Correio de Carajás

Uma carta amanteigada para um café da manhã

Todo rapazote queria ser convidado pra um café na casa da moça. Uma jovem que não quis casar e se dava ao luxo de viver a vida. Da conta dela. Diferente da maior parte das mulheres da Folha 17, nem pensava em altar, véu, grinalda, renca de filhos e um marido que roncasse e não gostasse de gatos. Tinha mais de meia dúzia no meio da casa. Mas não aceitava todo marmanjo e nem pivetes. Droga. Recebia, no fim de tarde, rapazes já taludos, barbados ou de bigodes. Por isso, menino olhava todo dia no espelhinho do banheiro se havia novidade.

Cubava o avô fazer a barba e ouvia dizer que gillete, se usada todas as manhãs, engrossava o pelo e fazia menino virar homem. Aprendeu a usar o aparelho. No final da haste de metal havia um berimbelo que, girando, fazia abrir duas janelas pra colocar a lâmina. Inteira ou quebrada em duas bandas, golpeava até espinhas da puberdade. Como o avô trancava a caixinha no birô, usava a que levava pra escola. A de apontar lápis.

Tomaria café na casa da moça. Um dia. Descobriria o que de bom havia no bangalô dela nos fins de tarde. Ouviu dizer que lá, além da conversa enviesada, tudo era farto. No pão, manteiga de verdade. Das que valiam os olhos da cara. Daquela que não se comprava em retalho na mercearia, posta em papel transparente. Como nunca havia provado uma legítima, sonhava com a que a namoradeira servia.

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Em casa, só manteiga da terra. Meio rançosa e sebenta. Dos lábios, quase não saía e era preciso muito sabão pra se livrar da gastura. Disseram que a moça oferecia Faisão. Lata com uma ave majestosa desenhada na tampa e ao redor. Mas dependendo do calibre do convidado, poderia ser Itacolomy ou Patrícia. Latas em vermelho e amarelo.

Minto, os desmilingüidos ficavam na margarina. E era pra serem felizes. Por esses tempos, degustá-las entre as bandas do sovado ou d’água era sinal de poder. Mesmo barata – a propaganda da tevê azucrinava, nem todo canelau podia se dar ao luxo. Então, mesmo assim, era vantagem futurar na casa da moça nesguinha que fosse. Bem-te-vi, Primor, Delícia, Claybom… O que viesse.

Não nasceu o bigode, mas em outro canto tava quase completo. A axila também tava cheia. Então pronto, havia de ser convidado para o café na casa da moça. Fim de tarde. No dia que desse certo faltaria o colégio, daria um jeito de não ser visto na rua. Pularia o muro do quintal. Pra mãe, inventaria qualquer desculpa, quando a secretária, dona Francisca, desse conta da ausência do aluno. Era o de menos.

Mas, como ser convidado, se a mulher nem olhava pra ele? Nem percebia o projeto de homem? Resolveu então escrever-lhe um bilhete em papel de embrulhar pão. Fez.

‘Cara senhorita, muito me apeteceria (procurou a palavra no dicionário) tomar um café em suas tardes. Nem sei o que quero, mas me entontece sentir alguns cheiros que vêm daí. Ouvir alguns gemidos, suponho, prazerosos.

Imagino que seja o que se degusta em sua sala de visitas. Uma truncha de pão, manteiga fina, chocolate. O amargo, do doce de seu café quente, comentam, é bom…

Queria saber também dessa casca de limão que fica na xícara.

Temendo decepcioná-la, queria revelar, antecipadamente, meio acanhado, que não tenho experiência alguma em tomar cafés fora de minha casa. Mamãe é única mulher, até aqui, que me serviu café. E mãe, a senhora sabe, é pecado até pensar.

Adianto, no entanto, ter fixação por bicos de pães. Contundentes. Amanteigados, apesar de só conhecer gosto de manteiga ordinária. Aprecio além da conta. Mas nem sempre os tenho. Em casa, somos seis irmãos, um avô, uma avó, uma bisavó e meus pais.

Não me entenda petulante, mas adoraria fazer-lhe companhia qualquer dia desses.

Ouvi dizer que a senhora não guarda e nem requenta, em banho-maria, sobras, sequer de uma tarde.

Fiz quinze anos no último novembro. Não tenho bigode, é verdade, mas posso pajeá-la se assim desejar.

Sem mais, aguardo resposta’…

Na próxima semana digo o que a jovem respondeu ao pirralho.

Abraços!