Correio de Carajás

A divina proteção da bênção e dos desejos

Que Deus te abençoe, dizia meu pai. Que Deus te dê juízo, dizia minha mãe. Antes de dormir, um durma bem, um tenha bons sonhos. Antes de uma viagem, que dê tudo certo, que chegue em segurança ou, simplesmente, que ela seja boa. Vai com Deus. Bom dia para você. Boa noite para você. E, no dia do meu aniversário, aí, então, choviam os votos e desejos de boa vida, de bom começo de ciclo, de muitas felicidades, de muitos anos de vida, de muito amor e paz. Ainda é assim. Com a criatividade de cada um para alongar a lista de votos. Hoje, os de saúde estão em primeiro lugar, muito em moda nestes tempos pandêmicos.

Antes, no passado, chegavam muitas vezes em cartão. Envelopes carimbados pelos Correios. Em datas importantes, vinham em quantidades, nas mãos do carteiro. Ou eram entregues sem intermediários, direto do remetente ao destinatário. Vinham enfeitados de florzinhas, rabiscos, corações. Depois, com o passar dos anos, passaram a cair na caixa de mensagens dos e-mails.

Ou na praticidade de um telefonema, cedo da manhã. E hoje, os tempos mudados, chegam no WhatsApp. Pronto, tá resolvido. Desejos de longa vida e de sucesso, que os tempos andam bicudos e a gente anda a precisar. Ainda guardo algumas destas relíquias, de Natais passados. Os mais bacanas, confeccionados pelos próprios “desejadores” de votos.

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Se a gente pensar bem nesse costume, é curioso isso de passarmos o tempo a desejar coisas boas uns aos outros. Se alguém esquece, é quase um pecado. Falta de cuidado. Falta de carinho. O gesto em si mais importante do que o conteúdo mesmo. Ela acorda de manhã e ele não diz o que ela espera ouvir, para começar bem o dia: “feliz aniversário, meu amor. Que tudo corra bem, que você seja feliz”. Aí tudo muda. As nuvens cinzas desaparecem e o sol brilha na sala de jantar. O sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss falava em “expressão obrigatória de sentimentos”. O social se definindo como o que é obrigatório para todos os indivíduos. E isso inclui até os nossos sentimentos. Por exemplo, num nascimento, se alegrar. Num luto, chorar.

Como já disse, o gesto em si é mais importante que a palavra pronunciada. Quando aquele esperado (socialmente) “boa sorte” não vem, você até olha de esguelha para o outro. Suspeita de uma má sorte secreta. Mau-olhado. Uma invejinha escondida. Bate-se na madeira. Porque ouvir uma “boa sorte” ou “ficas bem” tem um pezinho na superstição, no religioso. Alguém deseja boas coisas para você e o universo escuta. Os anjos escutam. O além escuta. Deus escuta. Divindade protetora invocada. A divina sorte. A divina proteção. O divino voto. Cada um liga com o que quer, a depender da crença. Porque a obrigação é social, mas a superstição privada, individual. Que a força esteja com você. Pronto, eu parto para a aventura com minha capa protetora de confiança.

Portanto, neste novo ano que começa, tenho na manga votos para vocês. Esperando que vocês tenham outros para mim. Primeiro, os de praxe. Para começar, o mais em moda e necessidade, o de muita saúde. Que com saúde a gente corre atrás do resto, né? Depois, muita paz. Porque as notícias nos jornais andam inquietantes. Também, alegrias. Que sem isso a vida não tem graça. Depois, os que nos ligam como humanidade, na Terra. Mais solidariedade, por exemplo. Mais amor uns pelos outros. Mais justiça social. Mais entendimento. Mais gentileza. Mais cuidado com o Planeta. E, se me sobram ainda créditos, que um certo vírus seja controlado. É que fazer votos faz parte das obrigações sociais e das nossas superstições individuais, mas também é, acima de tudo, se relacionar, viver junto, conviver. Por isso, de coração, feliz 2022!

 

 

* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira