A aplicação de uma vacina contra a Covid-19 no Brasil depende da aprovação para o uso do novo medicamento. A permissão pode ser conseguida basicamente por dois caminhos. O primeiro está diretamente ligado aos dois tipos de registro (tradicional ou emergencial) que podem ser dados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Já a segunda possibilidade é baseado na chamada “Lei Covid”, que libera o uso se o imunizante tiver aval expedido por uma agência do exterior, independentemente de registro pela Anvisa.
- Anvisa – registro definitivo: os desenvolvedores submetem o pedido de registro à Anvisa apenas após concluírem as 3 fases de testes da vacina. Para acelerar o trâmite, a agência criou o procedimento de submissão contínua de dados.
- Anvisa – uso emergencial: permite aos desenvolvedores enviarem os dados que comprovem eficácia e segurança antes de terminarem a fase 3 da vacina;
- Lei Covid – Prevê que a Anvisa terá o prazo de 72 horas para conceder o autorização caso o imunizante tenha conseguido registro no Japão, nos EUA, na Europa ou na China. Caso o prazo não seja cumprido e a Anvisa não se manifeste, a autorização é concedida automaticamente, segundo a lei nº 14.006, de 28 de maio de 2020.
Nesta terça-feira (8), após encontro com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e a indefinição sobre a compra da vacina CoronaVac, governadores citaram a nova legislação para lembrar que vacinas aprovadas no exterior terão aval para uso emergencial no Brasil. O contexto que faz a lei ser citada é a preocupação com o prazo de análise dos pedidos pela Anvisa, já que Pazuello afirmou que ele deve ser de cerca de 60 dias.
Leia mais:Enquanto isso, São Paulo marcou para 25 de janeiro o começo da vacinação com a CoronaVac, e prometeu enviar dados da fase 3 para a agência em 15 de dezembro, dando 40 dias de prazo para análise da Anvisa.
Registro alternativo fora do país
A lei nº 14.006, de 28 de maio de 2020 é um complemento da lei 13.979, de fevereiro. Em conjunto, a legislação atual permite que os estados importem e distribuam vacinas contra a Covid-19 que ainda não tenham sido registradas pela Agência Nacional de Vigilância (Anvisa). Para tanto, o imunizante precisa ter sido registrado ou liberado para uso em alguma das seguintes agências reguladoras de saúde: Estados Unidos, Europa, Japão ou China.
A “Lei Covid”, como ficou conhecida a lei nº 14.006, não muda o que prevê a Constituição Federal sobre as competências da Anvisa, uma vez que a agência ainda é a única com autoridade para registrar qualquer medicamento e insumo no país.
Porém, segundo o médico e advogado sanitarista do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo, Daniel Dourado, a lei aprovada na pandemia serve para garantir celeridade ao processo de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19 que já foram aprovadas pela comunidade internacional, obrigando o órgão regulador brasileiro a conceder autorização em até 72 horas após a submissão do pedido dos estados ou laboratórios feitos à Agência.
“A ‘Lei Covid’ aprovou o que o Congresso chama de ‘autorização excepcional e temporária’, algo ainda sem precedente no Brasil” – Daniel Dourado, médico e advogado sanitarista do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP
Dourado aponta que, apesar de a lei prever aprovação automática caso a Anvisa não se manifeste dentro do prazo, será preciso acionar o Supremo Tribunal Federal (SFT).
“É possível que um estado, por exemplo, consiga distribuir uma vacina contra a Covid-19 sem que a Anvisa tenha feito o registro. O estado precisa judicializar a questão no STF [Supremo Tribunal Federal] e mostrar que a vacina em questão já foi aprovada em alguma das quatro agências reguladoras internacionais estipuladas na lei”, aponta o especialista.
O pesquisador dá como exemplo o caso do governo do estado de São Paulo, que firmou contrato de transferência de tecnologia com a empresa Sinovac para produzir em conjunto com o Instituto Butantan a vacina Coronavac, e o governo do Paraná, que fechou acordo com a Rússia para produzir a Sputnik V.
“Estes contratos são legais, foi uma aposta dos governos estaduais em uma ou outra vacina, algo que o governo federal deveria ter feito com vários laboratórios no início. Mas não quer dizer que os acordos de transferência estão liberando, registrando o medicamento nestes estados”, explica.
No momento, o governo paulista está seguindo o caminho convencional de pedido de registro da Coronavac junto à Anvisa para iniciar a imunização da população contra a Covid-19. Caso a vacina seja liberada em algumas das agências internacionais previstas na Lei Covid, São Paulo poderá judicializar o pedido para obter a liberação da vacina chinesa em até 72 horas.
Regulação ainda é centralizada
Dourado ressalta que a lei de vigilância sanitária, criada antes da Constituição de 1988, continua sendo uma só para todo o país.
“A Lei Covid não substitui a competência do governo federal de regular medicamentos e insumos. Mesmo durante a pandemia, ainda precisa-se do aval da Anvisa”, diz.
Isso quer dizer que, diferente dos Estados Unidos, onde cada estado tem sua própria agência reguladora de saúde, o Brasil concentra a regulação de medicamentos e insumos no governo federal, na figura da Anvisa. Assim, não é possível que apenas um estado aprove uma vacina contra a Covid-19 e outros não.
“Neste sentido, já era esperado que muitos estados começassem a comprar a vacina do Butantan, já que o governo federal não fez o que os estados fizeram, que foi fechar acordos apostando nas vacinas em teste”, explica o pesquisador.
Por continuar sendo competência do governo federal a liberação da vacina contra a Covid-19 no Brasil, Dourados explica que o Estado pode sofrer um processo de responsabilidade política.
“Em março, o governo federal já sabia como deveria se preparar [para agilizar registro e compra de insumos e medicamos]. Estamos em dezembro e governo ainda não se preparou para isso, não firmou acordos de transferência de tecnologia, não comprou vacinas, não pensou na distribuição, não pensou na temperatura das vacinas”, aponta.
“É uma questão de responsabilidade política, o que caberia um pedido de impeachment tanto do ministro da Saúde, [Eduardo] Pazuello, quanto do presidente Jair Bolsonaro”, diz Dourado.
Conforme o G1 apurou, o Ministério da Saúde ainda não publicou um edital para a compra das seringas e agulhas que serão usadas para imunizar os mais de 211 milhões de brasileiros, uma produção que, segundo as indústrias de artigos de saúde, pode demorar até seis meses. (Fonte:G1)