A poucos quilômetros de Marabá, mas na área rural de Itupiranga, um recanto idílico abriga uma “fazenda de alevinos” (criatório especializado na produção de peixes recém-nascidos), um empreendimento que é a “menina dos olhos” de José Pereira da Silva Filho, mais conhecido como ‘Zé Filho’.
Para chegar até a propriedade, a equipe de reportagem do Correio de Carajás enfrentou um dia nublado, característico do inverno amazônico, após uma noite de muita chuva. A estrada enlameada e repleta de ladeiras desafiadoras precedeu o encontro com as águas de açudes que guardam o tesouro de Zé Filho.
Sua história com os alevinos remota ao ano de 2001, quando ele se tornou cliente de uma piscicultura e tomou gosto pela prática. O interesse o fez dar o primeiro de muitos mergulhos até sua “fazenda” chegar ao patamar em que está hoje. Ele – e o grupo do qual faz parte – é considerado o maior produtor de alevinos do tipo peixe redondo do Pará.
Leia mais:“Quando começamos, as informações eram mais ocultas do que são hoje, eram muito mais fechadas, então acabamos perdendo muito tempo enquanto lutávamos para ganhar experiência”, relembra o piscicultor.
Atualmente, ele observa que o acesso ao conhecimento sobre a criação de alevinos é facilitado por canais de mídia como o YouTube. Há 24 anos, sem esse privilégio, Zé Filho aprendeu tudo na raça, no famoso método de “tentativa e erro”.
“Nós fomos fazendo, tomando prejuízo e refazendo, até o dia em que chegamos nesse ponto que estamos hoje. Foi na raça, aprendendo e ganhando prática naquela primeira experiência”, relembra.
Alguns anos depois, em 2008, a produção de peixes redondos como tambaqui, tambatinga, tambacu e curimatá, já estava consolidada. Seu “laboratório” de criação de alevinos foi constituído no Projeto de Assentamento (PA) Palmeira Juçara, mas, após se separar de sua primeira esposa há seis anos, na partilha dos bens o empreendimento ficou com ela e Zé Filho teve que recomeçar do zero.
A NOVA FAZENDA
A propriedade onde a “fazenda de alevinos” foi recriada após a separação de Zé Filho é cercada por açudes, que mais parecem lagos de tão grandes. Em um deles, uma família de pirarucus é criada com esmero e, ao contrário dos alevinos, não estão à venda. Por lá, nos pedaços de terra firme, as galinhas marrons estão sempre ciscando pelo terreiro e as galinhas-d’angola enchem o lugar com seu canto de “tô fraco, tô fraco”.
Além da produção dos alevinos de peixe redondo, Zé Filho investiu na “ciência” da tilápia revertida. A técnica consiste em alimentar a espécie, logo após o nascimento, com ração enriquecida com hormônio masculino. A partir daí, em torno de 23 dias depois, todas as possíveis fêmeas se transformam em machos.
Ao nascer, as tilápias não possuem um sexo definido e a partir da transição, todas se tornam machos. De acordo com o piscicultor, os peixes do sexo masculino têm maior rentabilidade e ganham mais peso, mais “carne”, enquanto a fêmea se dedica à reprodução.
“Começamos essa produção em 2024 e estamos apostando muito nela, acreditamos que vai dar muito certo”, diz, confiante.
Além da propriedade em Itupiranga, Zé Filho e seus parceiros mantêm um laboratório no estado do Tocantins, onde realizam a produção de larvas. A partir daí, os alevinos são fornecidos para outros parceiros.
Além da tilápia, as fazendas do piscicultor, batizadas de Aquário e Triângulo, também produzem tambaqui, tambatinga, tambacu, pacu, curimatá e piabanha.
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O NEGÓCIO
Zé Filho possui ainda um ponto de revenda de alevinos localizado na Folha 28, núcleo Nova Marabá, em Marabá. Lá, a produção é vendida, inclusive, para pessoas comuns que desejam criar peixes de forma “caseira” em suas residências.
Para manter seu empreendimento funcionando, o piscicultor conta com a força de trabalho de pessoas que ele convida para fazer parte do projeto. No dia em que a reportagem do CORREIO esteve em sua propriedade, havia três parceiros no local.
“Eu e minha esposa trabalhamos da madrugada até a noite aqui, tem o meu cunhado também e outras pessoas que são parceiras”, detalha. Para ele, os trabalhadores se sentem donos da produção e recebem sua participação nos lucros sobre ela.
Ao ser provocado se não trocaria sua “fazenda de alevinos” por um rebanho de gado, ele explana que, apesar de arriscado, com o peixe é possível ganhar dinheiro mais rápido. Ele estima que por mês, chega a vender cerca de 400 a 500 mil alevinos. Em um ano, esse número chega à casa dos milhões. “E além da lucratividade vem o prazer de ter e fazer aquilo que você gosta”, declara, sorrindo.
Para além de prazeroso, o negócio abrange os diversos tipos de clientes. Desde aquele que procura Zé Filho para comprar 10 peixes, até aquele que busca 50 mil unidades. O criador pondera que os perfis vão desde aquele que está em busca de um hobby, até quem quer criar para ganhar dinheiro e prover a família.
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REPOVOAMENTO DOS RIOS
Nos últimos 30 anos, estima-se que cerca de 80% das espécies de peixe desapareceram dos rios de Marabá e região. A construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí é apontada como um dos motivos.
Eventualmente, surgem discussões sobre projetos de repovoamento de rios como o Tocantins, e Zé Filho revela que já participou de conversas infrutíferas sobre o assunto. “Foram reuniões provocadas por políticos e que acabaram ficando somente na discussão”, lamenta.
Sem especificar qual, ele revela que já fez proposta de parceria para um município, sobre projeto de repovoamento, mas não teve sucesso.
“Essa é uma questão muito importante, se formos ver, existem espécies hoje que estão praticamente extintas e nós como produtores de alevinos temos facilidade para produzi-los”, pontua.
Ao refletir sobre o tema, Zé Filho observa que seria possível manter alevinos protegidos nos tanques até que tivessem tamanho suficiente para se defenderem e serem soltos nos rios e reforça que propostas já foram feitas, mas até agora a discussão não avançou.
O PARCEIRO DE NEGÓCIOS
Durante a conversa, Zé Filho faz questão de destacar a atuação de uma pessoa, Adão Lima da Silva, seu cunhado, de quem ele é vizinho de terra e com quem divide o trabalho com os alevinos.
“Pra mim, mexer com esse ramo de peixes está sendo um sucesso”, define Adão, que também é piscicultor.
Os desafios presentes no trabalho não passam despercebidos a ele, que logo indica que a parte mais delicada é fazer a reversão da tilápia. O homem explica que é preciso muita atenção para que tudo ocorra bem com o processo.
“É preciso muito cuidado e cautela. Meu telefone desperta de hora em hora para poder colocar comida para os peixes”, diz, sorrindo.
A MULHER E OS PEIXES
Antes de ser piscicultor, Zé Filho trabalhou com agricultura. Durante a conversa com a reportagem, ele relembra que ao longo de sua história enveredou em atividades diversas, até achar algo satisfatório e lucrativo, então se encontrou na piscicultura.
Nascido na cidade de Filadélfia, no Tocantins, se apaixonou pelo estado do Pará, principalmente Marabá e foi aqui que ele conheceu outra paixão, Eva Lima da Silva, sua atual esposa.
A beleza e feminilidade de Eva passeiam junto com ela pelos tanques de alevino espalhados pela propriedade. Por suas mãos os pequenos animais são alimentados, embalados e vendidos. Sua presença não é apenas a da mulher do “dono das terras”, mas daquela que, ao lado do companheiro, faz o negócio prosperar.
“No começo, eu achava ruim esse dia a dia de trabalhar com os peixes, mas acabei acostumando e agora eu gosto”, declara.
O laço da parceria é forte e pode ser visto nos pequenos detalhes do dia a dia do casal empreendedor. Se um dirige pelas estradas do Pará, Tocantins e Maranhão, o outro descansa. Se tem entrega para fazer, eles vão juntos. Se um adoece, o outro está lá para apoiar.
Uma história que pode ser resumida em poucas palavras: o homem, a mulher e os peixes.
(Luciana Araújo e Ulisses Pompeu)