Correio de Carajás

Viajantes do século XIX, a Amazônia e a agropecuária

Foto: Reprodução

Entre fins do século XIX e início do século XX, diversas discussões sobre a região do Sul e do Sudeste do Pará foram travadas em nível estadual. Por um lado, viajantes estrangeiros eram movidos por interesses econômicos, antropológicos e geográficos e, por vezes, interpretavam a região e seus moradores enquanto inferiores ou exóticos. Por outro, viajantes brasileiros, vindos tanto da região de Belém quanto de outros Estados, procuravam compreender a região enquanto projeto político, nacionalista e identitário. A região do Burgo do Itacaiunas, atual Marabá, foi considerada neste projeto de conhecimento e reconhecimento do estado para que pudessem ser melhores identificadas as áreas de atuação para o desenvolvimento da região. Nesse sentido, foi proposta a reconstrução de sua história para incluí-la em uma tradição de “civilização”, de modernidade e de progresso, e a compreensão de seu espaço geográfico para contribuir com a identidade e os interesses econômicos estatais.

O casal francês Octavie e Henri Coudreau foi importante para a construção de visões sobre o Burgo de Itacaiunas. Eles, “anarquistas”, geógrafos, cartógrafos, etnógrafos, fotógrafos e exploradores, viajaram ao Brasil no século XIX e produziram relatórios sobre a região, que foram entregues aos governos estaduais, em especial Lauro Sodré e Paes de Carvalho. Em suas narrativas sobre a Amazônia defendem, a partir de uma visão utilitarista, a domesticação da natureza e compreendem a extração do látex tanto pela perspectiva de exploração da natureza quanto da exploração do homem pelo próprio homem. Por vezes, apresentam as discrepâncias que encontraram entre a miséria da região dos seringais e o fausto de Belém, e silenciavam em relação às jazidas minerais. Argumentavam que a saída para a pobreza paraense era o fortalecimento da agropecuária, porém pela via “racional”. Nela deveria haver assentamentos de colonos e limitação de monopólios, sem deixar subjugar pelo capital e para conciliar o “progresso” com a igualdade, a civilização com a “vida selvagem”.

Ignácio Moura, engenheiro-historiador, influente na região de Belém, também foi contratado, assim como o casal francês, para viajar à região e produzir relatórios governamentais. Sua descrição do Burgo de Itacaiunas compreende formas de produção agrícola e pastoril obsoletas e incompatíveis com as intenções de se formar um burgo agropastoril forte. Havia, neste final do século XIX, projetos políticos e intelectuais que consideravam que o progresso e o desenvolvimento do estado partiriam da floresta e dos espaços rurais, mas para isso deveria ser modificado, pois um dos entraves para se chegar a esse progresso seria uma natureza bastante fértil tratada a partir de uma agricultura rudimentar. Segundo esse projeto, o progresso poderia ser atingido a partir de três preceitos: a correção dos excessos da natureza, o ensino agrícola e o saneamento rural. A implantação da agricultura e da pecuária serviria, inclusive, para afastar um dos males da região, a malária.

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Como se pode perceber, há, desde o século XIX, intenções de transformar a região do sul e do sudeste do Pará em espaço essencialmente agropastoril. Esse intuito é revelado em diversas dimensões, como é o caso da contratação de viajantes para vislumbrar a região, manter seus limites territoriais, colonizar e desenvolver a economia a partir de uma ótica capitalista de abastecimento da região norte e nordeste do estado do Pará.

Prof. Dr. Heraldo Márcio Galvão Júnior

Unifesspa / Faculdade de História / Xinguara