A ocupação de uma unidade popular do Residencial dos Minérios, em Parauapebas, virou um caso controverso de polícia nesta semana. O músico e deficiente visual Leonam Matos foi autuado por esbulho possessório pelo delegado Gabriel Henrique Alves Costa, plantonista da 20ª Seccional Urbana de Polícia Civil, gerando reação do advogado Tony Araújo, que se disse comovido com a situação e decidiu atuar gratuitamente em favor do desapropriado
As casas financiadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida foram entregues em 2012 e ao longo de 10 anos – até o término do pagamento das parcelas – é proibido ao beneficiário vender, ceder ou até mesmo emprestar o apartamento para outra pessoa. Diante disso, Leonam diz ter identificado o abandono de um dos imóveis na última terça-feira (2), após ter sofrido um despejo, e decidiu ocupa-lo junto dos quatro filhos.
“Morávamos alugado e a dona da casa resolveu pedir o imóvel, pediu e ligava constantemente, exigindo a saída imediata. Tivemos que sair e adentramos neste imóvel aqui”, explica, acrescentando que no dia seguinte, quarta (3), foi surpreendido por uma equipe da Polícia Civil que o conduziu à delegacia. “Ele (delegado) ordenou que viéssemos desocupar o imóvel e é o que estamos fazendo. Não temos realmente para onde ir agora”, declarou.
Leia mais:Leonam conta já ter tentado diversas vezes acesso à uma unidade de moradia popular, porém, sem sucesso. Na Secretaria Municipal de Habitação, onde buscou ser cadastrado no programa de habitação, ouviu que a família não cumpria os requisitos necessários.
“Todas as pessoas que lutam e que não têm nem um chapéu para se abrigar com a família se veem no desespero de adentrar um imóvel, como eu fiz”, afirma, questionando o abandono da residência popular enquanto tanta gente vive nas ruas. “Dou no mínimo dois anos ou até menos de um ano pra essa casa estar de novo desocupada e em estado de abandono”, lamenta.
REVOLTA
O advogado Tony Araújo soube da questão e decidiu acompanhar Leonam, criticando severamente a atuação do delegado Gabriel Henrique. “Estamos aqui para manifestar indignação e revolta pela atitude do delegado de plantão que agiu dessa maneira, sem necessidade. Poderia ter deixado para o juiz decidir”, declarou, relembrando que a legislação proíbe que os beneficiados residam em outro imóvel.
Conforme ele, a desapropriação sem mandado se deu à tarde, impossibilitando que o Ministério Público do Estado do Pará ou o Poder Judiciário fossem acionados para intervir. “Delegado não tem que se prestar a este tipo de serviço. Um juiz precisa analisar porque a casa estava há três anos abandonada, se a pessoa realmente precisa e por que apareceu agora que alguém que realmente precisa ocupou”, afirma.
Além disso, acrescenta que nem a Polícia Civil e nem a pessoa que reclamou a posse do imóvel apresentaram documentos comprovatórios e que foram solicitados pelo advogado. “A gente acredita que essa casa já pode até ter sido comprada do primeiro dono, do que realmente ganhou, a gente não tem conhecimento exato do que ocorre aqui”, suspeita, se dizendo revoltado.
“Advogo há vários anos na região e aqui em Parauapebas eu nunca tinha visto uma atitude dessas de delegado. Deixar de trabalhar pra resolver problemas voltados para a questão da segurança para resolver reintegração de posse que juiz é quem decide. A gente trabalha para ajudar porque reconhece que a pessoa não tem pra onde ir, mas fica de mãos atadas porque o delegado, na posse de sua autoridade, da qual pra mim já está excedendo, usa desse direito para retirar uma família e deixar a casa abandonada de novo”, sustenta.
Por fim, questiona a autuação prevista no Código Penal, cujo artigo 161 define como crime o ato de invadir com violência à pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório. “Não houve violência e o delegado botou o pé na parede e mandou os policiais desapropriaram, a família não tem pra onde ir, vai ficar no meio da rua”.
AUTUAÇÃO
Procurado, o delegado Gabriel Henrique confirmou ter feito o procedimento e que Leonam irá responder pelo crime. Disse que pretende investigar, ainda, se há pessoas incentivando a ocupação de imóveis na região. “A delegacia está muito ciente do que fez porque é delito capitulado no Código Penal e eles (família) vão responder pelo crime”, garantiu.
Conforme ele, a proprietária da casa alegou que a residência não estava abandonada e que ela estava apenas viajando. “Ao retornar para a casa foi impedida de entrar, ou seja, o crime está configurado. A pessoa invadiu o imóvel sem deixar a proprietária retornar. Ela disse que não estava na residência, pois a luz estava queimada, vez que ela viajou para fazer tratamento do filho”.
O delegado acrescentou que denúncias de abandono de imóveis devem ser feitas para a Secretaria de Habitação. “Ela que vai analisar o caso e possivelmente essa moradia poderá voltar para a Secretaria para respeitar a fila, porque com certeza há lista de pessoas que querem ser beneficiadas por essa residência”.
Também rebateu o posicionamento do advogado Rony Araújo. “O advogado pode falar o que for até porque se a pessoa não mora lá há dois anos que seja feita a denúncia à Secretaria de Habitação e que esta notifique o proprietário do imóvel. Significa que todo local que não tiver a pessoa morando pode ser ocupado? Por esse motivo considerei esbulho. Se a posse tivesse sido mansa, pacífica e alguns dias depois não houvesse mais auto de prisão em flagrante, teria sido feita uma ocorrência e a vítima teria sido aconselhada a procurar Defensoria Pública ou advogado para entrar com ação processual”.
O Correio de Carajás solicitou informações da assessoria de comunicação da Prefeitura Municipal sobre a atual situação do residencial e aguarda retorno. (Luciana Marschall – com informações de Jarbas Lemos)