Correio de Carajás

Vídeo de Bolsonaro criticando direitos trabalhistas é de 2019

Enganoso
É enganoso o vídeo publicado no TikTok com trechos de entrevista do presidente Jair Bolsonaro (PL) a uma emissora de TV no início do seu mandato presidencial, em janeiro de 2019, quando fala sobre direitos trabalhistas. Na ocasião, Bolsonaro afirmou que existem direitos demais no país, mas reconheceu que os benefícios para o trabalhador considerados cláusulas pétreas da Constituição Federal não podem ser excluídos da legislação. Bolsonaro também falou sobre a intenção de acabar com a Justiça do Trabalho, mas o projeto não foi adiante.
Conteúdo investigadoVídeo publicado no TikTok mostra trechos de uma entrevista do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao SBT e coloca a frase “Bolsonaro quer acabar com os direitos trabalhistas” sobre as imagens divulgadas. Na peça, os apresentadores de um telejornal da emissora apresentam trechos da fala de Bolsonaro à rede e dizem que o presidente “estuda acabar com a Justiça do Trabalho”. Em um dos trechos, o chefe do executivo declara que o Brasil é o “país dos direitos em excesso” e que “falta emprego”, argumentando que encargos trabalhistas atrapalham aquelas pessoas que querem empreender. Em outro momento do vídeo, lideranças de associações ligadas à Justiça do Trabalho rebatem a fala de Bolsonaro.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Uma postagem feita no TikTok reproduz trechos de entrevista antiga de Jair Bolsonaro para alegar que ele pretende acabar com direitos trabalhistas, caso seja reeleito. A entrevista em questão foi concedida ao SBT em 2019 e não há registros recentes de declarações do presidente para extinguir direitos previstos na Constituição Federal. A peça de desinformação foi postada no dia 6 de setembro deste ano, mas as declarações do presidente, reproduzidas na postagem, foram dadas aos jornalistas Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco no dia 3 de janeiro de 2019. Entre outros assuntos, na época, o presidente falou sobre reformas e emprego.

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Embora o presidente tenha, de fato, declarado nessa entrevista que há direitos trabalhistas demais no Brasil, ele reconheceu que não poderia alterar alguns desses benefícios, já que eles são cláusulas pétreas da Constituição, ou seja, não podem ser mexidos nem mesmo com emendas.

Por outro lado, Bolsonaro disse que seu governo pretendia avaliar a viabilidade de acabar com a Justiça do Trabalho, propondo que as causas trabalhistas passassem a ser analisadas pela Justiça comum. O projeto não foi adiante durante o seu mandato.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: No TikTok, a peça verificada alcançou mais de 697,7 mil visualizações, 8.542 curtidas, 1.068 comentários e 13,8 mil compartilhamentos até o dia 14 de setembro de 2022.

O que diz o autor da publicação: O TikTok não permite o envio de mensagens entre contas que não se seguem mutuamente. O Comprova buscou o perfil do autor da publicação em outras redes sociais, mas não encontrou correspondências até o fechamento desta verificação.

Como verificamos: A verificação começou com buscas no Google pelos termos “entrevista”, “Bolsonaro” e “SBT”. Os resultados apontaram para alguns momentos em que o chefe do Executivo conversou com jornalistas e personalidades da emissora ao longo dos seus quase quatro anos de mandato.

Um dos vídeos, presentes no canal do YouTube do SBT e datado de 2019, mostra Jair Bolsonaro com a mesma gravata em que aparece na postagem alvo da checagem e com o mesmo cenário de fundo. Assistindo à entrevista, é possível concluir que se trata do mesmo momento reproduzido no vídeo checado.

O Comprova também procurou, por e-mail, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) para questionar sobre a proposta de extinção da Justiça especializada nas questões trabalhistas e sobre ações adotadas pelo governo federal que tenham afetado o direito do trabalhador. Não houve retorno às solicitações.

A equipe de reportagem ainda fez contato com o gabinete da Presidência, que redirecionou os questionamentos apresentados ao Ministério do Trabalho. O órgão federal também não retornou o contato.

Fala de Bolsonaro ao SBT foi em 2019

A declaração do presidente Jair Bolsonaro utilizada em recortes do vídeo alvo da checagem é de janeiro de 2019, portanto, do início do mandato da atual gestão federal. A fala ocorreu durante uma entrevista ao SBT que foi ao ar no dia 3 de janeiro daquele ano (ver a partir de 9min e 6seg)A posse de Bolsonaro foi no dia 1º do mesmo mês. Na entrevista, o presidente conversou com os jornalistas Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco. Entre os assuntos comentados, ele falou sobre temas como a reforma da Previdência e questões envolvendo a Justiça do Trabalho.

Em um trecho da entrevista, Carlos Nascimento questiona Bolsonaro sobre a possibilidade de uma nova reforma trabalhista ser encaminhada pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes, e se as eventuais mudanças poderiam afetar os trabalhadores. A pergunta do jornalista teve como base uma declaração feita por Guedes à época: de que a gestão de Bolsonaro abandonaria a “legislação fascista” da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em referência à proposta de criação da Carteira Verde e Amarela.

O presidente respondeu que Guedes sabia que “os direitos trabalhistas são previstos no artigo 7º da Constituição e não podem ser mexidos por emenda, porque estão na tal das cláusulas pétreas” e que o que o ministro pretendia fazer era “facilitar a vida de quem produz no Brasil”.

Bolsonaro extinguiu Ministério do Trabalho, mas voltou atrás

No primeiro dia de seu governo, Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho. À época, com 88 anos de atuação no País, a pasta foi incorporada pelo Ministério da Economia. A medida já vinha sendo anunciada por Bolsonaro meses antes de assumir a Presidência. Em novembro de 2018, o atual presidente informou que a pasta do Trabalho seria incorporada “a algum ministério”, sem dar mais detalhes. A declaração gerou manifestações de servidores contrários à extinção.

Pouco mais de dois anos depois, em julho de 2021, Bolsonaro editou uma Medida Provisória que recriou a pasta, agora como Ministério do Trabalho e Previdência. Na ocasião, o deputado federal Onyx Lorenzoni (PL-RS) foi nomeado para o cargo de ministro. Segundo o texto que recriou o ministério, a pasta ficaria responsável por áreas como: Previdência, Previdência complementar, política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador, política e diretrizes para a modernização das relações de trabalho, fiscalização do trabalho, política salarial, intermediação de mão de obra, formação e desenvolvimento profissional, segurança e saúde no trabalho, regulação profissional e registro sindical.

A alteração fez parte de uma minirreforma ministerial feita por Bolsonaro na época. Antes, Lorenzoni estava no comando da Secretaria-Geral da Presidência da República. Quando ele foi para o Ministério do Trabalho, a vaga foi ocupada por Luiz Eduardo Ramos. Já Ramos estava à frente da Casa Civil, cargo que passou para Ciro Nogueira, presidente nacional do PP e um dos integrantes do centrão. Bolsonaro convidou Nogueira para comandar a pasta com o objetivo de conseguir apoio no Congresso na época.

Sobre a recriação da pasta, a reportagem questionou o governo sobre os motivos de ter recriado o Ministério do Trabalho cerca de dois anos após extingui-lo e se havia alguma intenção de eliminar a Justiça do Trabalho. Não houve retorno.

Carteira Verde e Amarela

O projeto da Carteira Verde e Amarela foi uma das principais apostas do governo Bolsonaro referentes ao setor trabalhista durante o seu mandato. Nos últimos anos, houve múltiplas tentativas de implementá-lo, mas sem sucesso. Ainda em 2019, o presidente editou uma Medida Provisória (MP 905/2019) que criava o programa.

A ideia era reduzir impostos das empresas para estimular contratações de jovens, que poderia ser viabilizada pela alteração de algumas regras previstas pela CLT. A MP chegou a ser aprovada na Câmara, mas não foi votada no Senado e acabou sendo revogada pelo próprio chefe do executivo.

Em 2021, a Medida Provisória 1.045/2021 foi apresentada para a criação de um novo programa de redução ou suspensão de salários e jornada de trabalho durante a pandemia de covid-19. No entanto, o texto sofreu diversas alterações na Câmara dos Deputados e passou a instituir três novos programas de geração de emprego e qualificação, além de alterar a CLT e outros dispositivos. Com isso, a MP passou a ser chamada de “minirreforma trabalhista”Ao chegar no Senado, o texto foi majoritariamente rejeitado.

Reportagem do jornal Estado de S.Paulo, publicada em agosto deste ano, mostrou que o ministro Paulo Guedes já demonstrou interesse em que a proposta da Carteira Verde e Amarela seja retomada num eventual novo mandato de Bolsonaro.

O que diz o governo

O Comprova questionou o governo, via Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), sobre a alegação do vídeo checado e solicitou um posicionamento sobre as medidas adotadas para assegurar os direitos dos trabalhadores. Posteriormente, a Secom informou que a demanda seria reencaminhada para o Ministério do Trabalho e Previdência. Não houve retorno do governo após o encaminhamento feito pela secretaria.

Na página 15 do documento do Plano de Governo de Jair Bolsonaro de 2022, no entanto, localizado na plataforma DivulgaCand Contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a reportagem encontrou informações sobre os posicionamentos e pretensões do presidente quanto aos direitos trabalhistas caso seja reeleito. No programa, o chefe do executivo afirma que: “a geração de emprego e renda deve preservar aspectos básicos do trabalhador, como saúde do trabalho, seus direitos trabalhistas, respeito à dignidade humana e levar ao bem-estar social”.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A postagem faz referência a Jair Bolsonaro, candidato à reeleição em 2022. A desinformação no período eleitoral é danosa ao processo democrático porque retira das pessoas o direito de fazer suas escolhas baseadas em conteúdos verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: A menos de um mês do primeiro turno, as eleições são tema preferencial de conteúdos de desinformação. O Comprova já demonstrou que é enganoso que recursos do Pis/Pasep vão financiar benefícios a caminhoneiros, que o preço da carne está associado a um complô com o PT, que a Justiça rejeitou candidatura de Lula em 2022 e que Simone Tebet iria retirar dinheiro dos pobres.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 41 diferentes veículos de comunicação brasileiros para investigar conteúdos enganosos, inventados e deliberadamente falsos sobre políticas públicas, eleições e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.