Morando em Parauapebas há 17 anos, para onde se mudou quando deixou a capital do Maranhão, São Luís, Marcos Alister, de 30 anos, começou a enfrentar há cerca de três anos uma batalha que descobriu ser maior que imaginava. Transexual, sabia que poderia requerer o Processo Transexualizador gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e chegar à cirurgia de redesignação sexual, também conhecida como transgenitalização. Desconhecia, entretanto, que os próprios agentes públicos de Saúde sequer imaginavam como orientá-lo para ter acesso ao direito.
Nesta quarta-feira, 29 de janeiro, é lembrado o Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis, criado em 2004. Em Parauapebas, se Marcos Alister não tivesse dado um pontapé inicial para fazer valer os direitos da comunidade, além de ter passado a acompanhar outros casos, muitas pessoas seguiriam invisíveis aos olhos da sociedade.
Pouco mais de dois anos atrás criou a Frente de Apoio e Inclusão aos Trangêneros e Travestis (FAIT) que em pouco tempo alcançou resultados que mudaram a vida de dezenas de pessoas. “A FAIT veio para trazer para as pessoas respostas que eu tive dificuldade de encontrar sobre o acesso ao tratamento feito pelo SUS, que hoje na nossa cidade ocorre por meio do Tratamento Fora de Domicílio (TFD). O acompanhamento hormonal nos ambulatórios só é oferecido nas capitais, ou seja, aqui no Pará é em Belém”, explica.
Leia mais:Por meio do TFD, os usuários têm acesso às passagens para chegar à URE Dipe, onde é feito o processo, além de ajuda de custo. O serviço é prestado à população geral e para diferentes tratamentos de saúde, mas conforme Marcos só agora passou a abranger também as pessoas trans. “Elas vão a Belém e fazem tratamento com endocrinologista, psicólogo, fonoaudiólogo, urologista e ginecologista”, destaca.
Atualmente, a FAIT tem 50 membros e 20 deles estão indo mensalmente a Belém fazer o acompanhamento. Segundo Marcos, esse grupo, que o inclui, deverá ser transferido em breve ao Hospital Jean Bitar onde passará pelas cirurgias. “Vamos ter em Parauapebas homens e mulheres trans operados pelo SUS e eu creio que se tudo der certo na parada LGBTQI de 2020 teremos trans operados no palco”, comemora.
Para ele, é empoderador para a comunidade este acesso às políticas públicas. “É uma saída para trans e travestis de Parauapebas não dependerem mais de favor de ninguém, a gente faz uma inclusão de pessoas para usarem as políticas públicas já direcionadas ao grande público, como cis héteros. A gente simplesmente fez com que as pessoas trans e travestis também tivessem conhecimento sobre os meios de alcançar os mesmos direitos”, afirma.
Isso engloba o direito à cidadania, uma vez que já ocorre em Parauapebas a retificação no registro civil e emissão de documentos com o nome social. “Hoje a FAIT faz parte do coletivo unificado que toma as decisões não apenas da Parada GLBTQI, mas também da maravilha desenvolvida na nossa cidade e que está sendo feita também em outras cidades que é a semana de visibilidade. Nela tem testagem, aconselhamento, psicólogo, tem a emissão de documentos e toda a parte de cidadania. Estamos agregados aos outros grupos de Parauapebas com a tomada de cidadania para estas pessoas, não apenas gays e cis normativas, mas também trans e travestis”.
A longa jornada de Marcos pelo acesso ao tratamento
“Quando comecei a minha transição em Parauapebas procurei nos postinhos, procurei ajuda, e ninguém sabia como fazer, para onde me mandar e nem como me direcionar. A endocrinologista nem tinha licenciamento para fazer minha transição, nem para dar receitas dos hormônios que eu deveria tomar e nem para encaminhar para o apoio psicológico que eu deveria ter”, relembra Marcos ao relatar como a experiência pessoal o levou a fundar a frente.
Cheio de dúvidas, procurou a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Redetrans) e por meio da entidade passou a ser informado como sugerir à saúde pública municipal a forma ideal de lidar com o caso. “Comecei junto da Secretaria de Saúde de Parauapebas, nos direcionaram primeiramente ao Hospital Jean Bitar, que não era o correto, aí achamos a URE Dipe”. Ao descobrir o caminho, decidiu dividir as informações com outros trans.
“A FAIT pra mim foi justamente isso, me colocar no lugar da dor do próximo. Eu me senti muito deslocado, isolado, ao procurar esse serviço e não achar ninguém que tivesse acesso a essas informações. Elas não estavam à disposição do público e mesmo servidores da área da Saúde não tinham as respostas, nem era falta de boa vontade, era falta de conhecimento”, conclui.
Fundada em 2018, a FAIT não ajudou pessoas apenas no local onde surgiu, uma vez que Marcos começou a dividir informações com pessoas trans também de outros municípios da região, sendo convidado a se reunir com a comunidade em Marabá, Canaã dos Carajás, Ourilândia do Norte, Rondon do Pará e Itupiranga, por exemplo. Ele assume que Parauapebas é a pioneira no acesso das pessoas trans ao TFD na região sudeste do Pará.
Apesar dos avanços sociais, pessoas trans ainda sofrem com desemprego
Antes do acesso ao Processo Transexualizador gratuito, a primeira ação efetiva da entidade foi conquistar a emissão do Registro de Identidade Social (RIS), em 2018, por meio do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC). Até então, a comunidade tinha acesso ao documento apenas em Marabá, distante 155 quilômetros. Em seguida, também passou a ser emitido o título de eleitor com nome social. Com a recente inauguração da Estação Cidadania, Marcos acredita que estes atendimentos serão ainda mais efetivos e de maior alcance.
No último ano, em 2019, Marcos comemora ter conseguido acesso a importantes espaços sociais. “Tivemos grande vitória porque na semana da diversidade foi dada palestra para os servidores públicos, na Câmara Municipal”, diz, informando que o público era formado por agentes ligados aos órgãos de segurança e trânsito. “Foi sobre a abordagem e trato com pessoas trans, assunto que era muito necessário e isso trouxe avanços, já percebemos grande mudança após essa palestra”, garante. Escolas também receberam a FAIT.
Em contraponto, o responsável pela FAIT destaca um ponto que é uma grande pedra nos sapatos de homens e mulheres transexuais e travestis: o desemprego. “Uma das dificuldades que ainda permanece em Parauapebas é a questão de emprego, principalmente para travestis e meninas trans, pela questão de os cargos serem ditos como masculinos ou femininos e elas terem documentos dizendo uma coisa e a aparência outra”, afirma.
Conforme ele, há preconceito na hora da contratação. “Nem todas as pessoas trans alcançam um nível de transição imperceptível, nem toda pessoa trans é ‘passável’, como as pessoas dizem, ou seja, chegam àquele ponto de não ser reconhecida como pessoa trans, como os casos de rapazes que ainda têm trejeitos femininos ou meninas que na transição ainda têm trejeitos masculinos, como marca de barba, voz grossa… infelizmente é muito marginalizado”, divide.
Ele cita a própria história como exemplo, destacando que o problema era maior antes de ter os documentos retificados. “Em 2018 ainda os meus documentos não eram retificados. Me chamavam para entrevistas e deveria ficar alojado, mas não tinha como ficar porque nos documentos era uma menina e aparentemente era menino, não podiam me colocar no alojamento feminino por causa da aparência e não podiam me colocar no alojamento masculino por causa do nome. Ainda existe essa marginalização”, assegura.
O próximo pleito da frente neste ano é dialogar com a Prefeitura Municipal para que haja uma política pública de cotas voltada a certas áreas no Sistema Nacional de Emprego (Sine) e que esta indique certa quantidade de pessoas trans para irem às entrevistas. “Para ver se elas passam a ter acesso ao mercado formal, pra não ter a marginalização de terem que trabalhar sem registro ou terem que decair para prostituição”, encerra. (Luciana Marschall)