Eu conheci Roberto Neves em uma confra do trabalho de minha esposa. Experiente trabalhador da saúde, ele era também pacato. Pouco falava, muito ouvia. Ria discretamente, mas nunca se gabava de nada. Só contava história quando o protagonista era o outro.
Pois bem. No Dia dos Namorados, eu e tantos outros homens postamos mensagens no Instagram, Facebook, Twitter e até em grupos de WhatsApp homenageado a companheira no Dia dos Namorados, em 12 de junho. E não há nada de errado na declaração pública.
Mas Roberto Neves teve outro jeito de celebrar. Poucos sabem, mas ele vive um drama familiar homérico. Ao passar dos 50 anos de idade, de uma hora para outra, no início do ano passado, sua esposa começou a apresentar um problema de saúde crônico que até hoje os médicos não diagnosticaram. Foi perdendo funções motoras e cognitivas e ele, aos poucos, precisou cuidar mais dela do que de si mesmo.
Leia mais:À medida que a mulher se isolava socialmente em casa, ele ia menos ao trabalho, porque Kátia Neves depende dele até mesmo para ir ao banheiro. O casal tem apenas um filho, servidor público que mora em Paragominas e não consegue vir a Marabá com frequência para ajudar a cuidar da mãe na rotina.
Roberto fez o que pôde. Contratou ajudante para o período da manhã, mas o restante do dia ele mesmo faz tudo, inclusive na madrugada. Prepara comida, bebida, seu suco favorito (cajá) e agora compra fraldas geriátricas e tenta deixá-la o mais confortável possível.
Kátia já não se comunica mais de forma verbal. Pequenos gestos aqui e ali informam o que ela precisa, onde dói e o estado de demência só aumenta a cada dia.
E foi no Dia dos Namorados, neste mês de junho, que ele quis realizar uma celebração no lugar costumeiro de outros anos. Encomendou um jantar de um dos restaurantes mais caros da cidade, pôs uma mesa no quintal, acendeu velas, contratou uma decoração especializada e ofereceu um jantar romântico para o amor de sua vida.
Não teve fotos, não teve textão para o Instagram e Facebook. Havia música. “Ballade pour Adeline”, interpretada pelo piano de Richard Clayderman, vinha de uma JBL comprada na Feira da 28 e que preenchia o ambiente e chegava à casa dos vizinhos bem suave. Podiam interpretar como qualquer coisa. Ou nenhuma mesmo.
Ali no quintal eram apenas ele e ela. Amantes, como antes. Ele falava coisas que Kátia parecia não entender. Relembrava o passado em Araguaína, onde se conheceram, e como vieram parar em Marabá na década de 1980, para ele trabalhar em Serra Pelada.
Embora sentada e, aparentemente sem expressar sentimentos naquela cadeira de plástico branca, a mulher girava lentamente o rosto, observava e meneava a cabeça para cima e para baixo, como se estive dando sinal de aprovação da comemoração e também do cardápio. Era Tucunaré na Manteiga, seu preferido em momentos de comemoração, quando saíam para comer na Ilha Verde.
Naquela noite de segunda-feira, em que os restaurantes de Marabá estavam abertos e cheios de casais que trocavam palavras, carinho, presentes e aparentavam felicidade na relação, Roberto Neves estava longe dos holofotes, cercado por um muro sem reboco, tendo muriçocas como testemunha.
Sim, havia sinceridade em suas palavras. Não havia tédio em falar sozinho e sua voz parecia estimular Kátia a pensar. Dela, rolaram apenas lágrimas na hora em que Roberto renovou os votos de amor e mostrou para Kátia que o “sim” dito ao padre numa tarde de sexta-feira, no interior do Tocantins, estava valendo, na saúde e na doença, até que a morte os separe.
* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.