Parece que são assim as coisas: relacionamentos amorosos são bons, mas poderiam ser melhores. O tempo depura-os, mas também os transformam em arrastados contratos sociais de tolerância. Um horror quando o bem querer, vigoroso nos começos, vai se desmilinguindo, perdendo o viço, e a vontade de voar ronde.
A escrita talvez seja outra, não há homem nem mulher ideal. “Ideal” é das mais cruéis invenções da carência humana. Vive a perseguir a perfeição idiota. Fulano de tal é que é o máximo! Ou a moça que meu amigo beija é a que eu desejaria para viver até o infinito.
Tão bestas nossas ilusões. Lembro de mamãe elogiado o marido de uma sobrinha que, nos primeiros meses de namoro, lavava os pratos, varria a casa da sogra, servia-lhe água para que minha tia não perdesse o capítulo da novela. Quando deram por conta, anos depois e dois filhos, o impecável estava pulando a cerca.
Leia mais:Uma hecatombe. Um destroço familiar e todos os perrengues, fofocas e disse-me-disse correndo o mundo. A traída emagrecendo, olheiras fundas e, de repente, um fervor à penitência. Joelhos dobrados para se curar da desfeita amorosa e suplicar, via o sobrenatural, o amor de regresso.
E como são de vidro nossas certezas e convicções! Como se amar alguém fosse obrigatório, imperativo, e não pudesse ter fim. Pois tem e, talvez, esteja aí o lado bom da história dos romances. Saber e não saber no que vai dar. Ter de cuidar desmedido (e natural) para que seja mais prazer do que uma bola de ferro amarrada ao pé.
Incrível como descuidar do amor, após a suposta conquista e amarração, é praxe. Até o dia do casório, emagrecer para entrar num vestido e dormir no leite… E o moço, um poço de perfeições e paciências, vai sendo outros…
Há um amigo que diz que relacionamentos verdadeiramente amorosos não carecem do ir viver a dois e debaixo do mesmo teto. O mais perto do bom, repete todas as vezes que nos encontramos, seria quanto mais separados mais fogo e amor.
Explico a tese dele. Mesmo casados, cada um deveria morar em apartamentos de prédios diferentes. Distantes um do outro, como faz outro colega meu de trabalho, após quatro relacionamentos que se desfizeram. Ele passa quatro dias em sua casa no Cidade Jardim, enquanto ela descansa com os filhos (só dela) em outra casa, na Folha 28. Mantêm a distância e se veem no calor da noite e, quando dá, passam o dia juntos, dormem juntos e estão felizes assim há quatro anos.
Patrimônio dos dois, mas lugares para se preservar a individualidade, permitir a sozinhez e encontros incendiados sem obrigações. Mas nesse modelo, provavelmente, não poderá haver filhos de ambos. Ou talvez, sim.
Gosto e não gosto da teoria de meu amigo. Viver perto um do outro tem tudo para ser prazeroso. E se não der certo, o desenlace faz parte do imprevisível da amorosidade.
Conheci poucos amigos que se permitiram morar sozinhos e que chegaram à velhice. É lá que sucumbem. É lá que a solidão amarga o coração. Foi isso que me disse José Afrânio Prazeres, um mestre do violão que estudamos juntos em um internato em Pernambuco em meados da década de 1980. Nos reencontramos anos depois, no Facebook. Ele era mais velho que eu 12 anos e diz que seu sonha, agora, é ter para quem fazer serenata no amanhecer. Queria tocar música para uma mulher acordar bem cedinho. O violão está lá, ele também. Mas não há para quem tocar. As mulheres que teve na vida ficaram no passado. Agora, o poder da conquista diminuiu. Afrânio não esperava por essa.
Outro amigo, da Laranjeiras, e sua amada, do Belo Horizonte, viveram mais de dez anos se visitando, embora casados. Resolveram morar juntos e acho que não se acostumaram um com o outro. Penso que são felizes.
* O autor é jornalista do CORREIO há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
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