Correio de Carajás

Uma ode à existência do corpo feminino no esporte

Conheça a triatleta que é apaixonada por atividade física e usa essa ferramenta para ajudar a empoderar outras mulheres por meio do esporte

Elitelma é triatleta há seis anos e campeã nacional em sua categoria/ Fotos: Evangelista Rocha

 Em 19 de abril de 1967, Kathrine Switzer desafiou o machismo dentro do esporte, em especial nas maratonas, e se tornou a primeira mulher a correr a prova de longa distância. Mas isso só foi possível porque ela se disfarçou de homem, pois naquela época não era permitido que mulheres competissem.

Passados 55 anos desse feito, Elitelma Cordeiro Mattos, aos 57 anos de idade, se tornou a atleta sul-americana mais bem posicionada no campeonato mundial de triathlon “sprint”, em 2023, na faixa etária de 55 a 59 anos.

A existência feminina dentro dos mais diversos esportes evoluiu de maneira expressiva entre os anos que dividem a proeza de Kathrine e a conquista de Elitelma, contudo, a quebra de preconceitos e paradigmas sociais que tentam limitar a participação de mulheres em práticas esportivas segue sendo uma luta espinhosa.

Leia mais:

Ainda que essas barreiras sejam vencidas cada vez mais ao longo do tempo, no caso de Elitelma dois incômodos são latentes: a hipersexualização do corpo feminino com a cobrança para que ele seja perfeito e, também, o etarismo.

“As pessoas ficam assustadas, escandalizadas, se você (mulher) fizer uma corrida ou pedalar de maiô. A impressão é que você tá se expondo demais ou que não está preocupada com o esporte em si, mas em se mostrar”, expõe a atleta.

A fala de Elitelma se alinha ao seu momento atual como triatleta. De forma resumida, o triathlon é o esporte que soma três práticas em uma: natação, atletismo e ciclismo, modalidade que ela treina e compete há seis anos.

O julgamento sobre seu corpo acontece nos momentos em que ela precisa treinar vestindo o mesmo tipo de roupa que utiliza nas competições. O uso é necessário para que ela entenda como que o uniforme vai se comportar durante a competição, se irá incomodar ou machucar.

Expor o corpo pelas ruas marabaenses eventualmente se torna um desconforto. “Eu já encontrei, principalmente aqui em Marabá, muitas críticas. Às vezes assobios, alguns desrespeitos, alguns assédios que acontecem, mas a gente vai tirando de letra”.

Superar esse incômodo e seguir ocupando seu espaço como corredora e ciclista pelas vias da cidade é só um dos inúmeros feitos que tornam Elitelma uma ode à existência do corpo feminino no esporte.

“Minha mãe costumava dizer que eu era a Leila Diniz da minha época. Eu sempre fui à frente do meu tempo. Nunca me deixei inibir com essa situação, pelo contrário, eu sou ousada. Vou para cima mesmo. Não recuo, não me intimido”.

Expor o corpo ao treinar de maior e ser vítima de assédios e preconceito, são alguns dos desafios encarados pela triatleta

PADRÃO E IDADE

Barriga tanquinho, pernas definidas, braços torneados, não ter rugas, ser “durinha”, são características que costumam ser cobradas de corpos femininos.

Para aquelas mulheres que são atletas iniciantes e que se sentem intimidadas na exposição de seus corpos durante a prática esportiva, o exemplo de Elitelma Mattos abre caminhos para que elas se inspirem, motivem e ganhem confiança.

Apesar de ter um tipo físico considerado padrão, ainda é o corpo de uma mulher de quase 60 anos. Ela garante que não se assombra com a idade e nem permite que lhe sejam colocados limites por conta de sua maturidade.

“Não tem padrão, eu posso (mostrar o corpo) e isso realmente vai abrindo (caminhos), vai mostrando, vai fazendo com que outras mulheres tenham coragem e que possam se mostrar também. Algumas querem tanto, mas se guardam, se fecham muito e se auto proíbem”.

Muitas vezes julgada por conta de seus quase 60 anos, não é incomum que Elitelma escute que “não tem mais idade para isso”. Sendo a mulher ousada que afirmar ser – e de certa forma rebelde – a resposta que ela dá à essa pergunta não está em palavras, mas em sua própria existência dentro do esporte.

“Enquanto eu me sentir viva, saudável, eu tô aqui para mostrar que não existe limite no esporte por causa da idade”. Determinada, a triatleta afirma que tem o maior orgulho em falar quantos anos tem, ao contrário de outras mulheres. Seu desejo é que as outras também consigam se desprender desse estigma limitante.

Ela busca superação através do esporte

Estudos científicos indicam que atividades físicas favorecem a saúde mental de seus praticantes. Além de melhorar a aptidão física, o exercício físico regular também pode colaborar com a capacidade cognitiva e reduzir os níveis de ansiedade e estresse em geral. Ele ajuda a aumentar a autoestima, a imagem corporal, a cognição e a função social de pacientes em risco de saúde mental.

O esporte não é terapia, mas é terapêutico e Elitelma Mattos experimenta essa máxima em sua vida pessoal. Em pelo menos dois momentos de sua vida, foi o esporte que a ajudou a superar desafios e dificuldades.

A primeira vez foi após perder sua segunda filha, que nasceu de forma prematura e não resistiu.

“Foi um período de luto, de não querer mais, de perder o interesse pela vida”, relembra emocionada. Foi o esporte quem a resgatou desse cenário de desesperança.

O segundo momento compartilhado é, na verdade, vivido atualmente. Elitelma é filha única e a mãe, de 92 anos, tem Alzheimer. “Esse processo do entendimento da doença foi muito complicado, porque você adoece junto”, desabafa.

Filha, esposa, mãe, trabalhadora e atleta, são as múltiplas faces de uma mulher que equilibra todos os seus pratinhos com racionalidade e obstinação. Diante da situação da mãe, ela compartilha que buscou a ajuda de diversos profissionais para lidar com o conhecimento que adquiriu sobre a doença.

“Minha mãe sempre foi uma pessoa independente, muito estudiosa, da leitura, compunha de uma forma fantástica e foi exatamente atingida na memória. Foi um momento bem difícil e que o esporte novamente me trouxe para a vida”.

Apesar de praticar a natação em piscinas, ela realiza a prova de natação do triathlon em águas abertas

VIDA DE ATLETA

Prestes a completar 59 anos, Elitelma Mattos carrega uma vida inteira de conexão com o esporte. Formada em Educação Física há 30 anos, sua rotina diária é o reflexo do amor, dedicação e comprometimento que ela tem com a prática desportiva.

Sendo multifacetada, Mattos alterna diariamente entre seu trabalho como personal trainer, treinadora de corrida e triatleta. A rotina é dura e exige que Elitelma abandone sua cama ainda de madrugada, às 4 horas, para realizar o primeiro treino do dia.

Apesar de vivenciar o universo da atividade física há algum tempo, a relação dela com o triathlon é nova, tendo começado em 2018.

“É um grande prazer, uma grande realização. O triathlon é natação, bike e corrida, tudo em uma sequência, sem descanso”, define.

Elitelma compete na modalidade “sprint”, que possui uma distância mais curta, mas de alta intensidade. Apesar de a princípio parecer mais fácil, a categoria é o que os atletas chamam de “ficar com o coração na boca o tempo todo”. Cometer erros durante o trajeto não é uma opção.

Para se tornar uma competidora de alto nível no triathlon, a personal treina natação em piscinas e sempre que pode no Rio Tocantins. Isso porque a prova aquática da modalidade é feita em águas abertas.

“A técnica de natação em piscina é completamente diferente de águas abertas. Aqui você tem uma raia, um fundo que te orienta. Em águas abertas não, você tem a boia muito distante, em determinados momentos precisa levantar a cabeça para ver onde está a bóia, pra ver se não está indo na direção errada”, detalha.

Suas conquistas mais representativas no triathlon foram na categoria de 55 a 59 anos

Já a prática da corrida e do ciclismo transcorre com mais tranquilidade pelas ruas de Marabá, normalmente em horários em que o trânsito caótico dá uma trégua.

E para se preparar da melhor maneira para as competições, Elitelma eventualmente se aventura em horários diferentes do dia, principalmente aqueles com o sol já alto no céu. A tática é necessária para que ela se acostume às mesmas condições que irá enfrentar em um campeonato.

Diante de tamanho esforço, os bons resultados alcançados por Elitelma não são uma surpresa.

Em 2022, ela foi campeã brasileira de triathlon ‘sprint’, na categoria de 55 a 59 anos. A prova aconteceu em Maceió (AL) foi classificatória para o mundial, disputado em Hamburgo na Alemanha, em 2023. Na competição internacional Elitelma foi a triatleta sul-americana mais bem classificada.

Diante de tamanha demonstração de garra e determinação feminina, é impossível não se render à essa potência empoderadora que é Elitelma Mattos.

“O esporte mostra que nós somos fortes, que somos capazes, inteligentes e que nós conseguimos o que quisermos. A gente pode tudo, somos mais fortes juntas”, vibra a triatleta multicampeã.

 

(Luciana Araújo)