Correio de Carajás

Vídeo de Eduardo Paes em festa sem máscara é antigo e não foi gravado no Complexo da Maré

Enganoso
É enganoso um vídeo que mostra o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), sem máscara em uma festa de rua, supostamente feita no Complexo da Maré. A publicação, feita em 8 de fevereiro de 2022, sugere que as imagens são atuais, em meio às restrições impostas na cidade para conter a pandemia, mas o vídeo circula na internet ao menos desde julho de 2020, antes de Paes ser eleito. O prefeito diz que a festa ocorreu, na verdade, no bairro de Magalhães Bastos, em meados de 2019. O Comprova conseguiu confirmar o local do evento, mas não a data.
  • Conteúdo verificado: Vídeo que mostra Eduardo Paes dançando na rua, enquanto pessoas festejam, foi publicado no Twitter acompanhado de um texto afirmando que o prefeito estava sem máscara, no Complexo da Maré, na “farra” com “passe livre” dado pelo tráfico de drogas.

É enganoso um vídeo que viralizou no Twitter supostamente mostrando o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, festejando sem máscara no meio da rua no Complexo da Maré após ser autorizado pelo tráfico de drogas a estar na comemoração. A postagem sugere que o vídeo é atual e que o prefeito estaria descumprindo regras sanitárias impostas pelo próprio município. O Comprova descobriu, porém, que a gravação circula na internet desde julho de 2020, em um canal do YouTube que o associa a uma festa junina em uma “favela”, sem especificar o local exato. Paes só seria eleito prefeito em novembro daquele ano.

Após a viralização do conteúdo verificado aqui, o político disse no Twitter que as imagens mostram uma festa junina no bairro de Magalhães Bastos, que fica a mais de 24 quilômetros da Maré. Em contato com o Comprova, o prefeito disse que a gravação é de meados de 2019, antes da pandemia, e ocorreu na rua Arquimedes. A reportagem conseguiu confirmar que o local é o mesmo que aparece na gravação através de imagens do Google Street View de julho de 2019.

Um sinal de que o vídeo não é recente é que, no áudio, entre 14 e 17 segundos, é possível ouvir uma mulher pedindo a Eduardo Paes para “voltar para a prefeitura”, o que aponta que ele foi filmado entre 2017 e 2020, período entre os mandatos do prefeito, que já havia ocupado o mesmo cargo entre 2009 e 2016.

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A reportagem procurou a conta que replicou o vídeo recentemente, mas não teve retorno até o fechamento desta verificação. O Comprova também entrou em contato com o administrador da conta do YouTube onde o vídeo foi postado em julho de 2020, mas ele disse que não sabia quando as imagens foram gravadas.

A postagem foi considerada enganosa porque o vídeo que associaria o prefeito a uma festa em plena pandemia foi retirado do seu contexto original e utilizado em outro de modo a alterar o seu significado.

Como verificamos?

Primeiro, assistimos ao vídeo em busca de informações que pudessem indicar onde e quando ele foi gravado. Fizemos uma busca reversa de imagem com frames da gravação. Procuramos no Twitter por palavras-chaves como “Eduardo Paes” e “Maré” e identificamos outras versões do mesmo vídeo publicadas em novembro de 2020. Também encontramos um tuíte de 8 de fevereiro, mesma data em que o conteúdo verificado foi publicado, em que o próprio prefeito diz que o vídeo é antigo e retrata uma festa junina no bairro de Magalhães Bastos.

A partir daí, incluímos nas buscas também os termos “festas juninas” e “São João”, e achamos a mesma gravação no Youtube, com data de postagem de julho de 2020, versão mais antiga que conseguimos identificar desse conteúdo na rede. Comentando no vídeo publicado mais recentemente, pedimos o e-mail do administrador do canal. Através da troca de e-mails, ele disse não saber quando e onde a gravação foi realizada.

Procuramos a assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio por e-mail e por WhatsApp. No aplicativo, a gestão disse que não ia emitir nota por se tratar de “uma questão pessoal do prefeito que ele respondeu na conta pessoal dele”. Por causa disso, enviamos mensagem diretamente para o prefeito Eduardo Paes pelo WhatsApp, perguntando quando a festa teria ocorrido. Ele respondeu que as imagens são de “meados” de 2019 e que foram feitas na rua Arquimedes. Recorrendo a imagens de julho daquele ano no Google Street View, conseguimos confirmar que a via é a mesma que aparece na gravação.

Usamos o TweetDeck para tentar encontrar postagens desse evento no Twitter de Paes na época. Fizemos a busca ainda na página dele no Facebook. Não tivemos sucesso em nenhuma das pesquisas. Através do Google Maps, calculamos a distância entre o Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, e o bairro de Magalhães Bastos, na Zona Oeste. Por fim, buscamos reportagens sobre o contexto do tráfico em Magalhães Bastos e sobre as medidas tomadas pelo político na prefeitura do Rio para conter a disseminação do Sars-CoV-2.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de fevereiro de 2021.

Verificação

O vídeo em que Eduardo Paes aparece em uma festa na rua sem máscara é antigo, de antes do atual mandato dele na cidade. Fazendo uma busca por palavras-chave, o Comprova descobriu que o vídeo já circula há quase dois anos na Internet. Várias postagens com as imagens foram feitas no final de novembro de 2020, na semana do segundo turno das eleições cariocas. Todas associam a celebração ao Complexo da Maré e, assim como o conteúdo verificado agora, dizem que a festa teria sido autorizada pelo tráfico.

A gravação, porém, não é desta época, visto que ela já estava no YouTube desde julho de 2020, no canal “Cirão da Massa”, que dizia que Paes participava de uma festa de São João. Em e-mail enviado ao Comprova, o administrador da página diz que não sabe a data em que as imagens foram feitas porque ele as teria pego das redes sociais, mas afirmou que o vídeo é antigo.

No próprio conteúdo publicado, há uma indicação de que a gravação é antiga, já que entre 14 e 17 segundos é possível ouvir a voz de uma mulher afirmar: “Qual é Eduardo, volta pra prefeitura, por favor”. Outra voz, então, responde: “Não volta não”. A conversa indica que a festa ocorreu após o político deixar a Prefeitura do Rio pela primeira vez, em janeiro de 2017, e antes de ser eleito para retornar à gestão do município, em novembro de 2020. Naquele ano, Paes só lançou oficialmente sua candidatura à prefeitura em setembro, quando o vídeo já circulava na Internet.

Outro sinal de que o vídeo teria sido feito antes da pandemia é que, não apenas o político, mas nenhuma das pessoas que aparecem nas imagens utiliza máscaras.

Segundo afirmou o próprio prefeito no Twitter, as imagens foram gravadas durante uma festa junina no bairro de Magalhães Bastos, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e não no Complexo da Maré, na Zona Norte da mesma cidade. Em conversa com o Comprova por WhatsApp, o político disse que as imagens são de meados de 2019 e foram feitas na rua Arquimedes. Como a publicação mais antiga que a reportagem encontrou foi feita em julho de 2020 e o responsável pelo canal no YouTube não sabia onde a gravação foi realizada, não foi possível apontar com precisão a data da festa.

Com o nome da rua, nós fizemos uma busca no Google Street View por elementos que aparecem no vídeo, para tentar confirmar se a via era a mesma indicada pelo político. No ponto onde a gravação que viralizou começa, Paes está próximo a um poste com uma pintura, na frente de dois estabelecimentos com toldos de plástico. Os mesmos elementos podem ser vistos nas imagens do Google feitas na rua Arquimedes.

Por volta de seis segundos no vídeo, quando o político começa a andar pela rua, é possível ver uma lombada com uma pintura em forma de listra em frente ao poste; o que também conseguimos encontrar na rua Arquimedes.

No segundo 14 do vídeo, Paes está atravessando a rua e, ao fundo, há uma casa de primeiro andar com um ar condicionado e algumas marcas de pinturas na parede logo abaixo do equipamento. Encontramos o mesmo imóvel no Google Street View, em frente à lombada.

Por fim, a partir de 21 segundos no vídeo verificado, o político está diante de uma casa de esquina, com um portão azul, e o número indicado na parede tem um “7” e a letra “B”. Encontramos o mesmo local na rua Arquimedes.

Depois de julho de 2019, o Google Street View só tem imagens para a via a partir de agosto de 2021, portanto, não é possível usar a ferramenta para saber exatamente quando os imóveis perderam essas características da fachada, determinando a data da festa. Mas a comparação das imagens confirma que o evento ocorreu em Magalhães Bastos, bairro separado do Complexo da Maré por um trajeto de cerca de 24 quilômetros, segundo o Google Maps.

De acordo com o Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, há uma área do bairro de Magalhães Bastos, a favela de Curral das Éguas, que está sob o comando da facção Amigos dos Amigos. Mas a rua Arquimedes não fica dentro do perímetro apontado no mapa. O grupo tem perdido controle de áreas da cidade. O mapa é feito em parceria pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GEN) da Universidade Federal Fluminense (UFF); pelo datalab Fogo Cruzado; pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP); pela plataforma digital Pista News e pelo Disque-Denúncia.

Desde que voltou para a prefeitura, Eduardo Paes tem adotado medidas para contenção da covid-19 que o colocaram na mira de grupos negacionistas, como a adoção de medidas restritivas. Com o avanço da imunização contra a doença, a cidade também passou a exigir passaporte vacinal para que as pessoas tenham acesso a alguns serviços e estabelecimentos. O prefeito também tem criticado publicamente pais que não levam seus filhos para se vacinar contra o coronavírus. Decisões como estas já levaram um grupo a queimar uma foto de Paes junto com máscaras na cidade.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia, as políticas públicas do governo federal, e a eleição deste ano que tenham viralizado nas redes sociais. Quando esse conteúdo trata da covid-19, sua checagem é ainda mais necessária, uma vez que informações incorretas podem levar as pessoas a deixarem de seguir as recomendações das autoridades sanitárias e se exporem a riscos. É exatamente o que o tuíte verificado faz ao sugerir que o prefeito do Rio estava festejando sem máscara no meio da rua.

O post em questão teve 6,9 mil visualizações no Twitter e mais de mil interações na mesma rede social. Desde que voltou para a prefeitura, o político tomou decisões que o colocaram na mira de negacionistas, como a adoção de medidas restritivas, a exigência de passaporte de vacinação e a defesa da imunização de crianças.

Recentemente, o Comprova mostrou que a cena de uma reportagem em que homem finge estar morto é de ato pelo meio ambiente, sem relação com a pandemia; que um artigo contrário à adoção de lockdowns não foi feito pela Universidade Johns Hopkins; e que os médicos reafirmam que máscaras impedem a proliferação da covid-19 e não atrapalham a respiração. Além disso, o Comprova também explicou porque eventos adversos graves pós-vacinação contra a covid-19 são raros e os benefícios da imunização superam os riscos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Esta verificação foi feita por jornalistas que participam do Programa de Residência no Comprova.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.