Durante uma viagem de férias em dezembro de 2016 para o Sul do País, o casal de Itaocara, interior do Rio de Janeiro, mudou completamente a forma de enxergar e viver a vida. Ele era concursado e dono de uma empresa de materiais de construção. Ela, também concursada em duas prefeituras, trabalhando como professora do ensino infantil. A decisão: largar tudo para viajar pelo Brasil.
“Fizemos uma viagem para Gramado. Cris sempre desejou conhecer aquela região e eu organizei tudo, queria fazer surpresa. Mas no meio do caminho ela acabou descobrindo”, conta Sales, o aventureiro.
Ao chegarem em Santa Catarina, mais precisamente em Florianópolis, o casal desejava jantar em um lugar super recomendado. Contudo, o valor era relativamente alto. Sales conta que fez uma proposta para a esposa: o jantar ou o hotel. “Decidimos jantar e fomos dormir no carro. Era um modelo sedan, descemos o banco traseiro e dormimos. Foi aí que percebemos que dava para viajar e transformar o carro numa suíte”.
Leia mais:Até chegar em Floripa, o casal estava se hospedando em hotéis, mas como era final de ano e muitos estavam lotados, decidiram seguir a viagem dormindo no carro. “Economizamos dinheiro e esticamos a viagem, que era pra ser só de 15 dias e acabou sendo de um mês”, conta Cristiane.
Mudança
De volta para casa, Sales decidiu pedir exoneração imediatamente do cargo público. Ele afirma que já tinha planos de sair. “Estava desgastado e com a viagem de férias e a forma que vivemos esses 30 dias foi o estopim para abandonar o emprego. Após a viagem, sabia que não voltaria para a ‘vida normal’”.
Cristiane, funcionária pública de duas prefeituras, também voltou com uma outra visão. De um dos empregos também pediu exoneração rapidamente. Do outro, solicitou uma licença não remunerada de dois anos. Queria ter certeza que a “loucura” daria certo. “Quando venceu esse período eu não quis mais voltar a trabalhar, relembra”.
Kombi “Joaquina”
Começaram as pesquisas de um automóvel que pudesse virar o lar do casal que desejava viver sobre quatro rodas. A princípio, as pesquisas foram de motorhome, uma van ou trailer, que possui cozinha, banheiro, cama, mesa, entre outras coisas. “Só que é muito caro. Pra gente adquirir um desses teríamos que vender um imóvel, que hoje é o que nos gera renda”, conta Oseias, explicando que desfez a empresa e ficou apenas com o prédio que está alugado, assim como a casa, que teve seus móveis e objetos vendidos para ser usada como outra fonte de renda com o aluguel.
Mesmo com o alto custo, o casal continuou pesquisando um jeito de montar uma casa para viver na estrada. Foi aí que encontram uma Kombi.
“Saímos do interior do Rio de Janeiro e fomos até Joinville buscar a kombi. Viajamos no nosso carro, que acabou entrando como forma de pagamento também. E já voltamos dirigindo o novo veículo”, relembra Cristiane.
A Joaquina – nome da Kombi, que significa ‘forte e guerreira’ – foi comprada em julho de 2017, apenas seis meses após a viagem que transformou a vida do casal.
“Até dezembro daquele ano ainda estávamos no processo de transição para abandonar tudo. Mas fazíamos pequenos passeio e viagens próximas com a Joaquina, mas isso me fazia mal. Eu não gostava de voltar, queria continuar na estrada”, afirma Oséias, contando que o casal decidiu dar um tempo para organizar tudo e quando saísse já seria de vez.
“E assim fizemos, no dia 11 de dezembro de 2017 saímos e não paramos mais”, relata Cristiane.
A Joaquina foi preparada para ser autossuficiente. Possui uma placa solar que alimenta uma bateria estacionária que gera energia 220v para que eles possam carregar as baterias dos computadores, câmeras, celulares e para manter a geladeira funcionando.
“Também temos um armazenamento de água, que fica em baixo da Kombi. Quando a gente precisa, pressuriza uma bombinha e pronto. É uma casa normal”, garante Oséias.
Família
Juntos há mais de duas décadas, eles contaram ao Correio de Carajás que sempre trabalharam muito e acabavam não tendo tempo para aproveitar ou fazer o que queriam. “Aceleramos a nossa aposentadoria. Nos auto-aposentamos”, conta sorrindo, Oséias.
A novidade, no entanto, pegou muita gente da família de surpresa. Ninguém concordou com a “loucura” que o casal propôs viver. “Acredito que até hoje muitos não concordam ainda”, afirma o condutor.
Rolava até uma aposta entre os familiares e amigos de que com 500 quilômetros eles voltariam para casa arrependidos. “Estamos com 70 mil e não voltamos”, sorri Cris.
Questionados sobre não ter um lugar fixo para voltar, Sales é categórico na reposta. “Nosso lugar para voltar é a nossa casa. Estamos morando mais perto que você, porque a nossa casa está bem ali estacionada”, aponta para a Kombi Joaquina, distante 10 metros.
O casal tem dois filhos de 24 e 25 anos, que são independentes financeiramente, os quais apoiaram completamente o novo estilo de vida dos pais.
Redes Sociais
Com mais de 6 mil seguidores no Facebook, 39 mil no Instagram e mais de 135 mil inscritos no canal do Youtube, o casal, que utiliza nas redes sociais o nome “Nois Pelo Mundo” é um verdadeiro sucesso. “Começamos a filmar com celular mesmo. Somos bem amadores e é isso que queremos passar para os nossos seguidores, que não tem nada de super produção”, conta Cris.
Isso, aliás, já lhes deu até um “prejuízo”. Há mais ou menos um ano e meio a conta no Youtube foi hackeada e o casal acabou perdendo, além dos seguidores e os 900 vídeos que já haviam sido postados, a monetização das visualizações.
“Eu brinco que não nascemos para ganhar dinheiro no Youtube. A gente não pegava esse dinheiro. Deixamos reservado no próprio Youtube, como se fosse nossa caderneta de poupança. Perdemos o canal e perdemos tudo”, lamenta.
O novo canal foi aberto e agora o casal começou a monetizar – ganhar dinheiro – novamente. “Ainda não resgatamos nenhum real. Então, não sabemos ainda o que é viver de dinheiro de rede social”, diz Sales.
Receptividade nas cidades
“Nossos seguidores se tornam amigos. E isso é muito legal. Recebemos convites para almoçar, passar o dia nas casas, sítios, e a gente sempre aceita e acaba gravando e postando. Acredito que isso chama muito a atenção e aí as pessoas sabem dessa característica e sempre nos convidam”, explica Oséias.
Ele frisa que, apesar de aceitar todos os convites, não dorme na casa de ninguém. “Temos a nossa casa. A gente bate papo, fica na sala, na cozinha, mas na hora de dormir cada um vai para sua casa”.
Recém chegados em Marabá, Cris e Oséias já visitaram um desses seguidores. Na noite anterior à entrevista (terça para quarta-feira) eles contam que dormiram em um sítio de um casal que os segue nas redes sociais e que deseja viver a vida da mesma forma.
Andréia Duarte, 49 anos, a dona do sítio, apareceu no final da entrevista para se encontrar com Cristiane e Oséias. A reportagem conversou com a admiradora e soube que ela e o marido também querem começar a viajar pelo Brasil.
“Temos um projeto missionário e quando fomos montar a nossa Kombi, pesquisando na internet, conhecemos esse casal. Eu e meu marido somos fãs”, confirma.
A princípio, a Kombi de Andréia foi estruturada para ser utilizada para pregar a Palavra de Deus em vilas e comunidades do interior do Pará. “Já visitamos muitos lugares, já conseguimos ir até para o Rio de Janeiro e São Paulo. Mas precisamos fazer algumas modificações, porque quando montamos foi para ficar só por aqui mesmo. Mas isso é viciante, eu sou aventureira e quando você começa a assistir o canal deles, fica apaixonada e quer viajar”, confessa a superfã.
Vida Nova
Prestes a completar quatro anos na estrada, Cristiane, que divide a boleia com o marido, costuma dar um conselho para todos que cruzam por eles. “Tira uns dias, um mês, um ano, se organiza, se planeja, mas viaja. Acredito que todos deveriam ter essa experiência. Não precisa morar na estrada como nós, mas viajar é tão bom. Conhecemos novas pessoas, novos lugares e novas culturas o tempo inteiro. Não conseguimos passar nas fotos e vídeos nem 1% do que a gente faz e vive”.
Já para Oséias, a mudança foi muito maior.
“Eu morri com aquela vida que tinha e renasci após a viagem que fizemos para Gramado. Eu nunca fui de viajar, não sabia o que era isso. Só vivia trabalhando para ter as coisas e não usufruía. Hoje tenho tempo e percebi que não preciso de muita coisa para viver”.
Expedição Transamazônica
A viagem deu início no Nordeste, mais precisamente na Paraíba. A intenção é seguir por toda a Rodovia Transamazônica, até chegar em Lábrea, no Amazonas.
Sem pressa, o casal segue parando pelas cidades e conhecendo as regiões do entorno. Por aqui, Oséias e Cristiane devem seguir para Eldorado do Carajás, Curionópolis e Parauapebas, para adentrar na história da mineração.
“Não sabemos quando vamos embora. Acredito que vamos ficar um período legal aqui na região”.
Sobre Marabá, eles afirmam estar impressionados com a organização e receptividade das pessoas.
Dica de viagem
Bahia, Sergipe, Amapá e Acre. Esses são os quatro Estados brasileiros que o casal ainda não conhece. (Eles decidiram falar os que não conhecem, porque fica mais fácil).
“Aprendemos durante esses anos que não se pode comparar as belezas. Cada cidade é única. Não tem uma cidade que eu diga ‘você tem que conhecer’, porque vai depender de como você vai estar e vai aproveitar aquele lugar. Às vezes, vamos a lugares que não tem quase nada, mas estamos tão bem, somos bem recebidos, que achamos o lugar maravilhoso”.
Para conhecer mais sobre o casal Cristiane e Oséias do “Nois Pelo Mundo” é só os acompanhar pelas redes sociais.
Instagram: @noispelomundo
Facebook: Nois Pelo Mundo
Youtube: Nois Pelo Mundo [Oficial]
(Ana Mangas)