Com quase 1,60 metro de altura, a grandeza de Gabrielle Cristina Domingos Cordeiro, de apenas 28 anos, está mesmo na sua força e determinação, que podem ser percebidas de longe pelo brilho dos olhos, sua postura e sua assertividade.
Como 1ª tenente, ela está no sub-comando de 84 militares do Comando Independente de Missões Especiais (1ª Cime) e tem como meta assumir o mais alto posto do policiamento, o de coronel. “Esse é o motivo pelo qual escolhi a Polícia Militar e vou chegar a coronel. Comandar o Regional II, por exemplo, ou ser comandante geral, que é o objetivo de qualquer oficial”, destaca Gabrielle, com a voz firme e segura.
O sonho do serviço militar vem desde a infância. Filha de mãe policial, ela cresceu a vendo fardada e trabalhando. Contudo, a mãe nunca a incentivou. “Quando ela (mãe) entrou foi em uma das primeiras turmas da PM e ela teve muita dificuldade por ser mulher na instituição, e não queria isso pra mim”.
Mas teve outro motivo que também foi fundamental para a escolha da profissão, um filme. Gabrielle relembra que assistiu “Até o Limite da Honra”, que é sobre a primeira mulher fuzileira naval.
Com o passar dos anos, o sonho foi ganhando cada vez mais força e a menina, que nem podia andar descalça, super protegida pela mãe e avó, começou a querer ver a vida com outros olhos.
Com o primeiro emprego na Corregedoria da Polícia Militar em Belém – sua cidade natal – ela foi voluntária civil e somente lá conheceu o trabalho da PM. “Prestei meu primeiro concurso para a polícia e já passei, graças a Deus”.
A aprovação veio no ano de 2012 e sua formação militar foi entre 2014 e 2016. Com o intuito de cortar o cordão umbilical da super proteção existente na família, a 1ª tenente decidiu que precisava de algo novo. Ir para uma cidade que não conhecia nada nem ninguém foi a ideia certeira.
“Vim para Marabá sem conhecer ninguém. Estava como aspirante e trabalhei na tropa de primeiro esforço, que é o 4º BPM (Batalhão da Polícia Militar), que era a experiência que eu queria. E depois de dois anos solicitei – e recebi o convite – para vir para a companhia. Na época era o major Torres o comandante da 1ª Cime.
Gabrielle explica que, atualmente, de acordo com o comandante geral, para trabalhar na CIME o policial precisa ter, no mínimo, dois anos de tropa de primeiro esforço e possuir o curso de especialização operacional.
Dos 87 militares da companhia especial, apenas seis mulheres fazem parte do grupo. “É uma quantidade razoável. A gente necessita de uma tropa feminina. Existem ocorrências que são necessárias ter a presença de uma mulher. Em uma busca pessoal, por exemplo, o homem não pode violar o corpo da mulher. E também existem ocorrências que a visão feminina muda completamente o percurso da história”, explica a tenente.
Com experiência no trabalho da patrulha da Maria da Penha, realizada pela PM, Gabrielle sabe que nesses casos precisa de um cuidado maior na abordagem e na fala.
“Eu tenho um tato maior porque já passei por isso e consigo ter uma visão diferente. Na hora de falar, o agente de segurança pública, algumas vezes, revitimiza a mulher. Em sua fala ‘mas o que foi que você fez?’ ou ‘mas você deve ter feito alguma coisa pra ele te bater’, acaba gerando um processo de culpa ainda maior do que o que ela já está sentindo. Lidar com mulheres, crianças e adolescentes precisa de um olhar diferente”, adverte.
Questionada pela reportagem sobre treinamentos para que militares homens nessa situação, possam agir de uma forma mais branda, a tenente afirma que constantemente os policiais passam por treinamentos e palestras que abordam o assunto.
Preconceito
Sem mimimi e papas na língua, Gabrielle é certeira ao afirmar que não gosta da palavra preconceito. Explica que não gosta de se vitimizar por ser mulher e, com o decorrer dos anos, aprendeu que todas as situações são testes para lhe mostrar do que ela é capaz.
“Antes da PM, sinto que tinha uma venda nos meus olhos, em todos os sentidos. A minha dificuldade foi sair do meu mundo de proteção. Então, enquanto mulher, não me coloco no lugar de ter sido olhada diferente ou receber uma determinação de outra forma. Os outros podem até falar ‘Gabrielle essa ordem foi estranha pra ti’, mas nem percebo. Eu não me permito”.
“Um filho vai ser para me transbordar e não para me preencher”
Reservada, Gabrielle tem um relacionamento estável com um policial de uma outra força (federal). Ela explica que ter compromisso nesse meio profissional é difícil. “É mais fácil quando é do mesmo meio. Mas a gente não compartilha informações”, avisa.
Completamente aversa à ideia de ter filhos – até o começo do ano – os planos de gerar uma vida mudaram da água pro vinho. A irmã gêmea de Gabrielle teve bebê no início de 2021, e ela, que nunca teve aquela ligação de que “o que um irmão gêmeo sente o outra também sente”, começou a mudar.
“Sinto que aquela menina é minha, que é minha filha. Comecei a sentir a necessidade de ter filhos, mas preciso alcançar alguns objetivos profissionais antes disso”.
A policial acredita que quando estiver realizada profissionalmente estará pronta para ter um filho. “Ai vou querer uns três”, conta, sorrindo.
Fora do âmbito policial, Gabrielle aproveita as horas vagas para treinar. Crossfit, musculação, boxe e jiu jitsu estão entre seus esportes preferidos. “De domingo a domingo eu e meu marido estamos treinando”.
Que beleza…
Durante a entrevista, a Reportagem do CORREIO percebeu que a tenente estava maquiada e questionou sobre os cuidados de beleza. Bem humorada, ela respondeu que é zero vaidosa. “Eu brinco que não posso estar todo dia bonita, porque o dia que eu estiver bonita ninguém vai perceber”, fala sorrindo.
Ao finalizar a entrevista, a reportagem pediu que Gabrielle se definisse em uma palavra. Depois de pensar um pouco, tascou: “Orgulhosa. Não gosto de perder. Posso até não ser a primeira, mas a última não vou ser”. (Ana Mangas e Ulisses Pompeu)