Manchas esbranquiçadas surgem na pele de forma silenciosa, mas carregam um impacto que vai muito além da aparência. Assim se manifesta o vitiligo, uma condição autoimune e crônica que atinge entre 0,5% e 2% da população mundial, provocando a despigmentação progressiva da pele em diferentes partes do corpo. Apesar de não ser contagiosa, a doença ainda é cercada por desinformação, estigmas sociais e preconceito, o que torna o Dia Nacional do Vitiligo (25.06) uma data fundamental para ampliar a consciência e promover empatia.
O vitiligo pode afetar pessoas de todas as etnias, idades e gêneros, e acontece quando o sistema imunológico ataca as células produtoras de melanina – os melanócitos –, responsáveis por dar cor à pele, aos cabelos e aos olhos. Além das implicações dermatológicas, os efeitos emocionais e psicológicos também exigem atenção, reforçando a importância de uma abordagem integrada, que combine cuidados médicos e acolhimento.
Para esclarecer as dúvidas, desmistificar mitos e reforçar os cuidados disponíveis, conversamos com a dermatologista Thaísa Modesto, especialista clínica e estética, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Leia mais:O que é o vitiligo e como ele se manifesta?
O vitiligo é uma doença de origem autoimune e de caráter crônico, que se manifesta pela perda progressiva de pigmentação da pele. “Isso acontece devido à destruição dos melanócitos, que são as células responsáveis pela produção de melanina, o pigmento que dá cor à pele, aos cabelos e aos olhos”, explica a dermatologista Thaísa Modesto.
Clinicamente, o vitiligo aparece como manchas brancas ou muito claras, com contornos bem definidos, podendo ter bordas mais difusas em fases de atividade da doença. Segundo a especialista, as regiões mais afetadas são aquelas expostas ao sol ou que sofrem atrito frequente, como o rosto, as mãos, os pés, cotovelos e joelhos. Além da pele, a doença pode atingir os pelos – causando o branqueamento dos fios –, mucosas e, em casos mais raros, até estruturas oculares como a retina. “Embora as manchas não causem sintomas físicos como dor ou coceira, elas tornam a pele mais vulnerável aos efeitos da radiação ultravioleta, exigindo cuidados rigorosos com a fotoproteção”, complementa Thaísa.
Quais são os tipos de vitiligo?
Existem alguns tipos de vitiligo, mas aqui estão os mais comuns, de acordo com a dermatologista:
Vitiligo não segmentar (ou generalizado): o mais comum, caracterizado por manchas distribuídas de forma simétrica em várias partes do corpo, com tendência à evolução e aparecimento de novas lesões ao longo do tempo. “Ele responde melhor a tratamentos clínicos, como fototerapia e medicamentos tópicos ou orais”, explica;
Vitiligo segmentar: se manifesta de forma unilateral, restrito a um lado do corpo e seguindo um padrão relacionado aos nervos da pele (dermátomos). De acordo com Thaísa, ele tende a surgir mais precocemente, progredir rapidamente e depois estabilizar. Por conta dessas características, muitas vezes os tratamentos cirúrgicos, como o transplante de melanócitos, são mais indicados para esses casos quando a doença está estabilizada.
Existem ainda formas menos comuns, como o vitiligo acrofacial (que atinge extremidades e face) e o universal, que há perda de pigmento em mais de 80% da superfície corporal.
O que causa o vitiligo?
“O vitiligo é uma condição multifatorial. A teoria mais aceita é a autoimune, onde o próprio sistema imunológico ataca e destrói os melanócitos”, aponta a dermatologista. Porém, fatores genéticos também têm um peso importante, cerca de 20 a 30% dos pacientes têm histórico familiar da doença. Além disso, de acordo com a expert, sabe-se que há uma associação com outras doenças autoimunes, como tireoidite de Hashimoto, diabetes tipo 1 e alopecia areata.
O estresse emocional é reconhecido como um gatilho comum para o início ou agravamento do quadro, especialmente em pessoas geneticamente predispostas. Fatores como trauma dístico na pele, como o fenômeno de Koebner, e desequilíbrios oxidativos celulares também estão implicados na fisiopatologia da doença.
Quais são os primeiros sinais?
O principal indício é o surgimento de manchas brancas bem delimitadas, com pouca ou nenhuma pigmentação. “Essas lesões costumam se destacar principalmente em peles mais morenas ou negras, ou após a exposição solar, quando a pele ao redor se bronzeia e as manchas permanecem claras”, aponta Modesto. As áreas mais comuns de início são o rosto – especialmente ao redor dos olhos e da boca –, mãos, pés, joelhos e cotovelos. As regiões genitais e áreas de atrito também podem ser afetadas.
“Um sinal de alerta importante é a leucotriquia precoce, que é o embranquecimento dos pelos dentro da mcnha, o que pode indicar uma forma mais resistente ao tratamento. Quanto mais precoce o diagnóstico, maior a chance de estabilizar a doença e estimular a repigmentação”, alerta ela.
Como o diagnóstico é feito?
O diagnóstico é, na maioria das vezes, clínico, baseado na observação das características típicas das lesões durante a consulta dermatológica. Segundo Thaísa, a luz de Wood – uma lâmpada que emite radiação ultravioleta – é frequentemente utilizada para evidenciar a extensão das áreas despigmentadas, inclusive aquelas ainda não visíveis a olho nu. A dermatoscopia pode ser um recurso adicional, permitindo uma visualização amplificada das características da pele e dos pelos nas lesões.
Além disso, a biópsia de pele é reservada para casos duvidosos, quando há necessidade de diferenciar o vitiligo de outras condições que causam manchas brancas. E os exames laboratoriais não são diagnósticos para vitiligo, mas muitas vezes são solicitados para investigar as possíveis doenças autoimunes associadas, principalmente a função tireoidiana.
Quais são os tratamentos disponíveis no Brasil?
O tratamento é sempre individualizado e leva em consideração o tipo de vitiligo, a extensão das lesões, o tempo de evolução e a resposta anterior do paciente. Entre as principais opções disponíveis no Brasil estão:
- Corticosteroides tópicos e inibidores de calcineurina (como tacrolimus e pimecrolimus): usados principalmente para lesões localizadas e em áreas sensíveis, como face e pescoço;
- Fototerapia com UVB de banda estreita (UVBnb): considerada uma das modalidades mais eficazes para estimular a repigmentação em casos mais extensos ou resistentes;
- Corticosteróides orais em pulsoterapia: indicados em casos de rápida progressão, sempre com acompanhamento médico rigoroso;
- Inibidores da via JAK (como o ruxolitinib tópico): uma inovação recente com bons resultados, principalmente em lesões faciais;
- Tratamentos cirúrgicos (como enxertia de melanócitos): reservados para casos estáveis e refratários aos tratamentos clínicos;
- Suporte psicológico: fundamental em muitos casos, dada a carga emocional que a doença pode gerar;
- O uso de protetor solar diário e, quando desejado, camuflagem cosmética também fazem parte do cuidado global.
Qual o papel da fototerapia?
A fototerapia atua de duas formas:
- Imunomodulação local: reduz a resposta autoimune que ataca os melanócitos;
- Estimulação da repigmentação: promove a ativação e migração dos melanócitos remanescentes, principalmente os presentes nos folículos pilosos, para as áreas despigmentadas.
“O tratamento é realizado em sessões regulares, geralmente de 2 a 3 vezes por semana, e os resultados aparecem gradualmente, sendo mais evidentes nas áreas do rosto e tronco”, aponta a dermatologista.
O estresse realmente agrava a doença?
“Sim, há evidências científicas de que o estresse, tanto físico quanto emocional, pode atuar como um gatilho ou fator de piora do vitiligo”, diz Thaísa. O estresse pode desregular o sistema imunológico, aumentar a liberação de mediadores inflamatórios e contribuir para o chamado fenômeno de Koebner, que é o surgimento de novas lesões em áreas de trauma ou agressão cutânea. Além disso, o impacto emocional da própria doença pode criar um ciclo de estresse contínuo, dificultando o controle do quadro. Por isso, afirma Thaísa, o manejo emocional e, quando necessário, o suporte psicológico, fazem parte do tratamento.
Quais são os mitos mais comuns?
A dermatologista lista os principais:
- “Vitiligo é contagioso”: falso. Não há nenhum risco de transmissão;
- “Não tem tratamento”: falso. Existem várias opções disponíveis e eficazes;
- “Quem tem vitiligo não pode tomar sol”: parcialmente verdadeiro. A exposição deve ser controlada e com orientação médica;
- “É só uma questão estética”: falso. A condição pode afetar profundamente a autoestima e a saúde mental;
- “Sempre leva a outras doenças autoimunes”: falso. Há maior risco, mas isso não é uma regra.
(Fonte:G1/ Maria Mesquita- Glamour)