Correio de Carajás

Ver-a-Cidade: exposição inaugura revelando a alma de Marabá

Projeto se propõe a valorizar todas as nuances da cidade e mostrar que a vida de bairros periféricos merece ser admirada em uma galeria de arte

Rafael Scherer, homenageado no 15º Ver a Cidade, fala de sua relação com a fotografia da natureza

Há 15 anos o Ver-a-Cidade, projeto do Instituto de Arte Vitória Barros, aponta as mudanças de Marabá com cenas que retratam o cotidiano dessa terra, compondo uma crônica visual do dia a dia marabaense. Sob o tema “A cidade por trás das lentes”, a mostra fotográfica provocou os participantes a capturarem as diversas formas que a cidade é ocupada.

Ao longo de dois meses, a curadoria do evento selecionou 175 fotografias, de 71 inscritos. Uma escolha alicerçada no olhar com sensibilidade, que interpreta aquilo que se vê nos registros visuais ao enxergar além do que aparece na superfície. O Ver-a-Cidade contempla aquilo que está impresso na existência do cenário fotografado: sua alma.

Na noite de sexta-feira (25), a Galeria Vitória Barros abriu suas portas não apenas para exibir os frutos desses fotógrafos – amadores e profissionais – mas também como um convite para que as pessoas, em especial aquelas que habitam a cidade, mergulhem em uma experiência visual que conta a história da Marabá que se vê além das lentes.

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JUVENTUDE QUE REGISTRA O COTIDIANO

Da Escola Gaspar Vianna, um coletivo de quatro alunos, instigados pelos professores Isaque Amorim e Rai, enquadraram o grafite, uma arte de rua, em suas obras fotográficas. Bastou um único dia, um sábado, para que a turma explorasse os detalhes das curvas que dão vida às paredes da cidade.

“No total, foram 127 fotos. Chegamos a 12 inscritas. Este ano foi a nossa primeira participação, mas acho que no ano que vem vamos querer participar de novo”, avisa. Essa provável segunda inscrição será norteada não pela escola. Desta vez, os jovens fotógrafos ambicionam expor seus trabalhos por si mesmos.

Alunos e professor do Colégio Gaspar Vianna focaram nas intervenções com grafismo na cidade

No caso da jovem Evellyn Fernanda dos Santos da Silva, 14 anos, estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, a câmera do celular enquadrou fragmentos do dia a dia de feirantes do seu bairro. Ela teve suas fotos expostas na mostra.

“Eu fotografei um moço vendendo peixe em frente ao Supermercado Paraíso, mostrando os feirantes, a diversidade que nós temos na nossa cidade. Mostrando também as pessoas que dependem de si mesmas para arrecadar dinheiro todo dia”, declara. A sutileza de suas palavras é a mesma impressa em suas fotografias.

A mãe de Evellyn, Luciana Silva dos Santos Moreira, espelhou o sentimento de alegria da menina ao receber a notícia de que suas fotos seriam expostas. “Como mãe, é um privilégio ver o sucesso dos nossos filhos, então é muito emocionante. É a primeira vez que ela tem esse reconhecimento e meu coração transborda de alegria”, compartilha.

Assim como Evellyn, a jovem Hysis Louisa Ramos da Silva, 13 anos, que também estuda o 9º ano, escolheu capturar a realidade do lugar onde mora, o Bairro Liberdade: “Eu fui olhando mais as casas (para fotografar). Eu tô orgulhosa porque é a primeira vez que eu faço isso”.

De maneira tímida, mas reflexiva, a menina conta que estuda em uma escola que é desvalorizada no bairro em que ela mora. A crítica inconsciente denuncia a situação de invisibilidade a qual os bairros periféricos são designados. E são projetos, como o Ver-a-Cidade, que se propõem a valorizar e mostrar que a vida desses lugares merece ser admirada.

Maria Aparecida, mãe de Hysis, aplaude o olhar da filha sobre o bairro em que ela nasceu: “É uma visão sobre a realidade mais carente e um olhar sobre o desenvolvimento do Liberdade, como as casas modificadas, os feirantes que antes não tinha e agora nós temos. Então, assim, é importante para ela, para o crescimento dela, da aprendizagem e, também, como pessoa”, reflete.

MATURIDADE DE QUEM PARTICIPA HÁ ANOS

“O Ver-a-Cidade, hoje, tem uma função social importante para retratar as diversas formas de olhar a cidade”, define Rafael Scherer, fotógrafo homenageado na exposição.

Em entrevista ao Correio de Carajás, ele medita sobre as diversas nuances na ocupação da cidade e em suas dinâmicas urbanas. Como o período de cheias, que provoca diversos problemas para as famílias atingidas. Mas, quando se olha com atenção, é perceptível que muitas casas já são adaptadas para suportar esse evento natural anual. Para ele, essa observação diz muito sobre o olhar fotográfico.

Para compor a amostra, Rafael expôs um acervo de 24 fotografias da cidade, incluindo imagens de pássaros. “Eles também são habitantes de Marabá e aqui temos uma grande diversidade de aves, mas são poucas pessoas que observam isso na região”.

Já o olhar de Kátia Sirene Feitoza de Souza, professora, fotógrafa amadora e participante da exposição, é o de pioneira no Ver-a-Cidade. Em 2010, na primeira edição, ela ganhou o primeiro lugar do evento. Aficionada em retratar a cidade através de suas lentes, ela diz, entre sorrisos, que a memória de seu celular está sempre cheia.

“Eu amo fotografar. Eu paro em algum lugar e eu vejo uma foto bonita, eu já tô tirando foto. Quando eu vou ver, meu Deus, já está lotado o celular”, compartilha. Kátia enxerga além do ato de congelar um momento, ela compreende que cada foto é uma foto diferente, é uma história singular, um pedaço de sua alma.

Evellyn e a colega Hysis Louisa com suas mães e os fotógrafos Jordão Nunes e Rafael Scherer

O OLHAR QUE VEM DE DENTRO

Desde 2015, Natacha Barros participa da produção e curadoria do Ver-a-Cidade. Uma década dedicada a analisar dezenas de fotografias, observando o ponto de vista de cada inscrito e catalogando – na mente e no acervo do Instituto de Arte Vitória Barros – a metamorfose de Marabá.

“Cada ano a gente pode observar como as coisas mudam e como muitas delas são apresentadas com olhares bem diferentes. Acho que essa é a grande a grande alegria de ter o Ver-a-Cidade com a gente, a possibilidade de observar Marabá através de diversos olhares”, manifesta.

Ao ser questionada sobre a ampla participação de escolas no projeto, Natasha acredita que a conexão vai além do simples ensino, ela toca a essência da mostra, criando uma troca sensível entre alunos e o conteúdo.

Esse processo se torna enriquecedor para os jovens, não só por aguçar a criatividade artística, mas por oportunizar que eles conheçam a Marabá que se esconde na correria do dia a dia.

(Luciana Araújo e Ulisses Pompeu)