Com acervo de 10 mil títulos, a Biblioteca Pública Municipal Orlando Lima Lobo, de Marabá, no sudeste do Pará, viu crescer o número de frequentadores nos últimos meses, mesmo diante das restrições em decorrência da pandemia do novo coronavírus. “Percebemos que, apesar dos horários reduzidos e sem programações presenciais, houve número considerável de pessoas fazendo inscrições e levando livros para empréstimos”, explica a coordenadora, Evilangela da Silva Lima.
O fenômeno é de se comemorar nesta sexta-feira, 23 de abril, quando é lembrado o Dia do Livro. Além dos títulos emprestados, Evilangela destaca a busca por apostilas de cursinho pré-vestibular que foram recebidas em grande quantidade pela biblioteca e redistribuídas. “Quase todas já foram doadas, sinal que há um número crescente de pessoas estudando”. Ainda de acordo com ela, outro fator percebido foi o interesse pelas lives relacionadas à leitura e que o espaço passou a transmitir com a participação de escritores e membros do Clube do Livro Virtual.
O aumento de leitores é percebido também no ambiente virtual. A distribuidora de livros digitais alemã Bookwire Brasil, que também atua na América Latina, afirma que as vendas de e-books chegaram a duplicar no Brasil ao longo do período de quarentena.
Leia mais:Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, as plataformas que reúnem livrarias e sebos também viram o movimento crescer em 50% apenas em abril de 2020. Nos anos anteriores, os dados eram bem menos animadores. A mesma pesquisa apontava que entre 2015 e 2019 o Brasil havia perdido mais de 4,6 milhões de leitores.
Um exemplo desse aumento do interesse pela leitura é a professora e mestranda marabaense Brenda Reche, de 28 anos, que tem adormecido ao lado de O Jogador, do escritor russo Fiódor Dostoiévski. Ela conta que triplicou o volume de leitura após a explosão de casos de covid-19 no Brasil.
Antes, lia uma média 12 livros anualmente, um a cada mês. No ano passado, entretanto, o número saltou para 36 títulos, ou seja, três conteúdos mensais. “A rotina da maioria das pessoas mudou, com a falta de atividades de lazer externa e com o aumento do tempo dentro de casa acabei dedicando mais tempo para a leitura”, compartilha.
O gosto pela leitura nasceu cedo, motivado pelos pais que a presenteavam com os títulos da série de fantasia “Harry Potter”. Com o passar do tempo, o gosto literário foi sendo refinado. “Como a leitura é um hábito na minha vida, de forma natural amadureceu junto comigo. Hoje prefiro ler livros filosóficos e de ficção científica”, afirma.
Para ela, os livros são acessórios indispensáveis carregados na bolsa. As versões eletrônicas, acessadas via Kindle, o leitor digital da Amazon, facilitaram esse processo e Brenda lê sempre que tem uma oportunidade, em filas de espera, por exemplo. O horário de leitura oficial dela, contudo, é à noite, pouco antes do sono.
Quando o assunto são os clássicos, a professora prefere adquirir livros físicos e tê-los na estante. As capas são escolhidas a dedo a partir de listas de clubes de leitura ou sugeridas por amigos e professores. Na sala de aula, quando ela é a responsável pelo ensino, acaba sempre incentivando os alunos a também serem leitores.
Brenda destaca que a leitura estimula a criatividade, melhora a concentração e a memorização, amplia vocabulário e conhecimentos gerais, desenvolve as habilidades de escrita e desperta o senso crítico, além de presentear o leitor com a parte divertida: o transporte para outros universos.
Assim como a professora, o técnico em alimentos e também mestrando Jairon Barbosa Gomes, de 39 anos, adquiriu ainda na infância o gosto pelos livros. “Tenho a memória afetiva da sala de casa com uma estante cheia de livros, dicionários e enciclopédias. Com a adolescência descobri a biblioteca da escola – incentivado pelas aulas de Literatura – e de novos mundos por meio da leitura. Já na vida adulta, na universidade, fui amadurecendo isso”, relata.
Atualmente, está lendo os livros acadêmicos Participação e Democracia no Brasil, de Maria da Glória Gohn, e Os Sentidos do Trabalho – Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho, de Ricardo Antunes. Antes da pandemia, afirma, o ritmo de estudos e de trabalho era outro e ele consumia de um a dois livros por mês, oscilando em períodos que ficava sem concluir alguma leitura.
O isolamento social trouxe desdobramentos e ele passou a adquirir mais livros pela internet, uma prática quase inexistente antes. Ainda pouco acostumado à leitura no notebook ou no celular, Jairon continua se entregando ao papel. “Sou ainda preso ao físico, à mágica do livro novo e à toda a mística que envolve essa leitura”, diz.
Quando não está mergulhado nas leituras acadêmicas obrigatórias do mestrado, ele se joga nos estilos favoritos: biografias e escritas com pautas indenitárias e causas sociais. Evita seguir listas online por temor de acabar preso em apenas uma perspectiva no Brasil. “Receio essas armadilhas”, observa.
O período noturno é o favorito, quando pode se sentar com calma e tranquilidade no quarto. Mas as horas do dia também são destinadas à leitura, embora a dinâmica seja diferente e regada a muito café, conforme detalha. “O ritual é leitura, concentração, uma boa dose de café e um cigarro uma hora e outra”.
Para Jairon, o hábito vai além da relação entre ele e a história que está consumindo. “Estou sempre atento àquilo que meus amigos estão lendo no momento, aceito sugestões, troco ideias com a turma e sigo as leituras. A melhor parte são as conversas com os amigos, entre um café e outro e nas mesas de bar. Tenho o hábito de doar alguns livros que li e pegar emprestados outros”.
Sobre esse compartilhamento, costuma reforçar que a leitura não fique presa. “Faço o pedido para a pessoa não ficar com o livro em casa, ou seja, que o material circule entre outras pessoas. Também presenteio! O meu sobrinho Luís Felipe, por exemplo, foi bastante influenciado nesse sentido. Aqui em casa o livro era um presente rotineiro e com o tempo ele passou a me pedir livros de presente”, divide.
Por fim, Jairon destaca que tem na literatura uma espécie de escapismo. “É uma fuga, um isolamento que me retira do tempo e espaço onde estou para outros lugares. Obtive vários benefícios ao longo da vida, além da saúde mental, pois a literatura me deu suporte e auxílio no enfrentamento de questões pessoais, sexuais e amorosas. A leitura fortalece em todos os sentidos, traz saber, poder, conforto e descobertas. Quando estou na ‘bad’ é a leitura, a arte e a cultura que salvam”, finaliza.
BIBLIOTECA E A COVID-19
Assim como todos os espaços, a Biblioteca Orlando Lima Lobo necessitou se adequar às novas regras sociais durante a pandemia. Atualmente, o atendimento ao público ocorre apenas de 8 às 12 horas e é obrigatório o uso de máscara e álcool para higiene das mãos, além de ser realizado o controle do número de pessoas no prédio. “Já estamos recebendo estudantes, que utilizam o espaço para estudar, mas com número bem reduzido”, explica Evilangela Lima.
Além disso, os livros devolvidos pelos leitores permanecem 15 dias em quarentena antes de serem novamente disponibilizados. “Ainda não temos um estudo definitivo sobre o papel e a contaminação por covid-19 e livro é algo que não podemos lavar ou passar álcool, então só nos resta deixar o tempo fazer o serviço”, explica.
O espaço está localizado na Rua Cinco de Abril, número 662, na Marabá Pioneira, ao lado da Praça São Félix de Valóis. (Luciana Marschall)