A última vez que falei com ele foi no Carnaval. Me enviou um vídeo de um amigo em comum que estava dançando de forma estranha numa festa em que ambos e rimos juntos da situação – por mensagem de WhatsApp mesmo. Fazíamos isso sem pudor e por diversas ocasiões diferentes – até quando era de nós mesmos.
Depois daquele episódio, nunca mais ele voltou a falar comigo. A amizade foi quebrada e só fui perceber dias depois, quando não respondia ao que eu falava pelo WhatsApp nem presencialmente.
Nós nos conhecemos cinco anos antes, em ambiente de trabalho e nos encontrávamos quando nossas circunstâncias e orçamentos permitiam. A relação foi de irmãos até o Carnaval deste ano
Leia mais:Quando senti que a amizade estava rasgada, ainda tentei, algumas vezes, descobrir o que tinha ocorrido, o que eu havia feito, mas o silêncio reinou até mesmo quando estávamos só os dois, no carro.
A partir daí, ele nunca respondeu, e eu nunca tentei novamente. Foi como se eu tivesse sido abandonado. Passei semanas muito mal com aquela situação. Tentei vasculhar na cabeça o que eu tinha feito. Também dei um pente fino nas conversas do WhatsApp, no Telegram, no Instagram, Twitter, mas nada que apontasse para algo que eu tivesse dito de ruim para ele.
Recentemente desenterrei minha última mensagem de Whats: “Estou fazendo isso como uma última tentativa de entrar em contato”, escrevi em uma nota que me faz sentir uma combinação de mágoa e constrangimento, mesmo agora. “Espero que possamos nos reconectar.”
O ghosting – quando alguém corta unilateralmente a comunicação sem aviso ou explicação – tornou-se uma parte aparentemente inevitável da cena moderna de namoro, mas prestamos muito menos atenção a isso como um fenômeno entre amigos.
Esse termo inglês é derivado da palavra “ghost”, que significa “fantasma” em português. A expressão é usada quando você está se relacionando com uma pessoa e ela desaparece de repente, como um fantasma. O match ou parceiro passa a ignorar suas mensagens e ligações, e pode até mesmo te dar unfollow nas redes sociais. Ou seja, levar ghosting de alguém significa ser abandonado sem maiores explicações. Em bom português, trata-se de um verdadeiro sumiço.
No entanto, pesquisas sugerem que experiências como a minha são bastante comuns. Em um estudo de 2018, 39% dos participantes disseram que tinham levado um ghosting de um amigo. E um estudo publicado no início deste ano descobriu que as pessoas geralmente se sentem tão magoadas quando isso acontece da parte de um amigo quanto depois de levarem um ghosting de um parceiro romântico.
Devo confessar que levar um “sumiço” de um amigo sem aviso prévio mexe com a autoestima. Cresci achando que a gente deve manter os amigos por toda a eternidade, mas, olhando para trás, vejo que boa parte dos amigos da infância e adolescência, aqueles que viviam lá em casa ou eu na casa deles, já não fazem mais parte do círculo de amizade. Estão por aí…
Numa palestra online, que assisti semana passada, ouvi uma escritora dizer uma frase marcante: “Tente recuar e lembrar que nem todas as amizades, mesmo as muito boas, duram para sempre”, disse Marisa Franco, uma psicóloga brasileira.
Ela me alertou que também pode ajudar o ato de reconhecer que levar um ghosting é uma forma de “perda ambígua”, e que é normal sentir-se triste, com raiva ou envergonhado, e é normal ficar ruminando.
Foi depois de assistir a essa palestra dela que achei catártico escrever sobre isso em minha coluna semanal e perceber que não sou o único que passou por uma experiência como essa.
Por fim, num bate papo com minha filha Brenda sobre o problema, ela me lembrou que “levar um fora” pode não ter nada a ver comigo, e que meu amigo pode estar lutando com problemas de saúde mental, uma doença ou problemas familiares e “pode não estar pronto para compartilhar isso – mesmo com um amigo muito bom”.
Às vezes é óbvio que um amigo não quer mais saber de você, como foi o meu caso. Mas, muitas vezes, as amizades simplesmente se esgotam. Mesmo que você nunca receba uma resposta, isso pode pelo menos ajudar a interromper o ciclo de ruminação.
* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.