O sistema digestório responde a agressões infecciosas, imunes, tóxicas e isquêmicas com a reação inflamatória. Existe uma exacerbação da resposta humoral com maior produção de anticorpos, mas o envolvimento direto desses anticorpos na lesão tecidual parece limitado.
Na última metade do século XX, observou-se um aumento progressivo e significativo de certas formas de inflamação intestinal de causa desconhecida ou idiopáticas chamadas, genericamente, de doenças inflamatórias intestinais (DII). Destas, as duas manifestações mais comuns são a retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn.
No século VI a.C., Hipócrates, médico grego da cidade de Cos e considerado o pai da medicina, em seu livro Corpus Hippocraticum peri Syriggon, bem como os médicos Aretius de Cappadocia e Soranus de Éfisus, entre outros, no século II d.C., descreveram um tipo de diarréia crônica associada com evacuações sanguinolentas e ulcerações no cólon com características diferentes de outros tipos de diarréias conhecidas na época, constituindo uma enfermidade que se assemelhava à retocolite ulcerativa.
Leia mais:No entanto, a retocolite ulcerativa (RCU) foi descrita pela primeira vez como entidade nosológica por Samuel Wilks, do Hospital Guy de Londres, em 1859, com o relato da necrópsia do primeiro caso da enfermidade, encaminhado por carta ao Medical Times and Gazette. A relativa demora na sua descoberta deveu-se ao fato de que todo quadro diarreico era tido como de origem infecciosa.
Deve-se também a Wilks, auxiliado por Moxon, em 1875, a sua definição como entidade patológica específica, denominada por eles de “inflamação de intestino grosso ou colite idiopática”. Em seguida, caracterizam-na, distinguindo-a de outras doenças inflamatórias intestinais (disentéricas) já bem conhecidas no século XIX, passando a divulgá-la em aulas e livro.
Habershon, em 1862, descreve em seu livro Doenças do abdome os clássicos pseudopólipos da RCU: “estas ulcerações intestinais gradualmente tendem à coalescência até haver a destruição de toda a superfície da mucosa, com exceção de isoladas porções aqui e ali, que se tornam intensamente congestas e assemelham-se ao crescimento polipoide”.
Sir William Allchin, em 1885, fez a distinção entre a RCU e as colites específicas, tendo descrito: “é importante que o termo disenteria não fique restrito às doenças inflamatórias tropicais e não deve ser aplicado como adjetivo a qualquer forma de diarreia ou ulceração do cólon”.
A possibilidade da terapêutica cirúrgica dessa enfermidade ainda obscura somente surge no final do século XIX, com a realização de uma colostomia numa mulher portadora de RCU para irrigação do cólon inflamado, realizada por Mayo-Robson de Leeds em 1893.
Foi em 1931 que Sir Arthur Hurst fez uma completa descrição de suas características patológicas e endoscópicas pela retossigmoidoscopia. No entanto, a RCU somente recebeu atenção especial, sendo considerada uma importante doença inflamatória intestinal, na última metade do século XX.
A confirmação de que a RCU e a doença de Crohn eram entidades patogênicas diferentes ocorreu em 1961 por Lockhart-Mummery e Morson, quando apresentaram uma descrição detalhada dos achados clínicos e patológicos dessas duas enfermidades, incluindo a caracterização de doença segmentar e da inflamação granulomatosa.
Nos dias atuais, a RCU é uma doença universal e caracteriza-se por ser de etiologia desconhecida, lesando extensões variáveis do cólon e do reto, em continuidade, com comprometimento predominante da mucosa, ocasionando quadro clínico polimorfo. Além das manifestações intestinais, pode ocasionar outras extra-intestinais.
Em nossos dias, já há um bom conhecimento dos mecanismos responsáveis pela inflamação crônica nas DII. O sistema imune é responsável por todos os fenômenos, tanto agressivos como protetores, incluindo desde os primeiros sintomas clínicos da enfermidade até seu estágio crônico, bem como o desenvolvimento de complicações ou remissão. O tema prossegue na edição de terça-feira.
* O autor é especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.