Correio de Carajás

Câncer infantil causa migração de várias famílias de Marabá

Ter câncer em qualquer cidade do mundo é uma situação desesperadora. No caso de Marabá – onde não há serviço público de oncologia – o desespero é maior ainda para adultos, que precisam fazer viagens frequentes para cidades como Tucuruí, Belém ou para outros estados, como São Paulo. Agora, o que dizer quando a doença atinge uma criança? A família toda fica abalada e, em alguns casos, todos os membros acabam se mudando temporária ou definitivamente para outra cidade.

Apenas em 2020, segundo informações do Datasus (plataforma digital do Ministério da Saúde), 46 crianças e adolescentes de Marabá foram internadas em algum hospital do País por causa de algum tipo de câncer. O Hospital do Amor, de Barretos, já recebeu 183 pacientes de Marabá, sendo 11 deles crianças.

A data de 15 de fevereiro (esta segunda-feira) é o Dia Internacional de Combate ao Câncer Infantil, e cerca de 12 mil novos casos de neoplasias são registrados no Brasil a cada ano, segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Em Marabá, os números não são precisos. Há dados do TFD (Tratamento Fora do Domicílio), que registra pacientes encaminhados, via Secretaria Municipal de Saúde, para o Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, em Belém.

Leia mais:

Mas, há ainda uma “rota alternativa” para residentes em Marabá que são diagnosticados com algum tipo de câncer: o Hospital do Amor, localizado em Barretos-SP. Inclusive, há um grupo aqui na cidade que há alguns anos desenvolve campanhas colaborativas para enviar pacientes com alguns tipos raros de neoplasia. Eles ganharam notoriedade e o número de pessoas que ajudam financeiramente vem crescendo a cada ano.

Voltando às famílias que acabam abandonando Marabá para focar 100% do tempo no tratamento do filho ou filha diagnosticado com algum tipo de câncer, temos o exemplo de Aristides Renan Pereira da Silva, que decidiu deixar esta cidade junto com a esposa e dois filhos para buscar a cura do recém-nascido Davi Pereira da Silva, diagnosticado com câncer no quadril logo que nasceu.

Renan conta que o pequeno Davi, que atualmente está com quatro anos de idade, havia acabado de nascer quando foi identificado algo anormal em seu quadril. Exames especializados indicaram que se tratava de um câncer raro naquela região.

Aristides e Davi: a família foi em busca de tratamento de câncer em Barreto e não quer mais voltar para Marabá.

Renan era vendedor de forro em Marabá e região e largou tudo desde que descobriu a doença que afetava a chamada “bacia” de Davi, que tinha uma leve deformidade. O diagnóstico mudou a vida da família radicalmente, inclusive do filho mais velho, Lucas, que estava começando a ir para a escola.

Todos os custos com as despesas no tratamento de Davi foram pagos pelo próprio Hospital do Amor, que vive de doações. Mas, para manter a família na cidade, Renan revela que começou a trabalhar na lavanderia do próprio Hospital do Amor. “Eu tive de arrumar esse emprego para sustentar minha família. Mas, com a pandemia, tiveram que fazer cortes no hospital e eu fui um dos demitidos. Ainda estou vivendo com o auxílio desemprego, porém este mês de fevereiro caiu a última parcela e ficarei sem nenhuma outra renda’’, diz.

Para não ficar totalmente parado depois que precisou deixar o emprego no hospital, Renan passou a atuar como voluntário, recebendo as famílias que iam de Marabá para Barretos, para tratamento de algum tipo de câncer. “Assim como a gente, elas precisam se sentir bem acolhidas em momentos tão difíceis, quando um filho ou filha precisa tratar um câncer”, reconhece.

Questionado sobre quando pretende voltar a Marabá, Renan revela que não tem planos de retorno. Inclusive, os filhos preferem, atualmente, continuar residindo em Barretos. Davi já completou seu tratamento e faz só acompanhamento de seis em seis meses lá mesmo no Hospital do Amor. “Eu e minha esposa estamos esperando o terceiro filho e não pretendemos voltar, porque o custo de vida aqui é menor do que em Marabá”, compara.

O pai revela que durante o período de pandemia, os cuidados foram extremamente redobrados, pois o filho Davi faz parte de grupo de risco. “O isolamento aqui é total, dos adultos e das crianças, além de uso permanente de máscara e álcool em gel”.

O DRAMA DE ANE GABRIELE

A Reportagem do CORREIO também conversou com Divanilda Vianna Sena, mãe de Ane Gabriele Vianna, diagnosticada com um tumor na cabeça aos 11 anos de idade, que desencadeou para um câncer. A genitora mostrou-se uma mulher humilde e temente a Deus, e sempre acreditou no milagre de ver sua filha curada.

A descoberta que algo estava errado aconteceu bem longe de um consultório médico. Divanilda foi alertada pela diretora da escola que sua filha estuda, de que alguma coisa incomum estava acontecendo com a garota. “Ane sofria bullying na escola por parte de outras crianças, por causa da pálpebra do seu olho esquerdo que havia rebaixado. Fui chamada pela diretora do colégio, que sugeriu procurarmos um médico urgentemente. Fizemos isso imediatamente e, lá, foi constatado um tumor na cabeça’’ comenta.

Diante da descoberta assustadora, Divanilda e seu esposo levaram Ane para Belém, a procura de um diagnóstico mais preciso e tratamento. ‘Chegando a nossa Capital, não havia leito disponível e percebemos que os médicos estavam descrentes que minha filha iria sobreviver. Me agarrei a Deus e, com Ele à frente, todos os problemas são resolvidos’’ relembra a mãe, demonstrando fé inabalável.

Aflita, a família começou a buscar alternativas. Foi aí que descobriu a existência do Hospital do Amor e de um Grupo em Marabá (Contém Amor), que faz encaminhamentos para a casa de saúde na cidade paulista. O contato inicial foi com Angélica Rangel, uma das coordenadoras do Contém Amor, que a ajudou a encaminhar Ane para o Hospital em Barretos, promovendo também uma campanha de doação de dinheiro. Foi lá, naquele hospital, que encontramos ajuda necessária de especialistas para tratamento de nossa filha”, relata Divanilda.

Questionada sobre quanto tempo a família passou em Barretos, a mãe diz que eles moraram na cidade paulista durante um ano, e faz questão de contar que todo o tratamento foi custeado pelo próprio Hospital do Amor, junto com a alimentação, que tinha de ser saudável para a filha, com muitas frutas, uma caixa com 15 unidades de leite, uma cesta básica, medicação e hospedagem. Isso tudo é pago por pessoas de bom coração que fazem doações para amparar os que precisam’’, elogia.

No mês de abril deste ano, Divanilda e Ane – hoje com 13 anos – retornarão ao Hospital do Amor para exames de rotina, que são recomendados a cada seis meses. “Decidimos voltar a morar em Marabá, mesmo com Barretos sendo uma cidade acolhedora”, diz a mãe. Cecília Fraga, uma das coordenadoras do Grupo Contém Amor, em Marabá, conta que em função da pandemia provocada pelo coronavírus, não foi feita nenhuma ação para incentivar a doação em 2020. “Realizamos um bazar de rua com roupas que as pessoas doam. Ao longo do ano, há um grupo de voluntárias que são artesãs. Os produtos confeccionados por elas são doados e vendidos para ajudar os pacientes que vão de Marabá para o Hospital do Amor. Por causa da pandemia, estamos avaliando a possibilidade de realizar um bazar on-line para substituir nosso evento anual, que acontece em maio”, antecipa. (Henrique Garcia e Ulisses Pompeu)

No Pará, Leucemia é o tipo de câncer mais comum entre crianças

“As estatísticas têm demonstrado, nas últimas décadas, que o tratamento do câncer infantojuvenil obteve progresso significativo, com índices de cura que passaram de 30% a mais de 80% desde os anos 1960, explica Fabíola Puty, oncologista infantojuvenil pela Pró-Saúde no Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, em Belém (PA).

De acordo com a especialista, mesmo com essa evolução na terapêutica e na qualidade de vida dos pacientes oncológicos, a oncopediatria ainda enfrenta o desafio que esbarra na questão do diagnóstico precoce.

A médica pontua as diferenças entre o câncer em uma pessoa adulta e o câncer em jovens. “Na criança, geralmente são afetadas as células do sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação, já na pessoa adulta são as células do epitélio, que recobrem os diferentes órgãos, como mama e pulmão, os atingidos”.

A especialista acrescenta que as doenças malignas relacionadas à infância, por serem predominantemente de natureza embrionária, são constituídas de células indiferenciadas, o que determina, em geral, uma melhor resposta ao tratamento.

Casos no Pará e os tipos de câncer

Segundo dados do Hospital Oncológico Infantil, entre os anos de 2018 a 2020, foram registrados 576 casos de cânceres de diferentes tipos. Atualmente, o hospital possui 442 pacientes ativos em tratamento e 52 internados.

Atualmente, o Hospital Oncológico Infantil, em Belém, possui 442 pacientes ativos em tratamento e 52 internados.

Os casos de leucemias (glóbulos brancos), tumores do sistema nervoso central e os linfomas (sistema linfático) representam os tipos mais comuns de câncer infantojuvenil.

É o caso da Leucemia Mieloide Aguda (LMA), caracterizada por alta taxa de mortalidade e fatores prognósticos que ainda são incertos. Porém, a realização de diversos estudos, nas últimas décadas, trouxe progressos no diagnóstico, estratificação e tratamento, possibilitando o aumento e sobrevida, atualmente próxima a 75%.

No entanto, também acometem crianças e adolescentes o neuroblastoma, um tipo de tumor no sistema nervoso periférico, frequentemente localizado na região abdominal. Além dele, existe ainda o retinoblastoma, tumor da retina do olho; o osteossarcoma, tumor ósseo; e os sarcomas, tumores de partes moles.

Os tumores de sistema nervoso central são o segundo mais recorrentes na população infantojuvenil, com risco de sequelas neuromotoras, que perduram após o tratamento oncológico, podendo causar limitações ao retorno das atividades cotidianas.

“Nestes casos, o tratamento pode ser muito agressivo e investir na reabilitação e todo contexto da criança é muito importante. Sua funcionalidade pode ser conquistada aos poucos e significativa, facilitando sua adaptação à nova condição motora e, assim como, o planejamento terapêutico oncológico”, pontua Fabíola Puty. (Agência Pará)