Correio de Carajás

Uma criança é registrada por dia em Marabá sem o nome do seu pai

Somente no ano de 2022, o número de abandono paterno chegou a 390 em Marabá, segundo Portal da Transparência de Registro Civil

Advogada Laura Amorim diz que o abandono afetivo, apesar de ainda pouco falado, vem ganhando repercussão ao longo dos anos

Para muitos, o Dia dos Pais é uma data especial, cheia de afetos e carinhos. Mas, infelizmente, esse dia, para uma parcela da população, é caracterizado por cicatrizes e marcas profundas em sua história.

De acordo com o Portal da Transparência de Registro Civil, somente em 2022, no município de Marabá, dos 4.743 registros civis de nascimento, 390 estão sem o nome dos pais no documento.

Porém, os números são ainda mais preocupantes em 2023. Marabá averbou, apenas nos primeiros seis meses do ano, 261 registros de crianças que tiveram somente o nome da mãe na certidão de nascimento.

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O abandono paterno pode trazer consequências invariantes, como a perda de autoestima, dificuldade na construção de novos vínculos e de estabelecimento de confiança com outras pessoas. Além, é claro, dos desdobramentos na vida escolar que também podem ser prejudiciais.

A ausência da paternidade, física e afetiva, traz grandes impactos na vida da mãe, mas principalmente na vida da criança.

O Correio conversou com a advogada Laura Amorim, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, sobre o abandono paterno e a busca na Justiça pelo reconhecimento da paternidade.

Para a advogada, o abandono afetivo, apesar de ainda pouco falado, vem ganhando repercussão ao longo dos anos, já sendo, inclusive, reconhecido o direito indenizatório para essas crianças vítimas do abandono afetivo.

“Está sendo discutida a omissão do dever legal do cuidado como um ato ilícito. Isso porque, o não fazer atinge um bem que é juridicamente tutelado como prioridade da nossa Constituição, que é o dever assegurado que toda criança e adolescente tem à convivência familiar, cuidados, proteção, respeito e dignidade”.

Desta forma, segundo a advogada, se for comprovado que o abandono paterno gerou danos à vida da criança, nasce a possibilidade de ser pleiteada judicialmente uma compensação por esse abandono. Por isso, Laura salienta que a mãe, como represente legal, pode procurar um advogado ou a Defensoria Pública para buscar a intervenção judicial para o alcance desses direitos.

Com relação aos impactos que a ausência da paternidade gera em uma criança, a advogada afirma que é muito difícil mensurar o que a falta do afeto de um pai pode causar a um filho.

“Vai muito além da esfera jurídica. Envolve o âmbito da psicologia, da psiquiatria e do serviço social, uma vez que pode causar danos a sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, que, se comprovados através de laudos psicológicos e psiquiátricos, não há impedimentos para que esse pai seja condenado a reparar e indenizar os danos vivenciados pelos filhos em consequência da sua omissão, irresponsabilidade e falta de cuidados, que pode ser quantificado como qualquer outra espécie de reparação moral” explica.

Registro Civil

“No ato do registro da criança pela mãe, o cartório realiza o que chamamos de reconhecimento ou averiguação oficiosa da paternidade. Esse é um procedimento administrativo sem caráter judicial, mas conta com a presença do magistrado. A mãe declarará ao oficial de registro civil o máximo de dados do suposto pai, que encaminhará essas alegações ao juiz competente, para que esse suposto pai seja citado e se manifeste por escrito ou pessoalmente”, explica Laura.

Caso confirmada a paternidade, é lavrado um termo de reconhecimento e reenviado ao oficial de registro para que ele efetue a averbação na certidão da criança.

Em caso de negativa ou não comparecimento perante a autoridade judiciária, não acarretará nenhuma consequência ao suposto pai, tendo em vista que não se trata de um procedimento de natureza processual. Dessa forma, o juiz enviará o procedimento ao Ministério Público que ficará responsável por ajuizar a ação de investigação de paternidade.

“Caso a genitora não queira indicar o pai no ato do registro e venha a ter interesse em um momento posterior, ela poderá. Basta buscar a assistência de um advogado para o ajuizamento da ação de investigação de paternidade, que inclusive é um direito imprescindível”, ressalta a advogada.

Questionada pela reportagem sobre os casos de pais (não biológicos) que registram os filhos da companheira, por exemplo, e que querem, após uma separação conjugal, deixar de ser pai e retirar o nome da certidão da criança, a advogada afirma que “uma vez reconhecido um filho como se seu fosse, o fato de o vínculo com a mãe se romper não é motivo para este pai buscar anulação desse registro”.

Laura Amorim ressalta que o melhor interesse a ser respeitado nessa situação sempre será o da criança e, jamais, o dos genitores. Por isso, o vínculo de filiação não pode ficar sujeito a instabilidades emocionais do casal.

“Se o pai busca retirar seu nome da certidão da criança com o argumento de que não possui mais vínculo de afeto com a criança porque rompeu o relacionamento com a mãe, será analisado pelo judiciário os laços afetivos que estavam presentes durante aquela convivência anterior, que levou o registro. Então, uma vez reconhecido, vai ser filho para sempre, incluindo todas as consequências e responsabilidades morais e materiais”.

Saber quem é o pai é um direito de toda criança, independente dos motivos da ausência da figura paterna. No entanto, isso parece estar longe de ser uma realidade, pois ainda não grandes os casos de mães que assumem os dois papeis na criação dos filhos.

Que nesse Dia dos Pais, as pessoas – principalmente os homens – possam refletir sobre a importância da construção da personalidade e da maturidade de um indivíduo com a presença do pai. (Ana Mangas)