Quem imaginaria que o amor por um pet e o desejo de lhe proporcionar conforto seriam o ponto de partida para um negócio criativo, sustentável e lucrativo, que uniu três gerações da mesma família em Parauapebas, no sudeste do Pará.
A protagonista dessa história é Rihanna Pereira, uma adolescente de apenas 15 anos que, aos 13, decidiu costurar uma cama com retalhos para seu fiel companheiro, o vira-lata Zeus. Foi nesse gesto de carinho que nasceu não apenas uma peça, mas uma paixão pela costura e, com ela, o embrião de um sonho.
Em abril deste ano, Rihanna deu um passo importante ao participar do projeto RenovaVeste, voltado para inovação no setor de vestuário sustentável. Embora a mãe, Fabrícia Pereira, já costurasse há cinco anos roupas sob medida, não hesitou em se inscrever ao lado da filha, como uma forma de apoiá-la, incentivar e, sobretudo, aprender com a jovem sonhadora.
Leia mais:A oficina revelou uma nova forma de enxergar a costura: em vez de ver os uniformes descartados como resíduos industriais, mãe e filha passaram a enxergá-los como matéria-prima para algo novo, útil e cheio de propósito. Nascia ali não só um novo olhar sobre o reuso de tecidos, mas também uma nova etapa para a família.

Após o curso, Rihanna canalizou a paixão por animais e o espírito empreendedor em um negócio próprio: a confecção de roupas sob medida para pets, feitas com sobras de tecido do ateliê e dos uniformes. As peças, cuidadosa e criativamente elaboradas, são vendidas por valores que variam entre R$ 80 e R$ 190.
A rotina da jovem empreendedora é intensa. Pela manhã, Rihanna se dedica ao negócio, dividindo os dias entre criação de moldes, precificação e produção. Tudo isso conciliando com os estudos do 9º ano do ensino fundamental e o sonho de se tornar no futuro uma médica veterinária.
A avó, Hosana Baral, embora não tenha feito o curso, também se uniu ao projeto. Hoje, as três, avó, mãe e filha costuram fortalecendo não só os laços familiares, mas também uma cadeia produtiva baseada na sustentabilidade, no afeto e no compromisso com um futuro melhor. Enquanto mãe e filha trabalham no ateliê, Hosana confecciona as peças na zona rural de Parauapebas, onde mora.
Emocionada, Fabrícia descreve como maravilhoso o sentimento de estar ao lado da filha e aprender a cada dia um pouco mais com ela. “Estamos construindo uma parceria de sucesso, enquanto eu tenho a experiência, ela tem as ideias inovadoras”.
Costura sustentável pode mudar uma vida
Em meio a um período turbulento, quando as contas se acumulavam e a esperança parecia escassa, Edilene Silva de Almeida encontrou, na costura, um recomeço, e mais do que isso, um propósito. O convite veio de uma amiga que lhe apresentou o RenovaVeste. O que parecia apenas uma oportunidade de aprender uma nova habilidade, revelou-se uma virada de chave na vida dela.
“Eu estava passando por um momento muito difícil, principalmente na parte financeira. Quando soube do curso, me inscrevi sem saber exatamente o que esperar. Hoje, vejo que foi uma das melhores decisões que já tomei”, compartilha Edilene.

Em março, ela ingressou na formação em costura inovadora e sustentável oferecida pelo Instituto. Mais do que aprender a costurar, Edilene descobriu um novo universo: o da criação consciente. Técnicas de reaproveitamento, design com propósito e práticas de moda sustentável abriram caminho para algo que, até então, era desconhecido, mas que rapidamente tornou-se uma paixão.
“Ao longo do curso, me apaixonei pela costura. Aprendi algo novo, com um propósito que vai além da renda: cuidar do planeta. Comecei a produzir peças com tecidos reaproveitados e a vender meu trabalho. Foi libertador”, conta com brilho nos olhos.
Hoje, Edilene é mais do que uma costureira: é uma multiplicadora da moda consciente. Cada peça que produz não apenas garante a renda, mas também contribui para reduzir o impacto ambiental da indústria têxtil. Seu compromisso com a sustentabilidade vai da escolha dos materiais ao cuidado no acabamento.
Entre os produtos criados por ela estão porta-garrafas e pochetes vendidos a R$ 35, porta-carregadores de celular por R$ 20, nécessaires por R$ 48 e bolsas que chegam a R$ 80, todos feitos com carinho, criatividade e reaproveitamento de tecidos.
Apesar do foco na costura sustentável, Edilene também mantém serviços de costura tradicional, preservando a clientela e garantindo estabilidade financeira, ao mesmo tempo em que educa e inspira sobre a importância de escolhas mais conscientes.

RenovaVeste transforma uniformes em oportunidades sustentáveis
O RenovaVeste é um dos projetos de destaque do Avad, uma Organização da Sociedade Civil (OSC). É nessa entidade que as oficinas de corte e costura são oferecidas exclusivamente ao público feminino, com carga horária de 12 horas.
As turmas são compostas por, no máximo, vinte alunas, que aprendem a transformar os uniformes industriais em bolsas, nécessaires, porta objetos e o que mais a imaginação desenhar.
A estimativa é que ao longo do curso de corte e costura, o grupo de 20 participantes contribua para a redução de até 300 quilos de resíduos têxteis, que, de outra forma, acabariam descartados.
A primeira turma do RenovaVeste surgiu em abril de 2025, com cinco mulheres. Até aqui, há 45 alunas que já foram impactadas diretamente, 25 da cidade de Parauapebas, e neste mês de junho, mais 20 de Serra Pelada, vila pertencente a Curionópolis. Curiosamente, 16 delas bordadeiras e 4 costureiras.

Com 45 participantes, a estimativa é de até 675 quilos de resíduos têxteis evitados no meio ambiente.
Embora Parauapebas tenha sua economia fortemente baseada na mineração, com dezenas de empresas ligadas direta ou indiretamente à indústria extrativa, apenas seis empresas são, até o momento, parceiras ativas do RenovaVeste. É um número pequeno diante do potencial de impacto, mas que já representa uma mudança significativa.
Uniformes industriais em desuso, agora se tornam matéria-prima para novos começos.
Para que o projeto fosse colocado em prática foram necessárias visitas de porta em porta de empresas, pedindo doações de uniformes industriais. A resposta surpreendeu. Algumas firmas, com estoques volumosos de peças inutilizadas, aderiram de imediato à causa e passaram a doar.
Após serem recolhidos, os uniformes passam por uma rigorosa triagem e higienização industrial, realizada por uma lavanderia parceira. Somente depois desse processo, o material é destinado às costureiras em formação.
Cada aluna recebe um kit com uniformes industriais, entre calças e blusas, que, pelas mãos delas, são transformadas em bolsas, acessórios e coleções autorais, cheias de identidade, propósito e inovação.
Avad
O Avad tem tecido, com mãos femininas, uma rede de oportunidades que une sustentabilidade, empreendedorismo, cultura e justiça social.
A fundadora e presidente do instituto, Nádia Aurélio, motivada pela vontade de aliar propósito à ação prática, criou o Avad com um objetivo claro: oferecer para as mulheres em situação de vulnerabilidade uma nova chance, por meio economia sustentável dar autonomia financeira e o fortalecimento pessoal.
O projeto começou a ganhar forma quando uma amiga de Nádia relatou que havia muitas sobras de tecidos na malharia onde trabalhava. E daí, começaram a tecer, em muitas mãos, o projeto para que tinha por objetivo dar um novo uso ao que seria descartado.
O Avad existe há nove meses, sendo formado por quatro diretores, duas conselheiras e voluntários comprometidos com a causa.
Nádia é advogada por formação e sintetiza o projeto: “nós conseguimos atender todos os eixos: financeiro, cultural, ambiental e social”, afirma com brilho nos olhos.
Além das oficinas de costura, as alunas participam de capacitações em inteligência emocional e empreendedorismo feminino, por meio de parcerias como o Sebrae Delas. “Essa etapa fez toda a diferença no despertar do lado empreendedor das participantes”, avalia Nádia.
Por meio dessa formação, as integrantes aprendem a precificar as peças, e assim, mesmo após a conclusão do curso, ganham autonomia para empreender.
Os integrantes do Avad, juntamente com as alunas, participam de eventos onde divulgam e comercializam as peças produzidas. No entanto, cada participante tem autonomia para decidir a forma de vender o que produz.
Significado
Avad é palavra de origem hebraica tem múltiplos significados: trabalhar, fazer, cultivar, servir.
Cultura circular que muda vidas em Parauapebas

“É um sentimento de sonho realizado. Estamos criando uma cultura de economia circular que muda a perspectiva financeira e pessoal dessas mulheres. São alunas que há três meses sequer acreditavam em si e hoje estão empreendendo”, conta Ana Franco, instrutora e designer do Avad.
Cada aluna recebe, após a conclusão do curso, um kit para iniciar a costura em casa, o que elimina uma das principais barreiras de entrada para mulheres em situação de vulnerabilidade: o custo do material.
O futuro se costura
O sonho agora é ousado: construir sede própria com um ateliê permanente. Hoje, os cursos ocorrem em espaços alugados, o que limita a expansão. Mas a vontade de crescer não tem limites. “Queremos formar ainda mais costureiras, ter um espaço fixo, onde as mulheres possam criar, vender e mudar de vida”, projeta Nádia.
A cada bolso costurado, uma nova possibilidade. A cada peça recriada, uma história recontada. O RenovaVeste é uma resposta criativa e eficaz a um problema global: o descarte têxtil. Mas, mais do que isso, é um projeto que reinventa existências, fio por fio.
No fim, costurar não é apenas unir tecidos. É unir vidas.
RENOVAVESTE EM NÚMEROS
* 80% relatam melhora na autoestima e na autoconfiança;
* 70% das participantes aumentam sua renda durante ou após o curso;
* 40% diversificam sua fonte de renda;
* 30% iniciam os próprios microempreendimentos;
(Theíza Cristhine)