vocês, como uma amiga, pronta para ouvir e oferecer apoio, mesmo que seja apenas para desabafar ou receber uma palavra de incentivo. Estou aqui.”

(Thays Araujo)