Uma pesquisa realizada na Alemanha demonstrou que vídeos curtos verticais, no estilo dos que aparecem no TikTok e no Instagram, são menos eficientes do que a leitura de um texto de duração semelhante para aprender sobre um assunto.
Além disso, o estudo mostrou que assistir a vídeos curtos está associado a uma tendência de processar informações de forma mais superficial.
O trabalho tinha o objetivo de avaliar se as universidades deveriam usar vídeos curtos como uma forma complementar de ensino, visando ampliar o engajamento e a motivação dos alunos.
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A conclusão foi de que era melhor não investir isso – pois poderia acabar estimulando uma forma de raciocinar contrária ao aprendizado profundo almejado pelo ensino superior.
Pensar mais rápido não é sempre melhor
Os vídeos curtos que dominam as redes sociais em geral são caracterizados por um conteúdo efêmero que busca engajar o usuário, oferecendo uma gratificação instantânea e fácil de ser conquistada, aponta o pesquisador Thorsten Otto, do Instituto de Psicologia da Educação da Universidade Técnica de Braunschweig, autor do estudo, publicado em 21 de abril na revista científica Computers & Education.
Ao consumirem esses vídeos, os usuários satisfazem necessidades por informação, entretenimento, conexão social ou regulação emocional sem a necessidade de muito esforço cognitivo. Em troca, o cérebro premia o comportamento com a liberação de dopamina.
No entanto, esse jeito de se informar – ou de aprender – vai na contramão de como nosso cérebro funciona para desenvolver os raciocínios complexos que caracterizam uma aprendizagem profunda.
Uma teoria bem estabelecida considera que o cérebro humano usa dois sistemas distintos para pensar. O “sistema 1” é rápido e intuitivo, inconsciente e influenciado por emoções, e por isso mesmo mais sujeito a vieses cognitivos e erros. Já o “sistema 2” é mais lento e demanda esforço, mas é mais analítico e tem mais valor para a performance acadêmica e profissional.
Estudos anteriores já haviam indicado que pessoas que são muito multitarefas e que usam mídias principalmente para gratificação instantânea, assim como usuários do YouTube, estão associados a um maior uso do “sistema 1” e ao definhamento do “sistema 2”. No entanto, segundo Otto, nenhuma pesquisa havia medido de forma empírica a relação entre vídeos curtos e a aprendizagem.
Como a pesquisa foi feita
O autor do estudo criou uma sequência de três minutos de vídeos curtos variados, obtidos do TikTok, de forma a refletir um feed normal da rede social, com danças, comédia, experiências em primeira pessoa e propagandas. A transição entre os vídeos também era apresentada como um gesto de deslizar, tal qual na realidade.
Para medir o impacto na aprendizagem, ele utilizou dois vídeos curtos retirados de um perfil no TikTok que se propõe a ensinar aspectos do aprendizado do idioma alemão. Um deles discutia como as pessoas criam diferentes imagens em sua cabeça quando ouvem uma mesma palavra (como “carro”), e o outro explicava o uso correto das duas formas de plural para a palavra “palavra” em alemão – Worte e Wörter.
Os dois vídeos curtos tinham uma duração total de 96 segundos. Eles foram também transcritos para um texto, que somava 256 palavras no total e desaparecia da tela após 90 segundos.
A pesquisa recrutou 123 voluntários para o experimento, e os separou em quatro grupos. O primeiro grupo assistiu aos vídeos variados e aos dois vídeos educativos; o segundo grupo assistiu aos vídeos variados e leu o texto educativo; o terceiro grupo apenas assistiu aos vídeos educativos; e o quarto grupo apenas leu o texto educativo.
Em seguida, todos os participantes responderam a perguntas sobre os dois temas educativos e classificaram sua experiência. Eles também responderam a questionários para medir sua capacidade de realizar aprendizagem profunda, sua predisposição a desenvolver raciocínios superficiais e sua disposição para trocar uma gratificação imediata por uma conquista acadêmica mais distante no tempo.
Quais foram os resultados
Assistir à sequência de vídeos variados não teve um impacto significativo na assimilação do conteúdo educativo mostrado na sequência. Mas os grupos que assistiram à sequência de vídeos variados tiveram em seguida uma maior propensão a desenvolver raciocínios superficiais.
A conclusão mais importante, no entanto, foi que as pessoas que haviam assistido aos vídeos educativos tiveram uma pontuação significativamente menor na assimilação do conteúdo do que os que haviam lido os textos educativos.
Ao discutir os resultados, Otto avaliou que o “conteúdo atrativo, efêmero e superficial dos vídeos curtos influencia o estado interno por meio da liberação de dopamina, evocando um comportamento passivo e estimulando uma dependência do sistema 1 de pensamento”.
Outra explicação adicional, segundo ele, é que os vídeos curtos, ao tentarem transmitir conteúdos de forma acelerada com muitos recursos gráficos visuais e sonoros, podem acabar sobrecarregando a capacidade do cérebro de processar informações naquele determinado tempo.
O autor ressaltou que são necessários mais estudos para confirmar os resultados e investigar o impacto dos vídeos curtos na aprendizagem.
Abordagem paralela
A pesquisa também usou outra metodologia para avaliar a associação entre consumo de vídeos curtos e a forma de raciocínio. Para isso, recrutou 169 voluntários que relataram o tempo em que gastavam em redes sociais e assistindo a vídeos curtos, e depois responderam ao mesmo questionário aplicado ao grupo anterior sobre aprendizagem profunda, raciocínios superficiais e adiamento de gratificações.
Os resultados indicaram que o maior consumo de vídeos curtos estava associado negativamente à capacidade de raciocinar para uma aprendizagem profunda. No entanto, devido ao desenho dessa parte do estudo, não foi possível concluir se assistir a vídeos curtos piora a capacidade de aprendizagem profunda, ou se pessoas que já têm uma pior capacidade de aprendizagem tendem a assistir mais vídeos curtos.
Excesso de tela “apodrece” os cérebros?
O estudo de Otto se soma a outras pesquisas contemporâneas que vêm analisando o impacto da disseminação dos vídeos curtos sobre a capacidade de raciocínio das pessoas.
Esse debate inclusive levou o termo “cérebro podre” ou “podridão cerebral”, da expressão em inglês brain rot, ser eleito a palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford por mais de 37 mil pessoas.
Alguns estudos indicam que o uso excessivo de mídias sociais e o consumo compulsivo de conteúdo de baixa qualidade – como notícias sensacionalistas, teorias da conspiração e entretenimento vazio – podem literalmente encolher a massa cinzenta, diminuir a capacidade de atenção e enfraquecer a memória.
Para reverter esse cenário, pesquisadores consideram fundamental estabelecer limites claros para o tempo de tela e fazer um esforço consciente para se desligar. Também é importante dar prioridade a conteúdos educativos que evitem características viciantes e estabelecer intervalos regulares.
Mas com as empresas de tecnologia projetando algoritmos para maximizar nosso tempo de tela e um público cada vez mais digitalizado, o desafio vai além do indivíduo. É preciso políticas públicas que incentivem a transparência e a educação digital crítica.
(Fonte: G1/Bruno Lupion)