Correio de Carajás

Fugindo da crise, venezuelanos ocupam as ruas de Marabá

Mais refugiados chegaram à cidade nas últimas semanas e vivem em condições precárias, dormindo ao relento nas calçadas às proximidades da Rodoviária

Cenas preocupantes vêm se tornando comuns nas ruas de Marabá: famílias inteiras dormindo ao relento, ocupando calçadas para dormir e, durante o dia mendigando para sobreviver. Tal ocorrência ganhou ainda mais visibilidade nas últimas semanas com a crescente chegada de mais refugiados venezuelanos. O CORREIO foi a campo, novamente, nesta quinta-feira (16), para entender como anda a realidade desse grupo cada vez maior de pessoas em condições precárias.

O cotidiano dessas famílias tem se desenvolvido entre os arredores do Terminal Rodoviário, na Folha 32, e o semáforo da BR-230, à altura da Folha 33, local onde durante o dia eles se dividem no pedido de ajuda aos motoristas que por ali trafegam. Em cartazes, expõem que são venezuelanos e pedem explicitamente ajuda para não morrerem de fome. É a face cruel da crise pela qual passa o país vizinho.

Roselindo, de cartaz na mão, pede dinheiro e sonha com emprego

Esse aumento do número de refugiados no Brasil não é por acaso. O nosso país reabriu a fronteira com a Venezuela nos últimos dias, justamente preocupado com a questão humanitária. Uma portaria do dia 23 de junho de 2021 dispõe sobre a restrição temporária de estrangeiros no Brasil, mas permite a assistência emergencial para acolhimento e regularização migratória a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária.

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O CORREIO esteve no semáforo da Folha 33 e conversou com dois venezuelanos que ali estavam. Um, jovem e artista de rua, saiu da Venezuela há mais de 6 anos. Ele tira seu sustento dos malabarismos que realiza nos semáforos. Com facões usados para malabarismo, ele tenta conseguir a admiração de motoristas e assim conseguir um dinheiro. O outro imigrante, é um senhor, recém chegado. Com um cartaz pedindo ajuda, ele tenta conseguir o mínimo para alimentar sua família que o aguardava embaixo de uma árvore ali próximo.

Nepfer tem 30 anos e afirma que conheceu Marabá há cerca de um ano. Rodou em algumas cidades por um tempo e, recentemente, mais precisamente três semanas, deixou a esposa e filho de cinco meses em Altamira para retornar à Marabá e trabalhar com sua arte nas ruas.

Morando em um quarto alugado ali próximo, o rapaz explica que para conseguir se manter, precisa tirar no mínimo R$ 50 por dia. “Não consigo ficar muito tempo em um lugar só. Mas agora tenho gente me esperando em Altamira, em algumas semanas volto para lá”.

Há menos de duas semanas, seu Roselindo, 41 anos, chegou à Marabá. Tendo o estado de Roraima fronteira com a Venezuela, ele se tornou porta de entrada dos imigrantes.

Ele afirma que saiu do país pois lá acabou tudo. “Não tem roupa nem alimento”, fala.

Alojado na calçada de uma borracharia próximo a Rodoviária da Folha 32, Roselindo está com mais outras famílias no local. Ele tem ido todas as manhãs para o semáforo da Folha 33, na Rodovia Transamazônica. Segurando um cartaz, ele tenta conseguir dinheiro para comprar comida.

Apesar da situação precária e panela vazia esta entrevistada ainda conseguiu sorrir

NÃO QUEREM ABRIGO PÚBLICO

É importante entender que a Prefeitura de Marabá tem conhecimento dessa situação e tem tentado ajudar, mas o formato oferecido pelos órgãos municipais tem sido rejeitado pelos venezuelanos, como confirmou à reportagem o próprio Roselindo.

Ele diz que não interessa ao grupo ir para o abrigo público, onde eles não se habituam à comida oferecida. Na sua visão, na rua, conseguindo ajuda da população em dinheiro, eles têm como ter mais controle do tipo de apoio recebido, comprar seus mantimentos e preparar a própria comida, mais próximo do que estão acostumadas as crianças.

Embora não aceitem ir para abrigo, eles sonham em ganhar casa própria.

A reportagem esteve na borracharia e encontrou mais uma família lá. Muitas crianças, sacolas de roupas, panelas vazias, falta de higiene e conforto e uma situação que choca quem passa pelo local.

Durante o dia, a realidade de pedintes, à beira da rodovia

PREFEITURA

Procurada pelo CORREIO, Nadja Lúcia Lima, secretária de Assistência Social de Marabá, afirma ter conhecimento sobre a nova leva de venezuelanos e que uma equipe já esteve com eles entregando fraldas descartáveis e alimentos.

“Assim que eles chegaram nós ficamos sabendo. Estivemos lá na última sexta-feira, 9, e nos propusemos a leva-los para um abrigo, eles não aceitaram. Liguei para Parauapebas, que o acolhimento de lá está vazio, fiz uma interação com a coordenação de lá para que pudessem recebe-los, e eles também não aceitaram”.

Nadja explica que os venezuelanos não querem receber alimentos e nem ir para os abrigos disponíveis. Em uma parceria com a Igreja Católica, que faz um trabalho de entrega de alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade, eles estiveram lá para entregar comida aos imigrantes, que não aceitaram. “Eles recusaram a comida”.

As equipes da Seaspac começaram então a procura de uma casa para que eles possam sair da rua, já que muitas crianças estão junto deles em uma situação precária e de falta de higiene e conforto.

“Estamos tomando todas as providências para conseguir uma casa para eles. Mas não é da noite para o dia. Vou agendar uma reunião com o comitê para poder discutir essa questão. Nós não vamos ter perna para tudo isso, o Estado precisa vir com um cofinanciamento. O governo do estado e a União não ajudam, é só a prefeitura que mantém. Mas nós estamos atrás e vamos tirá-los das ruas”, explicou a secretária. (Ana Mangas)