Dois depoimentos dos executivos da Vale S.A – com o presidente Executivo de Jurídico e Tributário da empresa, Alexandre Silva D’Ambrósio e de Marcello Spinelli, diretor-executivo de Ferrosos – marcaram a terceira oitiva realizada nesta terça-feira (24) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação da Vale no Pará, na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).
A convocação dos executivos foi mantida pelos deputados membros da comissão após a mineradora informar que os convocados não poderiam comparecer na oitiva, marcada para o dia 17 deste mês.
Mas antes de iniciar os depoimentos, nesta terça-feira, 24, o advogado da Vale, David Rechulski, surpreendeu os deputados anunciando que a empresa havia entrado com pedido de habeas corpus na Justiça do Pará, a fim de resguardar e manter os direitos garantidos aos depoentes.
Leia mais:“De forma alguma pleiteando qualquer direito ou não de comparecimento, mas apenas o direito ao silêncio em relação a eventuais inquisições cujas respostas ele não saiba, pois muitos dos fatos aqui apurados são inferiores aos ingressos dos mesmos. E a ideia é que o silêncio deles não fosse interpretado como ato de calar a verdade”, afirmou.
De acordo com o advogado, no mesmo dia da oitiva, houve uma liminar de suspensão dos trabalhos da CPI e a dispensa da inquisição dos convocados. Porém, ao tomar conhecimento da decisão, a empresa desistiu do habeas corpus e pediu a homologação para que os depoimentos fossem realizados normalmente, para contribuir com o desenvolvimento das atividades.
Para o presidente da CPI, deputado Eraldo Pimenta, não havia necessidade de buscar habeas corpus para garantir os direitos que estão sendo cumpridos pela comissão.
“Acredito que nem era necessário, porque até agora nós estamos mantendo os direitos constitucionais dos depoentes, ainda estamos em uma fase investigativa e ninguém está acusando ninguém, estamos apenas ouvindo”, disse.
Em quase três horas, os executivos responderam aos questionamentos dos deputados membros da CPI sobre tributação, investimentos no estado do Pará e explicaram sobre a triangulação com a Suíça, Coreia e Ilhas Cayman, além da escolha da Vale em fazer a verticalização em siderúrgica no Complexo do Pecém, instalado em 2016, em São Gonçalo do Amarante (CE) e não em cidades do Pará, de onde são extraídos os minérios, transportados e processados para o nordeste.
Esse é considerado um dos maiores investimentos privados na região Nordeste do Brasil, com investimentos de R$ 13,8 bilhões. A Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) é uma joint-venture formada pela Vale (50%) e pelas empresas sul-coreanas Dongkuk (30%), maior compradora global de placas de aço, e Posco (20%), 4ª maior siderúrgica do mundo e a primeira da Coreia do Sul.
O primeiro a ser ouvido foi o presidente Executivo de Jurídico e Tributário da empresa, Alexandre Silva D’Ambrósio. Ele trabalha na mineradora desde abril de 2018 e é responsável pela gestão de cerca de 300 profissionais em diversas regiões do Brasil e do mundo, além de ter a função de orientar a equipe e definir as diretrizes gerais de atuação.
Em seu pronunciamento afirmou que tem problemas de saúde, e que apesar de desobedecer às recomendações médicas, acredita ser importante estar presente para esclarecer às dúvidas da comissão. Em julho, Alexandre Silva D’Ambrósio não compareceu alegando problemas de saúde, por meio de atestado médico.
Ao ser questionado pelo deputado Carlos Bordalo, que é vice-presidente da CPI da Vale, sobre o que motivou a empresa, que extrai o minério de ferro em solo do paraense, processar no Ceará e lá fazer a verticalização e gerar todas as agregações de valores, Alexandre D’Ambrósio afirmou que “O Pecém é um cliente também da Vale, então quando a Vale extrai o minério seja daqui ou de Minas, ela vende para a companhia do Pecém, como vende para outros clientes”, disse.
Bordalo questionou: todo esse volumoso negócio não tem por origem o minério de ferro? Se não tivesse ferro, existiria esse negócio?
Em reposta, D’Ambrósio disse apenas que “a receita da Vale é proveniente do minério de ferro, níquel e carvão”.
Sobre as triangulações, Bordalo perguntou sobre as vantagens contábeis nas triangulações na Suíça e Ilhas Cayman, mas o executivo disse que não há vantagens contábeis.
“Não existem vantagens contábeis, existem vantagens de negócios. A Vale tem clientes em mercados mais remotos. Quando o minério sai do Brasil, ele sai em direção à Europa e Ásia sem ter ainda comprador. Esta empresa é que vai procurar compradores, é integralmente voltada para busca de clientes. A vantagem é que a Suíça é um país neutro diplomaticamente”, afirmou D’Ambrósio.
O deputado Eliel Faustino, também disse que não entendeu bem a transação sobre a triangulação da Vale. E pediu explicações.
Para D’Ambrósio, esse tipo de transação comercial não pode ser considerado uma triangulação. “O que a Vale na Suíça faz é contratar os fretes por estar em uma posição mais competitiva”, explicou, informando que quase todas as empresas de commodities utilizam esse sistema conhecido como preço de transferência.
De acordo com o executivo, esse preço é construído a partir de cotações de diversas bolsas internacionais, ajusta-se o valor pelo valor e qualidade para a comercializadora, ela compra e assume os riscos no que acontece com o preço nesse período de transporte de transição.
O deputado Miro Sanova quis saber quais os incentivos fiscais que a Vale detém hoje no estado do Pará e se as condicionantes exigidas na implantação dos projetos estão sendo cumpridas.
Em resposta, o executivo afirmou que a Vale não tem no momento qualquer incentivo fiscal no Pará. Sobre as condicionantes, disse desconhecer. Mas informou que a empresa tenta cumprir a legislação e as condicionantes fazem parte disso.
“Durante a implantação da planta do projeto S11D, em Carajás, em 1985, houve esse tipo de incentivo como forma de estimular o investimento, para criar condições, mas cessaram”, esclareceu.
O relator da comissão, deputado Igor Normando, perguntou: Qual é o percentual de concessões de exploração no nosso solo que a Vale detém no Pará?
O executivo respondeu que “A vale tem hoje 506 processos minerários. Isso representa 2% do total de processos minerários do estado. Ativos na área de pesquisa, são 139, e na área de expectativa, que ainda não foi feita pesquisa é de 70%”.
Ao diretor-executivo de Ferrosos, Marcelo Spinelli, o deputado Bordalo questionou sobre os principais investimentos previstos para o estado. Quais os principais investimentos que a Vale pretende fazer no Pará nos próximos anos? Alguns deles inclui alguma verticalização?
Em sua resposta, Spinelli disse que existem vários projetos. “Nós temos planos e também investimentos de R$ 15 milhões na linha de ferro, nos últimos anos. Nós temos hoje investimentos acontecendo na ordem de R$12 bilhões na ampliação de produção de minério de ferro e daqui a dois anos mais de R$ 13 bilhões no estado em favor da mineração”, evidenciou.
Projeções
Sobre os investimentos futuros no Pará, foi informado que existem diversos projetos em discussão, como a implantação de um trecho da Ferrovia Paraense, o desenvolvimento do projeto Tecnored, que é uma usina de produção de ferro gusa em Marabá, com avançada tecnologia, além de trabalhar a ampliação e agregação de valor à cadeia produtiva de minério de ferro no Pará.
Para a concretização, será mantido um diálogo com o governo do Estado visando implementar projetos estruturantes para consolidá-los, a partir das instruções e em um documento jurídico, estabelecendo, assim, as obrigações de desenvolvimento, dando suporte financeiro a projetos de interesse da população do Pará.
Prazo
Na próxima semana, os deputados vão apresentar requerimento, solicitando a prorrogação do prazo de funcionamento da CPI por mais 90 dias, a fim de ampliar as investigações e discussões que ainda necessitam de maiores esclarecimentos. (Mara Barcellos – AID/Alepa)
Fotos: Ozeas Santos