Correio de Carajás

Trisais ‘grávidos’ enfrentam burocracia e ganham seguidores

Divórcio foi a opção de um casal para garantir amparo legal a companheira

Pierre Gabarra Mira nasceu no dia 16 de abril filho de uma família poliafetiva, em Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Os pais, um trisal formado por um homem e duas mulheres, esperam registrar o bebê com o nome das duas mães.

No Brasil, isso só é possível com pedido judicial de multiparentalidade, o que envolve vínculo afetivo com a criança.

“Ela inclui os trisais e até as famílias multiespécies, com os animais. O direito legislado, no entanto, não prevê essas famílias. É uma novidade que a legislação não acompanhou ainda”, diz Frederico Glitz, advogado e doutor em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

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Ele observa que é necessário compreender as relações muito mais pela afetividade e pelo laço não genético. “É preciso entender como uma relação familiar legítima, que merece também tutela jurídica.”

​De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), o total de registros de multiparentalidade (entres eles, de trisais) foi de 558 em 2021. Em 2022, foram 64 registros até início de abril.

“A única possibilidade de inclusão de um terceiro genitor no registro de nascimento se dá por meio das regras relativas ao registro de filiação socioafetiva”, afirma a diretora da Arpen/SP, Andreia Gagliardi.

“Somos uma família, mas hoje, se eu precisar que ela responda pelas minhas filhas, ela não pode. Elas a reconhecem como mãe, mas perante a lei não é nada”, diz a administradora Priscila Mira, ao lado da assistente social Regiane Gabarra, com quem mantém relacionamento amoroso há três anos.

O trisal é completado pelo gerente financeiro Marcel Mira, que se casou há 13 anos com Priscila. Ambos se divorciaram para que Marcel pudesse casar legalmente com Regiane e assegurar direitos à mãe biológica de Pierre, como plano de saúde e herança.

A história do trisal é contada no perfil @trisalamoraocubo, que com a chegada do bebê ganhou mais 3.000 seguidores, somando quase 42 mil.

“O número só cresce. Ficamos felizes, pois essa extensão foi positiva. São pessoas que vêm para somar. Eles entram para saber como é e descobrem que somos uma família”, fala Priscila.

Sobre o registro no nome dos três, ela diz que tentarão um pedido prévio no cartório. “Caso haja negativa, vamos entrar com pedido no jurídico.”

Filiação socioafetiva

“A união entre três pessoas não é prevista na legislação brasileira, havendo vedação imposta pelo Conselho Nacional de Justiça para sua declaração extrajudicial em cartório”, diz a advogada Luciana Xavier, presidente da Comissão de Direito da Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Paraná.

“A existência de vínculo socioafetivo tem sido aceita para fins de reconhecimento de maternidade, paternidade e situações de multiparentalidade.”

Este será também o caminho escolhido por um trisal de Londrina, no Paraná. “Desde que descobrimos a gravidez, é fato que Kah também é mãe do Henrique, que ele é dos três”, reconhece a arquiteta Carolina Queiroz, grávida de sete meses do marido, o bombeiro Douglas Queiroz, com quem é casada há dez anos.

Há sete meses eles se uniram à consultora Kah Marquez. “Não penso que não serei mãe do Henrique só pelo fato dele não ser meu filho biológico. Meu pai é adotado, então sei que o sangue não quer dizer absolutamente nada. Estou muito feliz e ansiosa para ele nascer logo”, enfatiza Kah.

Os detalhes da gravidez são contados no perfil @meutrisal, que hoje tem quase 20 mil seguidores. “Queremos inspirar outras pessoas ao amor sem preconceitos.”

Em Palmas, no Tocantins, outro trisal aguarda seu bebê, ignorando o laço sanguíneo e as críticas. “Minha família não aceitou e parou de falar com eles”, lembra a contadora Kadja Oliveira, grávida de quatro meses do servidor público Dionatan Lima.

(Fonte: Terra)