Quando Los Hermanos cravaram na Música Popular Brasileira e consequentemente na Quarta-Feira de Cinzas que Todo Carnaval Tem Seu Fim, talvez não imaginassem que um dia ele sequer teria início.
Provavelmente o Jorge Ben de 1964 (quando o músico ainda nem havia adotado o Jor) também não sonhava que os versos “rasguei a fantasia e chorei, chorei por não poder brincar, tristeza e dor no carnaval”, impressos na canção Carnaval Triste, seriam tão atuais.
O artista sabia menos ainda que o sentimento seria compartilhado por milhões de brasileiros quase 60 anos depois do lançamento da música e que o motivo seria uma pandemia que obrigaria o cancelamento da maior festa nacional.
Leia mais:O novo coronavírus ama uma aglomeração, uma agarração, uma troca de fluídos. Silencioso, se esbalda em meio ao povo que se abraça e dança junto, inebriado pela música e pela bebida alcoólica que rega os quatro dias de festa. Foi o que ele fez em 2020.
Agora, em 2021, em meio à segunda onda de covid-19, vacinação ainda tímida e risco de esgotamento da capacidade de leitos de UTI, o jeito foi quebrar o coração do folião para preservar a saúde de toda a comunidade.
Nesta sexta-feira (12), quando em condições normais os brincantes já estariam tomando as ruas, bastava olhar para dois pontos de Marabá para sentir que algo está errado. Tanto a rodoviária da Folha 32, na Nova Marabá, quanto a Orla Sebastião Miranda, na Marabá Pioneira, estavam vazias e tristes.
O cinza do céu dava o tom de quase luto e a chuva até parecia um choro silencioso diante da ausência da marchinha, do axé, do samba e do funk que costumeiramente invadiriam as residências neste início de final de semana.
Nascida no Bairro Francisco Coelho, o Cabelo Seco, Ana Luiza Rocha da Silva, de 64 anos, nem consegue lembrar se algum dia deixou de pular carnaval. Há mais de 10 anos materializou a paixão criando o Bloco Copo Furado que, desde então, nunca deixou de ganhar as ruas em fevereiro.
“Todo ano, esse tempo todo, a gente já estaria ensaiando pra sair o bloco. Esse ano a gente fica muito triste por não sair”, lamenta, demonstrando, contudo, compreensão diante do momento e preocupação com o cenário.
“É o primeiro ano que ficaremos sem o Carnaval, mas por outro lado a gente fica até contente com o cancelamento porque se a gente não fizer essa aglomeração agora, no outro ano, se Deus quiser, estaremos pulando Carnaval todos juntos”, acredita.
De acordo com ela, muitas pessoas ainda não entenderam a gravidade da covid-19 e a importância de se manterem fora das ruas nestes próximos dias. “Parecem cegas sobre o quanto esse vírus é violento, levando tanta gente… mas se tudo der certo quem sabe a gente não faz uma folia com todos os blocos juntos em julho?”, questiona.
Cecília Almeida Frank, vice-presidente da Liga Carnavalesca de Marabá, compartilha do mesmo sentimento. “Com a chegada da vacina a gente tem planos de fazer o Carnaval fora de época, em julho, se tudo der certo e acabar essa doença. Com certeza não desistimos”, diz.
Segundo ela, atualmente, há 18 blocos registrados em Marabá. Os maiores são o Vai Quem Quer, que sai na segunda à tarde, e o Gaiola das Loucas, na terça-feira. De acordo com Cecília, a festa não tem mais o alcance que um dia teve. O município, afirma, “chegava a superar a capital (Belém)”. Ainda assim, trata-se de uma grande paixão para muita gente. “O Carnaval é uma festa popular, está no sangue das pessoas que gostam dele”.
Ela conta que a forma encontrada pelos foliões para matar um pouquinho dessa saudade já antecipada está sendo compartilhar fotos e vídeos da festa de 2020 no grupo da liga no WhatsApp. “Acho que a partir deste ano muita gente vai dar importância para o Carnaval. Espero que haja políticas públicas pra gente reviver o que já foi o Carnaval de Marabá”.
Por fim, sugere que os brincantes aproveitem esses dias para relembrar a festa, ainda que “guardados” em casa. “Mesmo sem a gente poder estar na avenida digo para quem gosta que brinque, ouça as marchinhas pra gente se sentir um pouco mais contente e satisfeita, pra fazer um esquenta para o coração”, finaliza.
Ponto facultativo cancelado e fiscalização de aglomerações
No que depender dos entes públicos, nada será facilitado para que o paraense tente viajar ou se aglomerar no Carnaval, mesmo com as festas oficiais canceladas.
A Secretaria de Estado de Planejamento e Administração (Seplad), por exemplo, publicou nota nesta sexta-feira (12) informando que nos dias 15 (segunda), 16 (terça) e 17 (quarta) o expediente será normal em órgãos e entidades da administração pública direta e indireta. A decisão foi publicada em portaria.
Já a Prefeitura de Marabá fez questão de também divulgar nota pública confirmando que não haverá ponto facultativo na segunda e na terça, apenas a folga do próprio dia 16 de fevereiro, dia oficial do Carnaval.
Os bancos não abrirão as portas em Marabá nos dias 15 e 16 de fevereiro, segunda e terça, retomando o atendimento nas agências apenas na quarta-feira, dia 17, ainda assim apenas das 12 às 15 horas.
Em Marabá, na segunda-feira, dia 15, é comemorado o Dia do Comerciário e, em decorrência da data, existe um acordo de fechamento dos três dias, o que os empresários da cidade tinham a esperança de rever após a eleição do Sindecomar, realizada na quinta (11).
Acontece que a chapa vencedora não foi empossada e a junta governativa alegou que não tem poder para tal negociação. A entidade está sob intervenção judicial. Desta forma, o comércio permanecerá os três dias fechado.
Ao Correio de Carajás o delegado Vinícius Cardoso das Neves, diretor da 21ª Seccional Urbana de Polícia Civil, garantiu que aglomerações com mais de 10 pessoas serão desmobilizadas e que pessoas que incentivem eventos desta natureza serão responsabilizadas de acordo com o Artigo 268 do Código Penal.
A legislação prevê pena de detenção de até um ano e multa para quem infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. “As forças policiais vão estar nas ruas fiscalizando”, avisou.
Segundo ele, o prazo do decreto que restringe o funcionamento de bares e similares vence nesta sexta (12) e ainda não há informações sobre uma possível prorrogação. Contudo, o decreto proibindo a aglomeração segue em vigência. Em relação aos blocos, inclusive, ele informa que nenhum recebeu alvará para funcionar neste Carnaval.
O Ministério Público do Estado do Pará advertiu, por meio de Recomendação, que Marabá, Bom Jesus do Tocantins e Nova Ipixuna tomem medidas para conter o avanço do novo coronavírus durante o período de Carnaval, impedindo a realização de festas públicas e eventos com aglomeração de pessoas.
Confira as dicas do Correio de Carajás para curtir o Carnaval sem aglomeração:
Metade da redação do Correio de Carajás ama o Carnaval. Metade não se importa com a festa, mas não dispensa um feriado caso seja possível folgar. Entre os que estão tristes pela farra desperdiçada e os indiferentes, todos têm sugestões de como aproveitar os próximos dias longe da avenida.
Na casa do designer Dihon Albert, por exemplo, o verbo de ordem será dormir e a folga será aproveitada para o descanso. Maria Carolina, responsável pela organização do site, pretende sentar na frente da TV e esquecer da vida maratonando séries. O revisor Lucas, que também é universitário, já decidiu colocar o conteúdo em dia.
O estagiário Henrique Garcia e o diretor de redação Patrick Roberto compartilham da mesma ideia: fugir para um local bucólico para curtir a paz do silêncio. Chagas Filho, gastando cultura, indica o livro Metamorfose, de Franz Kafka. Ele está na página 27 e não consegue largar o novo vício.
Defensora da máxima “mente sã em corpo são”, Ana Mangas lembra que o tempo livre pode ser empregado na prática de esportes, inclusive em um dos mais prazerosos: namorar. Ulisses Pompeu, nosso multiatleta, aproveita o embalo da colega e sugere até a modalidade: pedalada. “A cidade vai estar deserta e em uma hora de pedal eu gasto 600 calorias”.
Essa que vos fala aconselha o leitor a testar aquelas receitas que sempre o interessam na internet. Afinal, a gente afoga mágoa em comfort food e esse Carnaval desperdiçado vai sangrar por longos meses. (Luciana Marschall)