Correio de Carajás

O encontro com inhumas é uma história pra contar

Há algumas besteiras na vida que vou querer, até quando o corpo envelhecendo não for impedimento, nunca deixar de experimentá-las. O trabalho, o vai e vem dos dias só fazem sentido se a gente se permitir continuar desfrutando de momentos que nos fazem sossegar e ter certeza de que a vida vale a pena.

Tira-me dessa importância que os dias e as pessoas têm de ter.

Livra-me das cláusulas de pai, marido, amigo, professor, jornalista, filho de pai que se foi cedo demais, irmão de quatro mulheres (todas diferentes entre si), filho de mãe que às vezes chora sem saber por que…

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Das coisas bestas que tento não me furtar, escrevo delas porque careço e ando, às vezes, pobre de carinho.

Muita gente, querendo me fazer uma tocaia, sangrar meu sangue, sabe que posso estar (nalgumas horas do dia) por onde há uma floresta invisível, um fiapo de riacho cimentado. Ou sombra de árvore que me traga… Esperando por um beija-flor e o prazer (sem importância) de tê-lo avistado.

Maioria das vezes, vê-los por segundos de uma espera de horas. Sim, amo fotografar beija-flor e também bem-te-vi, porque o papo amarelo que esses últimos carregam me encantam. É um pássaro que a gente vê em todos os cantos da cidade.

Por último, bestamente, me pego fotografando um casal de inhuma que descobri recentemente numa matinha nos fundos do bairro em que moro. Toda manhã se pegam a cantar por lá e seu canto é tão alto que o vizinho mais próximo da pequena floresta encantada já me confessou que acordava irritado, no início, mas que agora se acostumou a apreciar aquele canto altissonante e incomum.

Conheci a inhuma em uma viagem de 16 km a bordo de um caiaque, descendo do Porto do Tacho até a foz do Itacaiunas, subindo depois Tocantins acima mais uns três quilômetros. Meu filho Breno fotogravava com uma 70×200 e ambos ficávamos assustados com aquele barulho que vinha da margem esquerda do Itacaiunas. Eu remava e ele fotograva. Mas os dois achávamos que seria a boiuna que emergia e queria nos pregar uma peça. Mas aquele barulho era tão alto que nunca, nunca pensaríamos que viria de uma ave – ou duas.

Descobrimos que estavam pousadas numa gameleira na beira do rio. Mesmo com medo, ele teve o privilégio de fotografar o casal, minutos depois, cruzando o céu por cima do rio e jamais imaginava que aquela imagem seria emoldurada em uma parede enorme no Museu Municipal Francisco Coelho, meses depois.

Depois, fui ler sobre as inhumas no Dr. Google e percebi que, na fase adulta, a ave mede 80 centímetros de comprimento, 61 centímetros de altura, 170 centímetros de envergadura e pesa 3,2 quilos. É de cor preta, tendo o ventre branco. Seus pés parecem deformados, pois são enormes os dedos. Na cabeça possui um espículo córneo com 12 centímetros de comprimento. Tem como defesa dois enormes esporões nos ombros.

Depois que demos o zoom no computador, em casa, enxerguei o tal esporão, que é bonito e lhe diferencia da maioria das aves da região.

Noutro domingo qualquer, na chácara da amiga Vanda Américo, cruzamos com outro casal de inhuma. Foi o canto, ao longe, que nos chamou a atenção. A gente já não confundia com mais nada. Mais uma vez, a câmera estava nas mãos do Breno, eu fui feliz e me achei importante, um pós-doutor do vento, por ter aprendido a distinguir aquele ruído numa árvore. Como a distância era menor que a do Rio Itacaiunas, agora as fotos ficaram melhores ainda e com mais qualidade para aproximar.

Que besteira! Alguns dirão. Dar a esse moço este espaço para escrever sobre passarinhos que insistem em habitar um resto de floresta inventada às margens da cidade?

O pedaço de floresta onde o casal de inhuma se esconde perto da minha casa atual é o que sobrou de uma mata muito maior que o Grupo Mirante transformou em vários condomínios fechados de luxo e com algumas nascentes de água passando dentro.

Pois então. Logo eu, um acelerado, aborrecido em muitas horas do dia… Afogueado entre os instantes que viro, por exemplo, motorista de alguns colegas… Descobrir coisas que nunca pensei que me seriam reveladas… Um ninho (sendo aberto) de um bicho invisível pra a cidade!

Mas vi que também não arredo o pé de ficar para cima e para baixo com os filhos, com a neta. De tê-los num almoço, mesmo corrido.

Sim, as inhumas e outros pássaros são uma excelente companhia para nos livrar da selva de pedras.

* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.