Nesta semana, dezenas de jovens marabaenses descobriram que perderam sua fonte de renda através de uma postagem nas redes sociais. Foram 99 estagiários da Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM) “demitidos” através do Facebook e Instagram de Toni Cunha, novo prefeito do município.
Os jovens, que recebiam qualificação profissional por meio dos estágios nas 21 extensões e 24 cursos da Fundação, perderam o recurso financeiro que servia de apoio para pagamento de meio de transporte e mensalidade das universidades. Eles trabalhavam em projetos de cunho social e cultural, presentes em todos os núcleos de Marabá e que atendiam, principalmente, regiões periféricas.
“Ele tem todo o direito de demitir quem ele quiser, o governo é dele, mas acabar com projetos sociais, isso é característica de bolsonarista, que não tem sentimento, que não vê quem tá lá na ponta, aquele jovem, adolescente, que precisa ter uma esperança”, declara a vereadora Vanda Américo, em entrevista ao CORREIO, na manhã desta quarta-feira (15).
Leia mais:Além de ressaltar o prejuízo social e cultural da decisão, ela também afirma que milícias digitais estão sendo pagas pelo poder público para destruir a imagem de pessoas que fizeram um grande trabalho na cidade.
Nos últimos anos Vanda foi responsável pela reestruturação da FCCM, entidade que realiza ações importantes para o resgate e a manutenção da cultura marabaense e preservação da ciência e pesquisa em toda a região. Através de suas mãos, projetos importantes foram implantados e a expansão da FCCM foi consolidada.
“Isso é maldade demais”
Os 99 demitidos por Toni Cunha são jovens como os educadores museais do Museu Municipal Francisco Coelho, estagiários do curso de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa); são professores de balé e teatro, que atuam em bairros como o Cidade Jardim e a Marabá Pioneira; são estudantes que catalogaram a fauna e flora do Parque Ambiental em Murumuru, entre tantas outras áreas de atuação.
“O filho do pobre também tem direito de dançar balé, não é só o do rico. Políticas públicas precisam chegar nesse pessoal. Nós escolhemos esses locais (periféricos) por terem o maior índice de assassinato de jovens, de prostituição, tráfico. É um investimento social”.
Para Vanda, Toni Cunha não fez uma boa transição e a afirmação de estar economizando os R$ 97 mil é uma “economia burra”, considerando que os 99 jovens trabalhavam em carga horária de quatro horas (Ensino Médio) e seis horas (Ensino Superior). Ela garante que as bolsas pagas não eram uma doação, mas que os estagiários estavam lá contribuindo e qualificando-se profissionalmente.
“Eu só tenho a lamentar uma atitude tão drástica, tão inconsequente. A forma fria que ele fez. Eles (estagiários) tomaram conhecimento através dos blogueiros, da milícia digital que tá formada nessa cidade, paga pelo poder público. Blogueiros que estão destruindo a imagem de pessoas que fizeram um grande trabalho nessa cidade. Tiram a esperança de jovens que estão entrando na faculdade por conta desse projeto. Isso é maldade demais”, desabafa Vanda.
Ela também ressalta que o Poder Judiciário e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) precisam tomar providências em relação às “milícias”, destacando que o cidadão marabaense não pode ficar vulnerável ao que ela chama de “lixamento virtual”, destacando que a atitude é criminosa.
SOBRE A FUNDAÇÃO
O primeiro prédio próprio foi doado pela Vale, depois que desativou seu escritório na Folha 31, ao lado da rotatória com as Folhas 30 e 28.
A instituição é uma autarquia subordinada à administração municipal, com uma estrutura predial muito característica, construída em formato circular. As estruturas lembram ocas e acomodam setores administrativos, reservas técnicas, laboratórios, biblioteca, escola de música e museu.
Desde sua origem, a FCCM é uma entidade preocupada em realizar e fomentar pesquisas científicas, buscando proporcionar à comunidade marabaense o acesso aos produtos de suas pesquisas nas áreas de Arqueologia, Espeleologia, Botânica, Pinacoteca, Geologia, Zoologia e Etnologia.
Como reconhecimento pelos trabalhos desenvolvidos, a Instituição conquistou duas vezes o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo IPHAN.
Ao longo de seus 40 anos, a Fundação se especializou no ramo da prestação de serviços e consultoria em Arqueologia, Educação Patrimonial, Espeleologia e Geologia, e dessa forma ampliou campanhas de valorização aos Patrimônios Naturais, Históricos e Culturais da região de Carajás.
NOTA DA ALIANÇA NACIONAL LGBTI+
Em nota enviada para este CORREIO, a Aliança Nacional LGBTI+ destacou que o encerramento de 99 estágios na Casa da Cultura de Marabá interrompeu trajetórias acadêmicas e profissionais de jovens que contribuíam para a promoção da cultura local, deixando uma lacuna no fortalecimento da identidade cultural da região. A decisão, justificada por limitações orçamentárias, foi criticada por desconsiderar alternativas como revisão de contratos administrativos, redistribuição de tarefas ou parcerias com o setor privado para viabilizar a continuidade dos estágios.
A nota também destacou a importância de políticas públicas que valorizem a cultura, vista como vetor de inclusão, desenvolvimento social e crescimento econômico. A entidade defende o equilíbrio entre responsabilidade fiscal e preservação de oportunidades para os jovens, incentivando gestores a priorizarem educação e cultura como pilares do desenvolvimento sustentável de Marabá.
“A Aliança Nacional LGBTI+ defende políticas públicas que valorizem a educação, a cultura e a juventude como pilares essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, plural e inclusiva. Estamos dispostos a contribuir em diálogos com gestores públicos, instituições e a sociedade civil para encontrar soluções que equilibrem a responsabilidade fiscal com a preservação de direitos e oportunidades para nossos jovens”.
A Unifesspa também publicou nota de repúdio contra a demissão de estagiários do Museu Municipal que cursam História na referida universidade. A nota foi divulgada na tarde desta quarta-feira (15), no Instagram da instituição de ensino, a maior do sul e sudeste do Pará. (Luciana Araújo)