Você deixaria uma empresa escanear a sua íris em troca de cerca de R$ 250? Este é o incentivo da Worldcoin, organização que já está na mira de reguladores internacionais devido ao seu plano de registrar dados biométricos das mais de 8 bilhões de pessoas em todo o mundo.
O projeto chegou a disponibilizar três locais de atendimento em São Paulo, mas eles não estão mais disponíveis. A Worldcoin afirmou que a operação por alguns no Brasil era um teste e não informou quantas pessoas se cadastraram no país.
“Esses serviços não tinham a previsão de serem permanentes no momento. Esperamos estabelecer serviços contínuos no Brasil no futuro”, disse a Worldcoin ao g1.
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A iniciativa foi lançada no final de julho por Sam Altman, presidente-executivo da empresa que criou o robô ChatGPT. Segundo a organização, o objetivo é criar um “passaporte digital” que ajude a diferenciar seres humanos de robôs de inteligência artificial.
Mas o projeto ligou um alerta em autoridades e chegou a ser suspenso pelo governo do Quênia, onde 350 mil pessoas já tinham se inscrito, segundo a imprensa local. Órgãos reguladores de dados na França, na Alemanha e no Reino Unido também estão examinando a iniciativa.
Ao g1, o Rafael Zanatta, gerente do Data Privacy Brasil, e Nina da Hora, cientista da computação e diretora do Instituto da Hora, apontaram que falta transparência sobre como a Worldcoin lida com dados de usuários.
A Worldcoin é uma rede de identificação digital, e seus fundadores afirmam que ela vai estimular a inclusão financeira em todo o mundo. A iniciativa alega que o escaneamento de íris é o único meio seguro de determinar a identidade de alguém entre bilhões de pessoas.
A estrutura da Worldcoin tem três frentes:
- World ID, como é chamado o passaporte digital que transforma o registro da íris em uma sequência numérica;
- Token Worldcoin (WLD), a criptomoeda que será distribuída como recompensa para todos os inscritos;
- World App, o aplicativo que permite fazer transações com a criptomoeda.
Mais de 2,2 milhões de pessoas escanearam a íris desde maio de 2021, quando o projeto ainda estava em fase beta, segundo a Worldcoin.
Quem está por trás do projeto?
As câmeras e o aplicativo usados pela Worldcoin foram criados pela Tools for Humanity, empresa de Sam Altman, presidente-executivo da OpenAI, que criou o ChatGPT, e Alex Blania.
Mas a Worldcoin afirma que é administrada pela Worldcoin Foundation, que tem sede nas Ilhas Cayman e é definida pelo projeto como “um tipo de organização sem fins lucrativos”.
“A Worldcoin Foundation é [uma organização] ‘sem membros’. Não tem donos ou acionistas. É governada por um conselho com três diretores: Krzysztof Waclawek, Phillip Sippl e Glenn Kennedy, da Leeward Management”, diz o projeto em seu site.
Para que os dados serão usados?
A foto feita por meio da Orb é usada para criar um código numérico para identificar cada usuário e, de acordo com a Worldcoin, é apagada logo é seguida. Segundo a organização, os usuários não precisam compartilhar nome, número de telefone, e-mail nem endereço.
O código da íris será usado para confirmar a identidade das pessoas e diferenciá-las de robôs. Isso pode ser útil para redes sociais que querem verificar se uma conta está realmente sendo usada por um ser humano, por exemplo.
Mas a Worldcoin vai além e diz que permitirá que governos usem sua infraestrutura em “processos democráticos globais”. A iniciativa também defende que sua ferramenta pode ser um caminho para a criação de uma renda básica universal.
“Não acho que seremos os responsáveis por gerar uma renda básica universal. Se pudermos criar a infraestrutura que permita que governos ou outras entidades o façam, ficaremos muito satisfeitos”, disse à Reuters Ricardo Macieira, gerente para a Europa da Tools for Humanity.
Quanto a Worldcoin paga?
Quem cadastra a íris pelo Orb ganha 25 unidades da WLD, como é chamada a moeda da Worldcoin. A quantia é avaliada em US$ 48 (quase R$ 240) na cotação de 8 de agosto, após uma desvalorização de 19% nos sete dias anteriores.
Depois, cada usuário tem direito a 1 WLD (cerca de R$ 9,50) por semana por meio do World App. Também há uma promessa de bonificações pontuais para quem ajuda a levar o projeto à frente, incluindo desenvolvedores e criadores de conteúdo.
Quais são as críticas ao projeto?
Apesar de não precisar manter imagens da íris de usuários, a Worldcoin está sendo criticada pela falta de detalhes sobre como vai tratar outras informações que coleta. Isso porque a sequência numérica gerada a partir da foto funciona como um dado biométrico, que é considerado sensível.
“Mesmo que a imagem do teu olho tenha ido embora, o identificador único permanece. Existe uma intenção de reutilizar esse sistema e ganhar dinheiro em cima dele fazendo autenticações”, afirmou Zanatta, do Data Privacy Brasil.
Para ele, o problema não está na possibilidade de vazamentos de dados, e sim no modo como eles serão usados. “E a Worldcoin presta contas para quem? É uma empresa global, que não é parte de nenhum ente nacional ou internacional. Aí reside um problema bem importante”.
Para Nina da Hora, a Worldcoin levanta questões sobre até que ponto uma organização independente pode coletar qualquer tipo de código genético de pessoas. “É extremamente delicada a afirmação de que precisam invadir a privacidade das pessoas para protegê-las”, afirmou.
“Cada vez mais temos bases de imagens privadas e públicas sendo utilizadas sem o consentimento das pessoas envolvidas. Queremos transportar isso com o uso de íris sem pensar, de fato, nos perigos contra a vida de alguém?”
No Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) afirmou que eventuais violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) são constatadas somente depois de processo fiscalizatório.
“Considerando o recente lançamento da ferramenta, a ANPD avaliará a necessidade de adoção de providências para verificação da conformidade da plataforma com a LGPD. Cabe lembrar que o tema sobre tratamento de dados biométricos está previsto para regulamentação na Agenda Regulatória da ANPD”, afirmou a entidade.
(Fonte:G1)