Correio de Carajás

Marabá é uma tosca cidade sem primavera?

Estou cansado de ouvir que Marabá não tem primavera. Talvez seja verdade. Deve ter sim. Se não tivesse, o que são todas essas flores que estiveram por aí nas últimas semanas? E mesmo que o nome não seja primavera há avenidas, paradas de ônibus e esquinas repletas de amarelo, de róseo, de violeta, de lilás, de encarnado.

Segundo os meteorologistas, setembro e outubro são marcados por ser um período de seca. Em Marabá, temos a sensação de possuir apenas dois períodos bem definidos, “o das chuvas e o do sol”.

O fim do inverno sinaliza o início da primavera. O que marca a sua chegada é um fenômeno astronômico chamado equinócio de primavera. A estação de transição entre o inverno e o verão começou oficialmente no dia 22 de setembro, e prossegue até o dia 21 de dezembro. No entanto, Marabá não vivencia as quatro estações do ano da mesma forma como ocorre em outras regiões do Brasil.

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E se não há primavera por aqui, se não quiseram parir essa estação pra gente olhar e ter o prazer de não varrer o chão, inventemos outro nome. Tempo de mais beija-flores, inflorescência marabaense, mês-de-ver-mais-flor. Sei lá.

A primeira rebentação das flores antes do inverno aqui no sudeste do Pará, numa cidade que tem dois rios, vem para diminuir a sensação de buzinas, a gastura das fumaças das gasolinas fósseis, vem para estancar os cânceres.

Uma amiga escreveu e eu li no Instagram que os sonhos dela tiveram de mudar tempestuosamente. Uma subida pelo pé de feijão não mágico do João com o paraquedas arrombado. Veio a necessidade, à força, de ter de viver outra história.

Fazia sentido tudo que fez até ali, mas o presente pediu para existir sozinho. Um dia a cada tratamento e as novas convivências. Vi numa cena, da série “Uma nova mulher”, o terapeuta perguntar se a moça agradeceria ao câncer aquela oportunidade de outra vida.

Ela bufou, lógico. Teve vontade de dar um cotoco para o cara, eu também faria assim. Mas correr risco tem, também, algo de tesão em meio ao medo, à dor, às interrogações e à saudade do futuro.

É do nada, na maioria das vezes, que os cordéis inconvenientes se anunciam nas noites ruins de dormir. A expectativa dela passou a ser peitos novos, mais sedutores ainda, e uma tatuagem para aproveitar as cicatrizes que o câncer deixou.

Até imaginei. Ela é bonita, tem pernas desenhadas e aposta em outros seios para se sentir com mais poder no corpo. Que seja do jeito que ela deseja depois da jornada sem heroína. Nada do pieguismo.

Também em casa, bem perto de meus três rebentos, recebi notícia semelhante. De outro tipo de câncer, mas tão arriscado quanto. Saber lidar com isso não tem receita de avó. É tudo noviço e assustador, deságua um choro e depois se encara uma metástase. Minha descansou há um ano e deixou saudades a todos nós.

É por isso, também, que não faz bem dizer que não temos primavera na cidade já maltratada e em meio a uma campanha política tão polarizada. Tem um respiro nos olhos e uma vontade do corpo gozar (entortando) quando se vê flor na quentura do asfalto de setembro e outubro.

A gente tem a quadra chuvosa, expressão feia para quem espera pelo inverno desde a barriga da mãe parida no carlorzão de Marabá. Tem o verão ou a seca de chuva, precisamos também do gozo do corpo florado.

Não é frescura de cronista, no momento é carência mesmo de afagos e flores. A primavera pode até não curar, mas provavelmente sara. Pode ser revigorante passar debaixo das árvores floradas. Parar e se deixar molhar na aguazinha delas. Olhar passarinhos enlouquecidos na disputa pelo doce de cores.

A gente, que anda necessitado de saúde política e de sanidade contra os bueiros estourados de mentiras, precisa também se desmanchar quando for surpreendida por uma avenida engarrafada de flores repentinas.

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.