Correio de Carajás

Trio leva Nobel de Medicina por descobertas sobre ‘células guardiãs’ do sistema imune

Vencedores levam o prêmio de 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,2 milhões). As láureas em Física, Química, Literatura e Paz serão entregues ao longo da semana; já a de Economia será divulgada na próxima segunda (13).

Vencedores do Nobel da Medicina Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell and Shimon Sakaguchi — Foto: Reprodução/Nobel Prize

Três cientistas — os americanos Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell e o japonês Shimon Sakaguchi — levaram o Nobel de Medicina de 2025 pela pesquisa que descobriu como o sistema imunológico evita atacar o próprio corpo.

As descobertas sobre a chamada tolerância imune periférica explicam como o nosso sistema distingue o próprio tecido de agentes invasores.

➡️ Isso vem ajudando no desenvolvimento de tratamentos, por exemplo, contra o câncer, doenças autoimunes e transplantes mais bem-sucedidos. Vários tratamentos usando a descoberta na pesquisa estão em fase de testes.

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Brunkow, Ramsdell e Sakaguchi dividirão o prêmio de 11 milhões de coroas suecas (R$ 6,2 milhões) concedido pela Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska, da Suécia. O anúncio foi feito na manhã desta segunda-feira (6).

Células guardiãs

 

A pesquisa dos laureados revelou como o sistema imunológico é mantido sob controle e por que ele não destrói o próprio organismo.

➡️ As descobertas identificaram as chamadas células T reguladoras, que funcionam como “guardiãs” do sistema imune, impedindo que linfócitos ataquem órgãos e tecidos saudáveis.

“Essas descobertas foram decisivas para compreendermos como o sistema imunológico funciona e por que nem todos desenvolvemos doenças autoimunes graves”, afirma Olle Kämpe, presidente do Comitê Nobel de Medicina.

 

O trabalho de Shimon Sakaguchi, publicado em 1995, mostrou que a tolerância imunológica não ocorre apenas pela eliminação de células potencialmente perigosas no timo (processo conhecido como tolerância central), como se acreditava até então. Ele identificou um novo tipo de célula imune — as T reguladoras — capazes de proteger o corpo de doenças autoimunes.

Anos depois, em 2001, Mary Brunkow e Fred Ramsdell descobriram juntos que uma mutação no gene FOXP3 estava por trás de uma síndrome autoimune grave, o IPEX, e mostraram que o gene é essencial para o desenvolvimento dessas mesmas células T reguladoras.

Com isso, dois anos depois, Sakaguchi conseguiu demonstrar que o FOXP3 controla justamente as células que havia descrito.

Essas descobertas abriram um novo campo de pesquisa — o da tolerância periférica — e impulsionaram o desenvolvimento de tratamentos para câncer, doenças autoimunes e até transplantes, alguns já em fase de testes clínicos.

 

Especialistas ouvidos pelo g1 destacam que o reconhecimento do Nobel consolida um campo que redefine o entendimento sobre como o corpo equilibra defesa e autocontrole — algo essencial tanto para evitar doenças autoimunes quanto para aprimorar terapias oncológicas.

“O sistema imunológico é altamente específico: precisa reconhecer e atacar agentes estranhos, como vírus e bactérias, sem reagir contra o próprio organismo. Parte desse controle acontece dentro do timo e da medula óssea, mas outro mecanismo igualmente essencial ocorre fora desses órgãos — a tolerância imunológica periférica, tema reconhecido pelo Nobel de 2025″, explica Bruno Solano, médico e pesquisador do IDOR Ciência Pioneira e da Fiocruz/BA.

Ainda segundo o pesquisador, as descobertas premiadas explicam como o corpo mantém esse equilíbrio, com a identificação das células T regulatórias e do papel do gene FOXP3, que atuam como um freio para impedir respostas autoimunes.

“Esse entendimento abre caminho para terapias mais seguras em doenças autoimunes, câncer e transplantes”, detalha.

 

Como isso ajuda a humanidade?

 

A pesquisa abriu espaço na ciência para entender o sistema e tentar reproduzi-lo para proteger o corpo, por exemplo, em casos de ataques em doenças autoimunes (em que o corpo ataca a si mesmo) e transplantes.

Jorge Kalil, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina explica, explica a aplicação, por exemplo, no transplante. Quando um órgão é transplantado, o corpo o identifica como um “corpo estranho” e começa a se defender.

“E se eu pudéssemos desenvolver células reguladoras que permitisse uma tolerância a um órgão transplantado, isso seria muito importante. E se pensarmos no xenotransplante, por exemplo, usando órgãos de animais, isso permite desenvolver um tratamento de tolerância. Isso abre muitas portas do ponto de vista terapêutico”, explica Kalil.

 

O mesmo pode ser aplicado, por exemplo, em casos de tratamento contra o câncer. Kalil explica que são as células reguladoras que impedem, muitas vezes, o ataque que o organismo faz contra o câncer.

Atualmente, já existem pesquisas em fase de testes que usam esse princípio em tratamentos para doenças.

Vencedores do Nobel da Medicina Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell and Shimon Sakaguchi — Foto: Reprodução/Nobel Prize
Vencedores do Nobel da Medicina Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell and Shimon Sakaguchi — Foto: Reprodução/Nobel Prize

A descoberta das células T reguladoras

 

O sistema imunológico é uma das engrenagens mais complexas do corpo humano. Ele nos protege, todos os dias, de milhares de vírus, bactérias e outros microrganismos que tentam invadir o organismo. Mas, para funcionar corretamente, precisa de controle: quando essa regulação falha, o sistema pode se voltar contra o próprio corpo — o que dá origem às chamadas doenças autoimunes.

Durante décadas, acreditava-se que o corpo eliminava naturalmente, no timo, as células capazes de atacar tecidos saudáveis — um processo conhecido como tolerância central. No entanto, os trabalhos dos três cientistas mostraram que esse mecanismo era apenas parte da história.

Em 1995, o japonês Shimon Sakaguchi, então pesquisador do Aichi Cancer Center, descobriu uma nova classe de células imunológicas — as células T reguladoras — responsáveis por impedir que o sistema imune destrua os próprios tecidos. Sakaguchi demonstrou que, além de eliminar células potencialmente perigosas, o organismo também mantém “guardas de segurança” que supervisionam a resposta imune, evitando ataques indevidos.

 

Anos depois, em 2001, os americanos Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell identificaram o gene FOXP3, essencial para a formação dessas células T reguladoras. A descoberta ocorreu a partir do estudo de camundongos com uma mutação genética chamada scurfy, que apresentavam inflamações severas e morriam ainda filhotes. O mesmo defeito genético foi observado em crianças com uma doença rara e grave, a síndrome IPEX, causada por mutações no FOXP3.

Dois anos depois, Sakaguchi provou que o gene FOXP3 é o regulador direto das células que ele havia descrito anos antes — confirmando o elo entre os achados dos três pesquisadores. O trabalho conjunto lançou as bases de um novo campo científico, o da tolerância imune periférica, que explica como o corpo se protege de si mesmo.

Aplicações médicas

 

As descobertas transformaram a compreensão de doenças autoimunes e abriram caminho para novas terapias. Pesquisas atuais investigam como estimular as células T reguladoras para tratar enfermidades como diabetes tipo 1, lúpus e esclerose múltipla, e também como inibir sua ação em tumores, já que alguns cânceres “se escondem” atrás dessas células para escapar do sistema imune.

Ensaios clínicos em andamento testam o uso da interleucina-2, uma substância que ajuda as T reguladoras a proliferar, em pacientes com doenças autoimunes e em pessoas que receberam transplantes de órgãos. Outras linhas de pesquisa trabalham com terapia celular personalizada — multiplicando T reguladoras em laboratório e reinjetando-as no paciente para controlar inflamações graves.

O Comitê do Nobel destacou que, com essas descobertas, “os laureados lançaram as bases para o desenvolvimento de tratamentos que podem beneficiar milhões de pessoas”.

Quem são os ganhadores

 

  • Mary E. Brunkow, nascida em 1961, tem doutorado pela Universidade de Princeton e atua como gerente de programas sênior no Institute for Systems Biology, em Seattle, nos Estados Unidos.
  • Fred Ramsdell, nascido em 1960, doutorou-se em 1987 pela Universidade da Califórnia (UCLA) e hoje é consultor científico da Sonoma Biotherapeutics, em San Francisco, especializada em terapias celulares para doenças autoimunes.
  • Shimon Sakaguchi, nascido em 1951, formou-se em Medicina e fez doutorado na Universidade de Kyoto, no Japão. É professor emérito do Immunology Frontier Research Center, da Universidade de Osaka, e é considerado um dos pioneiros mundiais no estudo da tolerância imunológica.

 

As descobertas de Brunkow, Ramsdell e Sakaguchi consolidaram um novo paradigma da imunologia moderna — explicando como o corpo distingue o “eu” do “invasor” e como restaurar esse equilíbrio quando ele se perde.

Nobel 2024

 

No ano passado, o prêmio de Medicina foi para dois cientistas, Victor Ambros e Gary Ruvkun, pela descoberta dos microRNAs e seu papel “na regulação genética pós-transcricional”, um processo fundamental para o desenvolvimento das células do nosso corpo.

Desde 1901, mais de cem Prêmios Nobel em Fisiologia ou Medicina (como é formalmente chamado) foram distribuídos.

A distinção científica de renome mundial só não foi concedida em nove ocasiões: em 1915, 1916, 1917, 1918, 1921, 1925, 1940, 1941 e 1942.

Ao longo dos anos, das 229 pessoas agraciadas com o Nobel em Medicina, apenas 13 eram mulheres.

Curiosidades sobre o Nobel de Medicina

 

O ganhador mais jovem foi Frederick G. Banting, que recebeu o Nobel da área em 1923, com apenas 31 anos, por descobrir a insulina. Já o mais velho foi Peyton Rous, premiado em 1966, aos 87 anos, por sua descoberta de vírus que causam tumores.

Entre os 229 vencedores do Prêmio Nobel de Medicina, 13 são mulheres. Um destaque especial é Barbara McClintock, a única mulher a ganhar o prêmio sozinha, em 1983, pela descoberta dos “elementos genéticos móveis”.

Outras mulheres que marcaram a história do prêmio incluem Gerty Cori (1947), pelas descobertas sobre o glicogênio; Rita Levi-Montalcini (1986), pelos estudos sobre fatores de crescimento; Françoise Barré-Sinoussi (2008), pela descoberta do HIV.

Embora ninguém tenha recebido o Nobel de Medicina mais de uma vez, em outras categorias há pessoas que já foram premiadas duas vezes (entenda mais abaixo). Desde 1974, o prêmio NÃO pode ser entregue a pessoas falecidas, a menos que o óbito ocorra depois do anúncio oficial.

Um caso especial aconteceu em 2011, quando foi descoberto que o laureado Ralph Steinman havia falecido dias antes do anúncio, mas como o comitê não sabia de sua morte, ele manteve o prêmio.

Nobel 2025

 

A láurea em Medicina é sempre a primeira a ser anunciada. Os prêmios em Física, Química, Literatura e Paz serão entregues ao longo da semana; já a láurea em Economia será divulgada na próxima segunda (13). Veja o cronograma:

  • Medicina: segunda-feira, 6 de outubro
  • Física: terça-feira, 7 de outubro
  • Química: quarta-feira, 8 de outubro
  • Literatura: quinta-feira, 9 de outubro
  • Paz: sexta-feira, 10 de outubro
  • Economia: segunda-feira, 13 de outubro

 

Veja, abaixo, perguntas e respostas sobre o prêmio.

O que é o Prêmio Nobel?

 

A láurea foi criada pelo químico e empresário Alfred Nobel. Inventor da dinamite em 1867, o sueco doou a maior parte de sua fortuna em testamento para a criação de prêmios de física, química, medicina, literatura e paz (o prêmio de economia foi criado anos mais tarde).

O documento dizia que os prêmios deveriam ser concedidos “àqueles que, durante o ano anterior, tenham conferido o maior benefício à humanidade”.

Um busto do fundador do Prêmio Nobel, Alfred Nobel, em exibição durante cerimônia de entrega da láurea em 2018, em Estocolmo. — Foto: Henrik Montgomery/Pool Photo via AP, File
Um busto do fundador do Prêmio Nobel, Alfred Nobel, em exibição durante cerimônia de entrega da láurea em 2018, em Estocolmo. — Foto: Henrik Montgomery/Pool Photo via AP, File

Contudo, hoje em dia, conforme explica Juleen Zierath, membro do Instituto Karolinska, o júri do Nobel de Medicina, essa regra não é mais tão levada à risca.

“Você pode ter feito essa descoberta em um estágio muito inicial de sua carreira de pesquisa, ou pode ter feito essa descoberta em um estágio muito avançado de sua carreira de pesquisador”, ressalta a pesquisadora.

Como o prêmio é escolhido?

 

Todos os anos, o Comitê do Nobel envia um pedido de nomeação para membros da comunidade científica.

Isso significa que alguns candidatos elegíveis recebem um convite especial para enviar seus nomes. Sem esse convite, nenhum postulante pode concorrer ao prêmio.

“Você não pode se nomear, mas membros de comunidades científicas, reitores de faculdades de medicina, ex-laureados com o Prêmio Nobel e outros que trabalham no ramo científico mais amplo e que receberam esse pedido podem fazer uma indicação”, diz Zierath.

 

Quantas pessoas podem compartilhar o mesmo prêmio?

 

Até três pessoas podem compartilhar um Prêmio Nobel, ou uma organização pode ganhar a láurea da Paz.

A Fundação Nobel, responsável por realizar os desejos do seu fundador, ressalta que essa regra está descrita no testamento de Alfred Nobel.

A medalha do Prêmio Nobel. — Foto: The Nobel Prize Foundation
A medalha do Prêmio Nobel. — Foto: The Nobel Prize Foundation

“Em nenhum caso o valor do prêmio pode ser dividido entre mais de três pessoas”, destaca um trecho do documento. Alguns pesquisadores, porém, criticam essa escolha e afirmam que as descobertas científicas de hoje em dia são muito mais coletivas: um trabalho de vários pesquisadores.

A láurea pode ser concedida postumamente? Tem limite de idade?

 

Não, um Prêmio Nobel não pode ser concedido postumamente.

Apesar, disso, a Fundação ressalta que, desde 1974, se o destinatário do prêmio falecer após o anúncio, a láurea ainda poderá ser concedida.

Sobre o limite de idade, o prêmio também não tem uma regra a respeito.

“O que eu diria é que, na maioria das vezes, levamos muitos anos até que o campo científico reconheça que a descoberta que você fez é uma distinção que deveria ser considerada para um Prêmio Nobel. Então, às vezes você tem que ser bastante paciente”, ressalta Zierath.

(Fonte:G1)

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