Uma amiga viu que o namoro estava no fim quando em um dos derradeiros Dia dos Namorados deu de presente ao amado duas caixas de remédio. Cartelas de Captropil, medicamento receitado para controlar a pressão arterial. Havia mais ali do que ela falou para ele naquela noite, durante um jantar tosco na Ilha Verde, um restaurante muito frequentado na Orla de Marabá.
Ela mesma, depois achou uma derrota ter cometido aquele gesto tão sem romantismo. E, mais ainda, ele ter aceitado os comprimidos sem estranhamento.
Já não havia mais paixão e o alerta para assumir que tudo tinha acabado estalou com as pílulas. Não era mimo que se presenteasse ou recebesse. Coisa feito perguntar o que a pessoa está precisando. Seis meses depois do namoro findo, ela olhou para trás e chegou à conclusão de que tinha mesmo cometido uma indelicadeza sem tamanho.
Leia mais:Após a invenção do presente útil, aquele que tem serventia de voucher, se perdeu meio que a aura de ser surpreendido por algo indizível e refém do apaixonante.
E não precisa ser uma coisa supercara para impressionar, como fez um ex-vereador no Dia dos Namorados do ano passado. Depois que a namorada lhe deu um fora, a ex-sogra foi a Belém tomar de volta o automóvel e as joias que ela havia recebido. Muquiranice.
Presente é meio a história de surpreender ou a disposição de alguém fazer o outro, por alguns minutos, suspender o juízo ou ter o simples prazer sincero de achar bom ser amado. Pode ser uma coisa tão simples, como vi dias atrás um vendedor de chopp levar para a namorada um Guaraná Jesus de presente. Com o dinheiro que apurou vendendo seu produto na porta da Escola, acabou passando no Supermercado Mateus e comprou um Jesus que ela tanto ama. Um dia desses vou levar ela para comer uma pizza, me disse o adolescente de 17 anos. Iria juntar dinheiro em duas semanas para realizar o sonho – que era mais dele do que dela.
Presentear é assim: há um rosário de delicadezas. Sem a loucura de coisas sem rumo e que, mais tarde, possa causar arrependimento ou dano.
Quando o Armazém Paraíba ainda funcionava por aqui, uma moça que morava na minha rua parcelou em doze vezes o presente caro que queria dar ao namorado – uma televisão para ele assistir aos jogos da Copa – e o romance se acabou na quarta prestação.
Entre amigos meus, um deles tatuou o nome do outro nas costas. Um desamor próprio com desfecho quase certo de constrangimento. Depois, procurou o famoso tatuador Berão para resolver o problema. O profissional teve de se rebolar para encobrir aquele nome estampado nas costas.
Pode ser preconceito, mas não sinto energia bacana cunhar no corpo o nome de um filho, de pai ou da mãe. Imagine de um favorecido.
Bom, presente do Dia dos Namorados é sempre uma encruzilhada e, às vezes, estressa o que poderia ser fruição. Talvez, as melhores prendas sejam aquelas menos de última hora.
Aquele momento em que você faz qualquer gesto pra cumprir mais uma data. E uma fotografia, numa moldura, faria toda diferença. É algo pensado, calculado, que dificilmente dá errado.
Tem gente que caminha pelos corredores do shopping, entra em lojas, mexe em tudo, vasculha, mas acaba não acertando no presente ideal.
Um dia, procurei um manual sobre como escolher presente certo para a amada. Lá, descobri que, os homens raramente compram o presente certo. Por mais que elas deem várias dicas do que desejam ganhar, muitas vezes, os seus parceiros conseguem desviar do foco e acabam comprando algum item que não agrada.
Escrevi tudo isso, não porque esteja perto do Dia dos Namorados. Mas porque se aproxima o aniversário de 30 anos de meu matrimônio e ainda não sei o que dar para Ana Raquel. A data é em 24 de setembro, mas confesso que ando meio preocupado.
Confesso que em várias ocasiões eu acertei o presente, mas em outras nem tanto. Mesmo assim, ela foi bastante educada e generosa comigo.
“Amor é gente querendo achar o que é da gente…”.
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.