ALGO DE RUIM estava pra acontecer. Pressentia. Foi acudir o berro da cria de dois anos e o leite ferveu. Breou o Continental, ainda devia duas prestações na A Concilar, e quase torrou a leiteira ordinária. Uma traçanga, formiga preta, havia ficado por baixo do pequeno e no sufoco, o ferrou.
FOI PEDIR gelo na vizinha. E a coitada, pés descalços, chão molhado, tomou um sopapo da Frigidaire nova. Mulher de Deus! Foi levada às presas pra assistência municipal. Na hora, não conseguiram desenrolar a língua. Olhos no branco, mas escapou. Sentiu remorso, mas remorso não era o sentimento.
UMA FALTA DE ar repentina queria dizer mais que alguma asma. A bombinha do Aerolin havia secado. Merda! Correu pra se abanar com o leque que havia vindo dos Estados Unidos. Cumade havia mandado. Acreditava. Cria na cintura, choro no meio do mundo, resolveu passar pasta de dente onde a formiga cravou o ferrão.
Leia mais:AÍ QUE SE ESGOELOU. A Kollynos fez foi arder mais a pele. Avermelhou e John emendou choro e soluço. Tomava fôlego. Bichim! O diabo do marido não estava nessas horas. Político. Daqui que fosse pedir pra ligar no vizinho, o menino se desmancharia.
COISA BOA NÃO estava por vir. Além da falta de forgo também pinicava a coluna. Formigava. Nunca mais havia sentido o incômodo. O derradeiro foi quando o pai caiu do caminhão e quebrou o pescoço. Bateu na madeira. Vai-te, segue bicho!
JONH CONTINUAVA chorando. Sem parar. Catou um bico na escorredeira da pia da cozinha. Tentou enfiá-lo na boca dele, mas rejeitou. Botou o gato em cima da mesa para fazer macacada, nada. Levou pra vê-la jogar milho às galinhas. Ria-se sempre. Ti-ti-ti-ti! Não veio nenhuma. Chamou de novo. Correu ao galinheiro e as duas, pescoço rasgado, já eram. Cassaco ou raposa. Desgraçados.
QUIS CHORAR TAMBÉM. Melhor não. O bebê morreria. Decidiu levá-lo ao médico da rua, cinco casas depois. Quando o marido chegasse pagaria a consulta. Ligou o rádio enquanto se arrumava e vestia Jonh.
E ATENÇÃO: NOTÍCIAS vinda da América do Norte dão conta de que o presidente Jonh Kennedy acaba de ser assassinado em Dallas, no Texas, ante uma multidão estupefata que acompanhava o trajeto de seu carro. Depois de sair do aeroporto de Love Fild, o presidente Kennedy foi atingido por uma bala na cabeça e tombou sobre o colo de sua esposa Jacqueline. O fato ocorreu exatamente às 13h31min de hoje…
ENTÃO ERA ISSO, escureceu a vista. O aperreio, as coisas que não iam, o choro de Jonh. O pequeno Jonh Fitzgerald Kennedy Afilhado agora estava sem padrinho. Desesperou-se. Largou o menino no berço e correu à rua. Enlouquecida.
E CUMADE JACQUELINE, como estaria naquele momento de dor? Precisava ter com ela, oferecer-lhe ombro. Consolá-la, o compadre não poderia ter tido fim mais triste. Lembrou do dia do batismo de Jonh Fitzgerald Kennedy Afilhado na igreja de Nossa Senhora das Dores. Não se fizeram presentes mas uma tal procuração assinada, e recebida via consulado, garantiu o compadrio.
MAIS QUE Nossa Senhora, era Jonh Kennedy e Jack. Apaixonou-se por Jack depois de vê-la em uma Cruzeiro. Daí até se casar, sonhava em convidá-la para madrinha. E não era dessas que escolhia os padrinhos pelas posses. Ou que, a qualquer diarreia do afilhado, batia à porta pra pedir.
QUASE NÃO CASA. O noivo não gostava da América. Nas horas clandestinas militava nas ligas camponesas. Vermelho. Mas cedeu, até porque foi aconselhado pelos camaradas a deixar que pensassem que adorava os ianques. 1963. Cismou com o nome dado ao filho, queria Igor, mas deixou por menos.
DESTEMPERADA CORREU à rodoviária. Variou. Queria de qualquer maneira chegar à Dallas.
– Dallas? Onde é isso? Tem passagem, não.
– Tem sim, a cumade Jack precisa de mim. Coitada.
EM CASA, A CRIA era atacada pelas traçangas. Berreiro no mundo, a rua foi quem deu conta. Socorrido, durou 29 minutos no hospital. Quando o pai chegou à procura de Igor, entre os de casa o chamava assim, deu apenas com rádio ligado…
– Boa.
* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.