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- Postagens tiram de contexto e-mails do infectologista Anthony Fauci do início de fevereiro de 2020. Na data em que mensagens foram enviadas, ainda não havia recomendação para uso de máscaras contra covid-19. Um estudo que aponta que o SARS-CoV-2 tem origem natural seria publicado um mês depois.
- Conteúdo verificado: Texto do site Politz que noticia o “vazamento” de e-mails do infectologista Anthony Fauci em que ele teria dito que o novo coronavírus aparenta ser fruto de engenharia genética e que máscaras são inúteis. O conteúdo foi reproduzido no Facebook e no Twitter.
São enganosas publicações nas redes sociais que tiram de contexto e-mails do infectologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos e um dos principais conselheiros da Casa Branca no combate à pandemia de covid-19. Em mensagens de fevereiro de 2020, o cientista desaconselhou o uso de máscaras a uma colega e recebeu a análise preliminar de um pesquisador sobre a possibilidade de o SARS-CoV-2 ter sido criado em laboratório. Essas opiniões, no entanto, mudaram à medida em que novas informações científicas foram descobertas.
Em entrevista à CNN na última quinta-feira, 3, Fauci disse que, se soubesse naquela época que o uso de máscara é uma maneira eficiente de parar a transmissão da covid-19, não teria recomendado contra a necessidade do equipamento de proteção. O Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) passou a pedir que os americanos usassem máscaras apenas em abril de 2020.
Além disso, o pesquisador Kristian Andersen, que enviou a Fauci no início de fevereiro um e-mail que dizia que o SARS-CoV-2 parecia “(potencialmente) manipulado”, esclareceu que essa opinião se baseava em análises muito preliminares. Posteriormente, o cientista estudou a sequência genética do novo coronavírus de maneira mais detalhada e concluiu em artigo publicado na Nature Medicine em março de 2020 que o patógeno “não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.
Leia mais:Como verificamos?
Pesquisamos na imprensa americana reportagens sobre e-mails de Anthony Fauci e encontramos publicações do jornal The Washington Post em 31 de maio e do portal Buzzfeed de 1º de junho. A última matéria disponibilizou um documento com todos os e-mails do infectologista, obtidos em um período de janeiro a junho de 2020. Buscamos nesse arquivo as mensagens citadas nos conteúdos enganosos.
Procuramos especialistas que pudessem comentar sobre as teorias de origem do novo coronavírus. Consultamos Aguinaldo Roberto Pinto, professor titular do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Giliane Trindade, professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) e Flávio da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).
Entramos em contato com o site Politz, que publicou o texto analisado aqui, e os perfis Movimento Avança Brasil e @Helenova31, que reproduziram o conteúdo no Facebook e no Twitter, respectivamente.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de junho de 2021.
Verificação
E-mails foram divulgados, não vazados
É importante ressaltar que os e-mails foram obtidos por meio de Lei de Acesso à Informação. É uma ferramenta de transparência pública pela qual qualquer cidadão pode solicitar informações públicas ao governo, que é obrigado a respondê-las. No Brasil, existe desde 2011.
Os e-mails de Fauci foram obtidos por jornalistas e publicados nos veículos Washington Post, Buzzfeed e CNN na semana passada. O Buzzfeed disponibilizou um documento PDF em que é possível buscar todos os e-mails divulgados. Assim, o Comprova verificou que as correspondências citadas pelo site Politz eram verdadeiras, embora estivessem fora de contexto.
Discussão sobre origem do coronavírus
Fauci trocou e-mails em 1º de fevereiro de 2020 com o pesquisador Kristian Andersen, do laboratório Scripps Research, da Califórnia (veja na página 3.187 do documento). Os dois conversavam sobre um texto jornalístico publicado na Science, que falava sobre a corrida de cientistas para analisar a sequência genética do SARS-CoV-2 em busca da origem do vírus.
Andersen comenta que a reportagem é ótima, mas ressalta que em sua pesquisa ainda não conseguiu entender estruturas únicas do novo coronavírus. Ele diz que algumas das características “parecem (potencialmente) manipuladas”. Escrevendo na sexta-feira, o cientista adiciona que deve obter mais respostas no final da semana. E acrescenta que “ainda temos que examinar com muito mais cuidado, e há outras análises a serem feitas, então essas opiniões podem mudar”.
O e-mail não prova que o vírus tenha sido manipulado em laboratório, como inferem as postagens analisadas. Apenas reflete as considerações iniciais do cientista sobre o assunto. Em 17 de março de 2020, mais de um mês depois da troca de mensagens, Andersen e outros pesquisadores publicaram um artigo científico na revista Nature Medicine. Nele, dizem que “nossa análise claramente mostra que o SARS-CoV-2 não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.
A conclusão do estudo assinado por Andersen foi corroborada em outras pesquisas publicadas em revistas científicas de renome, como a Cell e Nature Microbiology.
Sobre o e-mail a Fauci, Andersen publicou no Twitter que a reflexão inicial é apenas parte do processo científico. O pesquisador escreveu que algumas características incomuns do vírus, como o sítio de clivagem por furina (uma estrutura que torna o patógeno mais transmissível), o levaram a crer que o vírus tivesse sido manipulado. Mas ressaltou que análises posteriores não confirmaram essa hipótese.
“O e-mail a Tony foi baseado em apenas dois dias de análises muito preliminares”, publicou o cientista no Twitter.
Andersen ressaltou que, na época do e-mail, a equipe de pesquisadores ainda não tinha acesso ao genoma do RaTG13 — um vírus encontrado em morcegos que se descobriu ser muito similar ao SARS-CoV-2. “Após nossa análise preliminar, fizemos investigações mais extensas, tanto no genoma do RaTG13 quanto de outros coronavírus, para comparar de forma mais ampla a diversidade genética da família de coronavírus”, escreveu ele no Twitter.
O pesquisador acrescentou que a equipe examinou a literatura do Instituto de Virologia de Wuhan – localizado na cidade chinesa onde foram registrados os primeiros casos de covid-19 -, buscando por vírus que pudessem ser parecidos com o SARS-CoV-2. Segundo Andersen, foram consideradas as possibilidades de emergência natural, manipulação genética e escape de laboratório.
“Muitas das análises foram completadas em questão de dias, e nos permitiram rejeitar rapidamente a hipótese preliminar de que o vírus tinha sido manipulado”, disse ele. “Este é um exemplo clássico do método científico, em que uma hipótese preliminar é descartada em favor de outra hipótese, à medida em que mais dados ficam disponíveis e análises são finalizadas”.
As evidências científicas disponíveis até o momento apontam que o cenário mais viável é que o novo coronavírus tenha origem natural – morcegos são apontados como o repositório mais provável. Um relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2021, após expedição à China, não chegou a considerar a hipótese de criação artificial e indicou que a possibilidade de o vírus ter escapado de um laboratório era “extremamente improvável”.
Alguns cientistas, incluindo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, defendem que a teoria de escape de laboratório deve ser melhor investigada. Em maio, 18 pesquisadores assinaram uma carta na Nature em que dizem que o vazamento acidental “permanece viável”. Depois que esta possibilidade passou a ser mais debatida, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu que agências de inteligência americanas investigassem as origens da pandemia.
Opinião sobre uso de máscaras mudou
Outra troca de e-mails citada no conteúdo enganoso data de 5 de fevereiro de 2020. A presidente da American University em Washington, Sylvia Burwell, entra em contato com Fauci, pois vai viajar e quer saber se deve levar uma máscara. O infectologista desaconselha o uso do equipamento de proteção, dizendo que deve ser utilizado apenas por pessoas infectadas.
“A máscara típica que você compra na farmácia não é muito eficiente em barrar o vírus, que é pequeno o suficiente para atravessar o material”, escreveu ele. “Pode, no entanto, te proteger de gotículas maiores, se alguém espirrar ou tossir em você”.
Respondendo a outra pergunta de Sylvia, sobre que tipo de doação empresários poderiam enviar à China para auxiliar no combate ao coronavírus, Fauci afirma: “o dinheiro será mais bem gasto em medidas médicas, como diagnósticos e vacinas”. Confira na página 3.027 do documento.
Os conteúdos enganosos não deixam claro que a opinião de Fauci à época condizia com as orientações da OMS e do Centro de Controle de Doenças americano (CDC). A primeira entidade só passou a recomendar oficialmente o uso de máscaras em junho de 2020. O entendimento mudou a partir de resultados de uma pesquisa encomendada pela própria OMS. O CDC começou a pedir o uso de máscaras em abril do ano passado. Havia, na época, receio de que faltassem suprimentos para trabalhadores na linha de frente no combate à covid-19.
Fauci também mudou de opinião diante de novas evidências. À CNN americana na última quinta-feira, 3, ele disse que, se tivesse as informações disponíveis hoje, não recomendaria dispensar a máscara. O infectologista afirmou que sua recomendação se baseou nos dados da época, e ressaltou que o conhecimento científico se acumula.
“Claro (que recomendaria o uso de máscaras), se soubéssemos naquela época que uma quantidade substancial de transmissão era de pessoas assintomáticas, se soubéssemos que os dados mostram que usar máscaras fora do ambiente hospitalar funciona, quando não sabíamos disso, é claro”, disse ele.
Outro e-mail citado pelo site Politz e que aborda o uso de máscaras foi encaminhado em 5 de fevereiro de 2020 a Roger Goodell, comissionário da National Football League (NFL), liga de futebol americano dos EUA. Não encontramos esse e-mail no documento divulgado pelo site Buzzfeed. Na suposta mensagem, Fauci teria brincado que não se importava se Roger usasse máscara ou não, desde que ele encontrasse uma forma de parar o avanço do time Cleveland Browns.
Agradecimento a Peter Daszak
Um terceiro e-mail citado pelo site Politz foi encaminhado ao zoólogo Peter Daszak, presidente da organização EcoHealth Alliance, que se dedica a pesquisar a emergência de doenças virais. Daszak escreve um e-mail elogioso a Anthony Fauci, para agradecê-lo pelas declarações públicas a respeito da origem do coronavírus — o infectologista americano sustentou diversas vezes que o SARS-CoV-2 surgiu na natureza, embora tenha recentemente admitido que a teoria de escape de laboratório deve continuar a ser investigada.
Fauci responde a Daszak: “Peter, muito obrigado por sua gentil mensagem”. Veja na página 1.150 do documento. O site Politz diz que o e-mail é prova que havia uma operação para “encobrimento” da verdadeira origem do SARS-CoV-2; no entanto, não há qualquer evidência disso. Os dois se corresponderam apenas uma vez no período divulgado pelo Buzzfeed.
Peter Daszak tem sido questionado nas redes sociais por sua pesquisa anterior com o Instituto de Virologia de Wuhan. Parte dos estudos foi financiada pelo órgão governamental americano Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), dirigido por Fauci. O objetivo era analisar coronavírus surgidos em morcegos — animal do qual emergiu a SARS em 2003 e de onde cientistas indicam como repositório provável do SARS-CoV-2.
Importante lembrar que o termo “coronavírus” se refere à família de vírus que inclui os agentes que causam a covid-19, a SARS e outras doenças infecciosas.
Nas redes sociais, tem se espalhado a teoria de que esses estudos da EcoHealth Alliance incluíram uso de técnicas de “ganho de função”, o que poderia ser um indício de manipulação artificial do SARS-CoV-2. “Ganho de função” é um termo que descreve um tipo de pesquisa polêmica, em que cientistas modificam geneticamente patógenos para torná-los mais perigosos, ou mais transmissíveis. O objetivo é prever como os vírus podem se comportar. Tanto o NIAID quanto a EcoHealth Alliance negam ter feito experimentos desse tipo.
No início de maio, Fauci chamou a alegação de financiamento a pesquisas de ganho de função de “absurda”. Em audiência no Senado americano em 26 de maio, Fauci voltou a negar que o NIAID tenha concedido bolsa para estudos desse tipo com coronavírus de morcegos. O senador republicano John Kennedy perguntou ao infectologista se os cientistas que ganharam o financiamento poderiam ter mentido para ele. Fauci respondeu “nunca se sabe”, mas acrescentou que acredita que os pesquisadores são confiáveis e atenderam à delimitação da bolsa.
Em fevereiro, o site de fact-checking americano Politifact apurou que, em 2014, o NIAID concedeu uma bolsa de US$ 3,4 milhões à EcoHealth Alliance. A organização firmou uma parceria com o laboratório chinês para fazer análises genéticas de coronavírus originados em morcegos em Yunnan, outra cidade na China. Segundo Fauci, US$ 600 mil foram destinados ao Instituto de Virologia de Wuhan por meio dessa pesquisa.
O que o Politifact mostrou é que, apesar de ter existido uma bolsa de financiamento do governo americano ao laboratório chinês, não há provas de que os pesquisadores fizeram experimentos de ganho de função em coronavírus de morcegos.
“A pesquisa apoiada pela concessão da EcoHealth Alliance Inc. caracterizou a função das proteínas spike de morcegos recentemente descobertas e de patógenos de ocorrência natural e não envolveu o aumento da patogenicidade ou transmissibilidade dos vírus estudados”, disse a assessoria dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), órgão no qual o NIAID está inserido, em nota ao Politifact.
O site de checagem americano aponta ainda que, em outubro de 2014, o governo de Barack Obama decidiu suspender o financiamento de experimentos de ganho de função. Diante disso, o NIH analisou o projeto de pesquisa da EcoHealth Alliance e determinou que não envolvia o melhoramento de vírus.
O Politifact pediu ainda que um biólogo do Instituto de Tecnologia do Massachussetts (MIT) revisasse um estudo publicado por meio da bolsa concedida à EcoHealth Alliance e ao Instituto de Virologia de Wuhan. O cientista Kevin Esvelt disse ter identificado componentes similares à definição de ganho de função na pesquisa, mas afirmou que o estudo “definitivamente NÃO levou à criação do SARS-CoV-2”, já que a sequência genética do vírus analisado era muito diferente da do agente que causa a covid-19.
Em outro e-mail de Fauci (página 3.206), o vice-diretor do NIAID, Hugh Auchincloss, diz que outra pesquisa com coronavírus de morcegos, de 2015, foi realizada antes da pausa determinada pelo governo Obama a experimentos de ganho de função. Depois da determinação governamental, o projeto foi revisado e aprovado pelo NIH. Auchincloss cita ainda que Emily Erbelding, diretora da divisão de Microbiologia do NIAID, não tinha encontrado nenhuma pesquisa relacionada a coronavírus com ganho de função financiada pela instituição.
Sobre o e-mail de agradecimento a Daszak, Fauci disse à CNN dos Estados Unidos que não é possível tirar conclusões sobre a relação entre os dois apenas pela troca de mensagens. O infectologista ressaltou que ainda acredita que a origem mais provável do novo coronavírus é animal. “Mantenho a mente completamente aberta quanto a talvez ter outras origens, talvez ter outra razão, poder ser um vazamento de um laboratório”, disse ele. “Acho que se você olhar historicamente, o que ocorre na interface entre humanos e animais é que é mais provável que o vírus tenha pulado de uma espécie a outra”.
“Você pode distorcer como quiser”, continuou Fauci. “O e-mail foi de uma pessoa agradecendo ao que quer que ele acha que eu disse, e eu disse que a origem mais provável do coronavírus é por meio de um salto entre espécies. Eu ainda acho que é, ao mesmo tempo mantenho a mente aberta sobre a possibilidade de um vazamento”.
A virologista Giliane Trindade, professora do Departamento de Microbiologia da ICB/UFMG, explica que Peter Daszak é um proeminente nome do campo de ecologia de doenças emergentes. Ou seja: ele já participava de várias pesquisas sobre animais que são reservatórios virais, como os morcegos. Que o cientista fizesse estudos na China não é um sinal de conspiração; apenas quer dizer que o país asiático tem alta população de morcegos e era um cenário favorável para a interação desses animais com seres humanos — tendo em vista a existência de mercados de carnes exóticas como o de Wuhan.
“Ele faz estudos justamente em locais de risco do planeta, onde esses vírus que estão em animais podem chegar a humanos”, diz Giliane. “Existem vários trabalhos pregressos que mostram a emergência de coronavírus na China. E não só de pesquisadores chineses. Ecologicamente, faz todo o sentido que o SARS-CoV-2 surgisse lá, de onde também veio o SARS. Por isso, intensificaram a pesquisa na região”.
“A maior parte dos betacoronavírus humanos (família à qual pertence o novo coronavírus) veio de morcegos”, explica a virologista. “O SARS-CoV-2 seria mais um que está repetindo uma história comum”.
Fauci recebeu vários e-mails sobre a origem do vírus
O que fica claro nos e-mails revelados de Fauci é que o diretor do NIAID recebia muita correspondência, de diversas fontes diferentes. Em uma delas (página 2.286), um homem chamado Adam Gaertner diz ter encontrado a receita para criação do novo coronavírus, e afirma que o patógeno é uma arma biológica.
Mas, como já mostraram checagens do Politifact e do USA Today, Gaertner não é um pesquisador, e não pode ser considerado uma fonte confiável. A primeira verificação ressaltou que Adam não citou nenhuma prova no e-mail, e que é conhecido na internet por defender o uso de ivermectina contra covid-19. Ainda não existem estudos conclusivos sobre esse medicamento no combate ao coronavírus, e as principais entidades de saúde do mundo não recomendam seu uso.
O USA Today descobriu que o e-mail de Gaertner foi copiado literalmente de um estudo de 2005 assinado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia. Um dos coautores da pesquisa, Graham Simmons, disse ao jornal americano que o artigo em 2005 não tem nenhuma relação com criação de coronavírus ou armas biológicas.
“Não faz o menor sentido que (o estudo) possa ser um método para produção de armas biológicas de coronavírus”, disse ele. “Fico feliz que alguém tenha encaminhado este trabalho para Tony Fauci, pois é um experimento muito legal e foi financiado pela NIH, mas a distorção é chocante”.
Outro e-mail citado pelo site Politz está na página 522 do documento divulgado pelo Buzzfeed. Na mensagem, um dermatologista chamado Michael Jacobs diz acreditar que o novo coronavírus teria sido vazado do laboratório de Wuhan. Ele também menciona a possibilidade de que o vírus tenha sido combinado com um fungo para ficar “mais grudento”.
Essa possibilidade foi descartada por Aguinaldo Roberto Pinto, professor titular do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele disse que o método citado pelo dermatologista não faz sentido. “O vírus é de transmissão aérea. Essa já é uma forma de transmissão excelente e muito eficiente; não precisaria complexar (com um fungo)”, atesta.
O que dizem os especialistas sobre a origem do coronavírus
Aguinaldo Roberto Pinto, da UFSC, também considera pouco provável a criação do SARS-CoV-2 em laboratório. Ele diz que os vírus podem sofrer mutações, sobretudo aqueles cujo material genético é RNA, como no caso do coronavírus, e não há nada de incomum nessas alterações que pudessem comprovar a interferência humana no surgimento do agente causador da covid-19.
Ele pontua ainda que os vírus podem infectar várias espécies animais e, quando passa de uma espécie para outra, também podem se tornar outro vírus.
O professor cita como exemplo o HIV, um vírus decorrente de outro – SIV – que, originalmente, infectou macacos. Depois, passou para os seres humanos, resultando no HIV como conhecemos atualmente. “Então, não seria algo inédito o vírus passar de um bicho para outro, ou passar para humanos, e se tornar um novo vírus”, reforça.
A possibilidade de o SARS-CoV-2 ter surgido a partir do morcego ainda é investigada, afirma Aguinaldo Pinto, mas ele ressalta que é bastante plausível considerar que o coronavírus tenha surgido naturalmente, num ambiente de pouca higiene e muitos animais juntos, do que ter sido criado em laboratório.
“Não seria a primeira vez, nem vai ser a última. Como há muitas pessoas vivendo em condições precárias de higiene, novos vírus vão surgir. Na história recente, de 2000 para cá, surgiu a SARS, depois a MERS e agora o SARS-CoV-2. Tudo indica que os vírus surgiram na natureza, de forma espontânea, devido a essas condições de má higiene”, avalia o professor.
Ainda sobre a improbabilidade de o vírus ter sido criado em laboratório, Flávio da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), afirma que tanto o SARS-CoV quanto o SARS-CoV-2 não têm cicatrizes em seus genomas. “Quando fazemos uma manipulação genética em qualquer pedaço de DNA, a gente utiliza ferramentas que deixam marcas, as cicatrizes”, diz Fonseca. “E nenhum dos vírus tem cicatriz que possa nos levar a pensar que ele foi manipulado geneticamente.”
Giliane Trindade, da UFMG, diz que as evidências disponíveis até o momento indicam que o SARS-CoV-2 tem origem natural. “Até que a ciência mostre o contrário, todas as evidências apontam que não é uma arma biológica”, disse a virologista.
Ela opina que a especulação sobre teorias pouco prováveis tira a atenção de questões realmente importantes. “O dado científico mostra que um vírus muito parecido está na natureza”, diz a virologista. “O que as pessoas deveriam estar preocupadas era como diminuir a interface da nossa sociedade com o mundo animal. Como criar esses animais sem impactar tanto nossa sociedade”.
O site
Um dos posts verificados aqui coloca link para conteúdo de um site chamado Politz, que se descreve como a “primeira e única comunidade brasileira que oferece um espaço totalmente seguro, livre de censuras ou perseguições ideológicas”.
Ao citar as máscaras, é informado no texto sobre Fauci que o Politz prefere chamá-las de focinheiras.
No Twitter, a plataforma tem 145 mil seguidores e, nesta rede, criticou a checagem feita pela Agência Lupa, reafirmando que o conteúdo publicado no site está correto, que os checadores da agência “simplesmente reproduzem quase que na íntegra o que está publicado em nossa reportagem”. Não é verdade, já que a “reportagem” do Politz é categórica ao afirmar que “os e-mails vazados de Dr. Fauci, rei dos lockdowns intermináveis e das máscaras, botam todas as políticas tomadas pelas autoridades públicas praticamente no mundo inteiro em cheque, mostrando que quem realmente estava certo, na verdade, era o próprio presidente Jair Bolsonaro e o presidente Donald Trump”.
O conteúdo do Politz foi compartilhado pelo perfil @Helenova31 no Twitter, que tem quase 17 mil seguidores. A página publica conteúdos atacando a imprensa, defendendo medicamentos como cloroquina e ivermectina e minimizando a pandemia.
O Comprova tentou entrar em contato com o perfil no Twitter e com o Politz, mas não obteve retorno.
O Politz também foi utilizado como fonte do post da página Movimento Avança Brasil, que se apresenta da seguinte maneira: “Somos livres e de bons costumes trabalhando na transformação do Brasil através da transparência de tudo que é público, com limitação e separação de poderes”. Questionado sobre o uso de fontes, um responsável pelo perfil respondeu ter utilizado reportagens da Fox News e um arquivo compartilhado com os e-mails, diferentemente do que havia publicado inicialmente.
Após contato da reportagem, além de ter alterado a fonte, o texto do post mudou de “Vazam e-mails do Dr. Fauci, da Casa Branca, afirmando que o vírus chinês aparenta ser fruto de engenharia genética e inutilidade das máscaras” para “Vazam e-mails do Dr. Fauci, da Casa Branca, onde ele disse que o vírus chinês pode ter vindo de um laboratório e possível inutilidade das máscaras”.
O Comprova perguntou ainda se a página checava as fontes de informação, já que é sabido que Fauci mudou seu posicionamento sobre o uso de máscaras ainda no início da pandemia. A resposta foi: “Você diz se checamos o que a Fox News diz? Não checamos, assim como não checamos publicações da Folha, Globo etc…”.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Os conteúdos verificados aqui alcançaram, no total, 2,4 mil reações e foram compartilhados cerca de 1,5 mil vezes até 7 de junho.
Ao tirar do contexto afirmações de um dos principais imunologistas dos Estados Unidos, as postagens tentam, seguindo a linha do ex-presidente Trump e de Jair Bolsonaro (sem partido), culpabilizar a China pela pandemia e, ainda, colocam a população em perigo ou afirmar que ele não defende o uso de máscaras. A proteção facial é, até o momento, uma das medidas eficazes conhecidas contra o vírus, ao lado de distanciamento social, restrição de circulação, higienização das mãos e, claro, a vacina. Só assim o país vai diminuir os índices de contaminação e morte pela doença.
O conteúdo desta checagem já foi verificado pela Lupa e pelo Poynter, instituto de comunicação americano.
O Comprova já fez outras verificações sobre a suposta criação do coronavírus em laboratório, como a que enganava ao dizer que a China havia testado o Sars-CoV-2 como arma biológica.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de mais de 30 veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.