Crianças e adolescentes são os que mais sofrem impactos das mudanças climáticas, e, por isso, precisam ser prioridade nos debates e políticas voltados para o enfrentamento da questão. Cerca de 40 milhões de jovens estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental no Brasil, e as mudanças climáticas comprometem a garantia de direitos fundamentais, alerta o relatório Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil, lançado nesta quarta-feira (9), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
De acordo com o relatório, a crise climática causa efeitos na frequência de chuvas, na amplitude térmica, nas ondas de calor, além de interferir na quantidade e intensidade de eventos extremos, como ciclones e queimadas, incluindo o prolongamento de secas extremas. “Todos esses fenômenos afetam a vida humana de diversas formas, colocando em risco o bem-estar, o desenvolvimento e a própria sobrevivência de pessoas em todo o planeta”, diz o estudo.
Para a representante interina do Unicef no Brasil, Paola Babos, as mudanças climáticas e a degradação ambiental enfraquecem os direitos de crianças e adolescentes. “As crianças e adolescentes são os que menos contribuem para as mudanças climáticas, mas são os que vão sofrer as consequências de forma mais intensa e por mais tempo. Nesse sentido, a mudança climática é uma ameaça direta à capacidade da criança de sobreviver e prosperar”, disse Paola na apresentação do relatório.
Leia mais:Paola Babos destacou que o impacto é maior em crianças e adolescentes que já vivem em situação de vulnerabilidade como indígenas, moradores de comunidades tradicionais, negros, migrantes e refugiados e especificamente, as meninas. No entanto, diz o relatório, a maioria das políticas públicas e dos planos nacionais referentes ao clima e ao meio ambiente pouco mencionam ou ignoram completamente as vulnerabilidades específicas de crianças e adolescentes, em geral, e, em particular, desses grupos.
De acordo com o Unicef, entre as necessidades que devem ser respeitadas e garantidas para a faixa de idade estão os direitos à vida, à saúde, ao desenvolvimento, a aprender, à proteção contra violência, à água potável e ao saneamento e à proteção social. Segundo o relatório, cerca de 15 milhões de pessoas vivem em áreas urbanas sem acesso à água segura e em áreas rurais no Brasil. Para 2,3 milhões destas pessoas, a água disponível para beber e para higiene pessoal não tem qualquer tipo de tratamento.
O estudo lembra ainda que, conforme o Censo Escolar (Inep, 2019), 26% das escolas públicas brasileiras não têm acesso ao abastecimento público de água, e quase 50% não têm acesso à rede pública de esgoto.
Recomendações
Ao relatar os impactos, o relatório propõe medidas que podem alterar o cenário atual no Brasil e alerta que já existe um problema, que pode ficar muito maior. “Precisamos lidar com ele agora e mitigar os impactos futuros, diminuir a poluição e promover a adaptação às mudanças já inevitáveis.”
A lista de recomendações começa com o pedido de prioridade absoluta para crianças e adolescentes na pauta climática, para que não tenham que crescer privados da plena realização dos seus direitos. A defesa e o fortalecimento das instituições e a legislação responsáveis pela garantia de preservação e pelo enfrentamento da degradação do meio ambiente também são lembradas para assegurar o alcance das metas de redução de emissões de gases.
O relatório lembra que é preciso garantir financiamento e recursos para a execução de políticas e projetos climáticos sensíveis aos direitos de crianças, adolescentes e jovens, além do desenvolvimento de estratégias que levem em conta os riscos e potenciais específicos de crianças, adolescentes e jovens indígenas e de outras comunidades tradicionais, negros e meninas.
O estudo defende também prioridade para investimentos em educação e desenvolvimento de competências de crianças, adolescentes e jovens sobre meio ambiente, mudanças climáticas e habilidades ecológicas. “Capacitando-os para enfrentar a crise climática e participar das soluções e da crescente economia verde e azul”, explicou Paola Babos.
O Unicef propõe ainda a adaptação dos serviços públicos que atendem crianças e adolescentes com base nos cenários de vulnerabilidade e risco de desastres e nas possibilidades de mudanças de longo prazo nas temperaturas, como forma de garantir a infraestrutura de escolas e hospitais, para assegurar o bem-estar dos usuários e a continuidade dos serviços essenciais.
A lista termina sugerindo o engajamento da sociedade e do setor produtivo em defesa da adoção de medidas de preservação ambiental e de manejo sustentável das cadeias de produção e de transporte. “Também estimulando a transição para uma economia verde e azul, investindo em crianças e jovens, abrindo oportunidades para sua inclusão produtiva nessas soluções realmente trazendo suas capacidades em potencial para a nova economia, onde precisamos investir”,disse Paola Babos. Ela destacou que esta é a primeira vez que uma geração global de meninos e meninas em um mundo que se tornou ainda mais incerto devido às mudanças climáticas e ao meio ambiente degradado.
“É por isso que o Unicef, com esse relatório, reforça a urgência de priorizar os direitos de crianças e adolescentes na agenda climática, agindo para mudar esta realidade”, acrescentou.
Jovens na COP 27
O Unicef e a organização da sociedade civil Viração Educomunicação enviaram à 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), que está sendo realizada no Egito, três jovens ativistas ambientais brasileiros: Maria Eduarda Silva, de 19 anos, de Bonito, em Pernambuco; Victor Medeiros, de 18 anos, do litoral sul de São Paulo; e Tainara da Costa Cruz, de 18 anos, do povo kambeba, da comunidade Três Unidos, localizada em uma área de proteção ambiental na margem esquerda do Rio Negro, no Amazonas. Os três juntaram-se a um grupo de 40 jovens de diversos coletivos e organizações sociais brasileiros presentes à conferência.
Segundo a oficial do Programa Cidadania de Adolescente do Unicef no Brasil, Rayanne França, o objetivo da participação dos jovens é pautar crianças e adolescentes no debate climático. “Nosso papel por aqui é fortalecer esse engajamento. Sabemos que os três jovens que estão conosco nessa pauta dão seu recado e fazem com que essa mensagem chegue a todos os governantes, aos municípios, escolas e espaços de discussão.”
O oficial de monitoramento e avaliação do Unicef no Brasil, Danilo Moura, disse que jovens que moram em regiões vulneráveis preocupem-se com a situação e não deixam de participar de debates sobre mudanças climáticas. “Quando se vive em situação de pobreza, sempre é mais difícil, parece um luxo se preocupar com coisas que não são preocupações imediatas, mas nossa experiência mostra que jovens e adolescentes estão discutindo o assunto. Eles se importam muito e têm ideias, críticas muito valiosas sobre o tema. E são jovens que vêm de todo tipo de histórico familiar.”
Durante a preparação para a COP27, representantes do Unicef reuniram-se com integrantes do Itamaraty para apresentar as principais recomendações do estudo. “Achamos que o Brasil pode ter uma liderança importante nessa agenda de mudanças climáticas com crianças e adolescentes”, revelou Moura. Para ele, o trabalho para fortalecer medidas para estas faixas de idade vai continuar no próximo governo.
A COP 27, que começou domingo passado (6) e vai até o dia 18 deste mês. Amanhã (10), no Dia da Juventude e do Futuro na COP27, os três jovens brasileiros levarão sua contribuição para fóruns do encontro, que vão permitir a troca de experiências com a juventude de todo o mundo.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância trabalha em alguns dos lugares mais difíceis do planeta, atendendo crianças mais desfavorecidas. O trabalho do fundo cobre 190 países e territórios.
(Agência Brasil)