- Enganoso
- Tuíte força uma relação do imunizante usado para prevenir a febre amarela com as vacinas contra a covid-19. A publicação ignora também que há diferenças nos modos de transmissão das duas doenças – a febre amarela é transmitida por mosquitos infectados, enquanto a covid passa de uma pessoa contaminada para outra, principalmente, por via oral ou nasal – e que nem mesmo a vacina contra a febre amarela tem 100% de eficácia.
- Conteúdo verificado: Tuíte que questiona as vacinas contra a covid comparando seus efeitos aos da febre amarela.
É enganoso um tuíte que faz referência à vacina da febre amarela para gerar desconfiança nos imunizantes contra a covid-19. Afirma o post: “Não conheço ninguém que tomou a vacina contra febre amarela e contraiu febre amarela”.
De acordo com a doutora em Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jordana Graziella Alves Coelho dos Reis, a família dos coronavírus possui características que são mais contagiosas. “Essa diferença no contágio e reinfecção entre o Sars-Cov-2 e do vírus da febre amarela está associada com as diferenças intrínsecas de cada um dos vírus. A família coronavírus é conhecida por ter uma facilidade na transmissão e também na reinfecção”, salienta Jordana.
A comparação feita na publicação, mesmo que implícita, é incorreta. A pandemia foi decretada em março do ano passado e as vacinas começaram a ser aplicadas no mundo em 8 de dezembro de 2020 – o primeiro país foi o Reino Unido; no Brasil, a imunização foi iniciada em janeiro. Já a febre amarela existe há muito mais tempo: nos primeiros anos do século XX, o médico e cientista Oswaldo Cruz já tentava combater a doença. A vacina começou a ser produzida no Brasil em 1937.
Leia mais:Além disso, a febre amarela é transmitida por mosquitos infectados, enquanto a covid passa de uma pessoa contaminada para outra, principalmente, por via oral ou nasal – ou seja, a chance de transmissão é maior.
Procurado, o perfil autor do post não respondeu até a publicação deste texto. O conteúdo aqui verificado foi classificado como enganoso pelo Comprova por levar a uma interpretação equivocada sobre as vacinas.
Como verificamos?
Consultamos publicações nos sites de órgãos como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América, e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Também entrevistamos Jordana Graziella Alves Coelho dos Reis, citada acima, e Julio Croda, infectologista, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Como o perfil que publicou o tuíte verificado aqui não aceita o envio de mensagens privadas, publicamos um comentário no post, pedindo para que ele entrasse em contato, mas não obtivemos resposta.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de setembro de 2021.
Verificação
Eficácia e transmissão
Como qualquer tratamento de saúde, a vacina da febre amarela também não tem 100% de eficácia. Segundo o Instituto Paulista de Vacinação, o imunizante tem de 98 a 99% de eficácia e, de acordo com a Fiocruz, sua proteção “é demonstrada por meio de observações de mais de 60 anos no Brasil e em outros países da América do Sul, sendo muito rara a ocorrência da doença em pessoas vacinadas”.
Ainda segundo a Fiocruz, “a imunização durante surtos resulta em rápido desaparecimento dos casos” e, “no Brasil, a doença está sob controle por meio da vacinação sistemática da população sob risco, com poucos casos relatados”.
Além das vacinas contra a febre amarela serem aplicadas há mais tempo, a doença tem outra diferença importante em relação à covid: a forma de transmissão, que também torna a disseminação da primeira muito mais difícil do que a da segunda.
No caso da febre amarela, o vírus é passado para as pessoas via picada de mosquitos das espécies Haemagogus, Sabethes e Aedes (Haemagogus e Sabethes em áreas silvestres e do Aedes em áreas urbanas). Eles podem ser infectados ao picarem humanos ou macacos contaminados.
Como informa a OPAS, “a doença não pode ser transmitida de um macaco para um humano, tampouco de uma pessoa para outra nem entre macacos; só pelo mosquito”.
Já o Sars-CoV-2 é transmitido “principalmente por três modos: contato, gotículas ou por aerossol”, como informa o Ministério da Saúde. A contaminação também pode ser indireta, como quando tocamos em uma superfície infectada e, em seguida, levamos a mão aos olhos, à boca ou ao nariz. Ou seja, é mais facilmente transmissível do que a febre amarela.
De acordo com o infectologista Julio Croda, a vacinação contra febre amarela, covid-19 ou qualquer outra doença é um ato individual e coletivo. Conforme o especialista explica, a imunização previne casos graves e combate contaminações e até mesmo variantes no caso do coronavírus.
“No sentido individual, ela previne hospitalizações e casos graves, e no coletivo, diminui a taxa de transmissão da doença. Quanto mais pessoas vacinarmos, mais diminuímos os casos de contaminação, reinfecções e variantes”, salienta Croda.
No entanto, ele ressalta que, mesmo com a vacinação, ainda é possível que algumas pessoas adoeçam. “A vacinação é uma garantia muito segura e nossa principal arma contra as doenças que enfrentamos todos os dias, mas isso não significa que não irão aparecer alguns casos.”
Febre amarela: é possível ser reinfectado?
O Comprova consultou a microbiologista Jordana Alves sobre a possibilidade de reinfecção da febre amarela. Atualmente, o esquema vacinal da febre amarela no Brasil pode ser refeito ao longo da vida da população: é feita uma dose inicial aos nove meses, com reforço aos quatro anos; caso existam pessoas de cinco a 59 anos que não tenham recebido a vacina, podem tomar uma dose única a qualquer momento da vida.
Por conta dos períodos entre uma dose e outra, o que pode acontecer, segundo a microbiologista, é uma baixa na imunidade desenvolvida pela vacina ou a não soroconversão – quando os anticorpos dos indivíduos não fazem o efeito desejado –, após a dose da vacina tomada antes dos cinco anos.
No entanto, é mais provável que pessoas vacinadas contra a doença sejam infectadas quando a vacinação aconteceu na infância ou quando a imunidade desenvolvida pelo imunizante foi baixa.
Quanto à possibilidade de reinfecção, a especialista afirma que os registros desses casos na literatura médica são raríssimos. O que costuma ser mais comum são casos de pessoas que começam a apresentar um quadro de hepatite anos após ter contraído a febre amarela, o que não é considerado uma reinfecção.
Eficácia das vacinas contra a covid-19
Tanto os imunizantes contra a covid-19 quanto os da febre amarela estão disponíveis para a vacinação da população brasileira. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a eficácia geral de uma vacina seja de, ao menos, 50%. A taxa de eficácia mostra a capacidade de uma vacina em diminuir os riscos de uma pessoa que foi imunizada contrair a doença.
Atualmente, no Brasil, quatro vacinas possuem autorização para aplicação no combate à covid-19: a Astrazeneca, com eficácia de 63,09%; Pfizer com 95% de eficácia; a Coronavac com 50,38%; e a Janssen com 66,9%. Já na imunização contra a febre amarela, existem dois principais produtores da vacina que é disponibilizada no Brasil: a Fiocruz, por meio do laboratório Bio-Manguinhos, que produz a vacina distribuída no Sistema Único de Saúde; e a Sanofi, indústria privada da França, que distribui o imunizante para clínicas particulares.
Questionado sobre a eficiência da vacina contra a covid-19, o pesquisador da Fiocruz, Julio Croda, esclarece que o imunizante age de forma parecida com a vacina da gripe.
“A vacina contra a covid-19 é parecida com a da gripe: ela foi desenvolvida para prevenir hospitalizações e casos graves. Isso não significa que ela não funciona, significa que está cumprindo aquilo que foi proposto quando desenvolvida em laboratório e além, porque ela também é capaz de imunizar, as vacinas disponíveis variam de 50% a 95% de eficácia contra a doença”.
Croda ainda explica que a vacina contra o coronavírus é nova e os cientistas estão acompanhando dia após dia os resultados do imunizante.
“Devemos nos lembrar de que a vacina é nova, ainda não sabemos ao certo quanto tempo ela mantém o indivíduo imunizado, estamos acompanhando com o passar do tempo, como ela está reagindo a cada organismo, o que sabemos é que a imunização é o caminho mais seguro para combatermos o vírus e as vacinas foram desenvolvidas para isso”, finalizou.
O Comprova recentemente verificou publicações que induzem ao entendimento que as vacinas disponíveis contra a covid-19 não são eficazes, pois não impedem o contágio da população (aqui e aqui). Conteúdo semelhante também foi publicado recentemente pelo Estadão Verifica.
O perfil
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, slogan de Jair Bolsonaro (sem partido), sobre foto do presidente está na imagem de capa do perfil @TrumpMargareth, autor do post, no Twitter. Na descrição da bio, “sonhando em ucranizar o Brasil”.
O perfil publica, com tons de ironia e ataques, conteúdos de apoio ao chefe do Executivo federal. Em 6 de setembro, por exemplo, dia em que Bolsonaro assinou uma medida provisória para limitar a remoção de conteúdos falsos nas redes sociais, a página tuitou: “Como ditador, o presidente é muito fraco!!! Como pode assinar a MP da liberdade de expressão?”. Na mesma data, outro post, referindo-se a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e alvo de ataques do presidente: “O cabeça de ovo vai mandar prender todos que falarem biscoito; segundo ele, o correto é bolacha”.
A reportagem tentou contatar o perfil, mas não recebeu resposta.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O tuíte verificado aqui teve mais de 6,4 mil curtidas e 1,3 mil compartilhamentos até 13 de setembro.
Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas ou minimizar os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.
O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização, como o do médico que engana ao afirmar que as vacinas não funcionam contra a variante delta, o de post que desinforma afirmando que o CDC e Anthony Fauci não acreditam nos imunizantes e o de médica que engana ao afirmar que vacinas são experimentais.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.