“Você é gentil. Você é inteligente. Você é importante.” A frase com função de mantra é do filme Histórias Cruzadas, mas, se você é negra, sabe muito bem que poderia ser dos seus pais. Lá em casa, os meus insistiam em dizer que eu precisava ser a melhor em tudo, do comportamento no colégio ao desempenho nas aulas de inglês, natação e balé. Mas não se engane: aquele conselho carinhoso passava longe de ser um incentivo para gerar competição com os meus colegas, e sim uma forma de me fazer entender, mais adiante, que a minha pele preta não me permite errar.
Carregar esse peso desde pequena não é fácil. Cansa psicológicamente e nunca acaba. Explico. Se você se destaca no trabalho ou frequenta lugares legais, tem que continuar provando por que merece estar ali. Haja repetição do mantra. A nossa vida é resistir para existir e isso não é mimimi. Não mesmo.
A força é minha companheira do começo ao fim do dia, mas a culpa bate quando, exausta, vem a vontade de chorar na cama. “Mas ué, eu não era forte? Engole esse choro.” E por que eu choro? Por causa de pequenas ações no dia a dia que reforçam o preconceito em tempos de empoderamento. Você se diz desconstruidx, mas questiona (ainda que em silêncio) toda vez que vê que um negrx almoçou no restaurante da moda ou comprou o carro do ano, como se esse acesso não nos pertencesse. Pois nos pertence também, como tudo, aliás.
Leia mais:Pesquisas do Instituto Nacional do Negro afirmam que 97% dos brasileiros acreditam que o racismo existe, mas só 3% se diz racista. Há algo contraditório nessa conta, não? Para ilustrar, selecionamos 4 coisas que parecem inofensivas mas, na verdade, são atitudes racistas. Para ler, refletir e mudar…
Confira:
1. “EU TAMBÉM SOFRO PRECONCEITO”
Quando uma pessoa negra está contando uma situação de racismo e você, branco, diz algo como “nada comparado a isso, mas outro dia eu passei por uma coisa que me deixou muito chateada também”, você está, do alto do seu privilégio, diminuindo a dor e o constrangimento que aquela história causou. Lugar de fala, sabe? Com o tempo, por falta de compreensão e ouvidos, nós deixamos de falar sobre nossas lutas. E, bom, você sabe de todas as doenças psicológicas que uma voz calada pode acarretar…
2. “MAS E O DIA DA CONSCIÊNCIA BRANCA?”
Questionar o Dia da Consciência Negra não te torna uma pessoa defensora dos direitos iguais. Pelo contrário. Se você tem esse tipo de dúvida, significa que você definitivamente não entendeu nada sobre dar suporte às minorias. “Mas Lu, 54% da população brasileira é negra”. Pois é, mas o negro foi escravizado desde que o mundo é mundo e continua sendo visto nesse lugar de serviçal. Por isso a importância dessa data.
3. “ELA FOI PROMOVIDA POR QUE A EMPRESA PRECISA DE DIVERSIDADE”
Falando em serviçal… Na cabeça de muita gente, o negro está aqui para servir. Pois não está. Por isso, incomoda quando ocupa uma posição de destaque, seja pela sua aparência impecável ou por sua competência no ambiente de trabalho. Atribuir essa relevância ao momento atual de diversidade nas empresas, só por que não é você, é racista e diz muito sobre não saber lidar com as suas próprias deficiências. Todo mundo pode brilhar correndo atrás dos seus objetivos, tá?
4. “A MINHA MELHOR AMIGA É NEGRA”
Vale também para “convivo com negros” e “tenho colegas negros”. E daí? Se você precisa justificar, parece que o racismo está bem aí dentro. Ter uma amiga negra não exclui o fato de você achar que o negro é inferior e que você, heroína branca, está dando uma oportunidade dela ter um convívio social.