A 4ª Turma do TRF1 negou, na última semana, pedido em Habeas Corpus em favor de um proprietário de fazenda e seu funcionário para trancar Procedimento Investigatório Criminal (PIC) instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF) atendendo à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de abertura de investigação para averiguar fatos ocorridos no ano de 2000 na Fazenda Brasil Verde, em Marabá.
O caso se refere à manutenção de empregados reduzidos à condição análoga à de escravo, por entender ausentes a possibilidade de acolhimento das teses de incompetência da CDIH para o julgamento do feito; de violação ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de inocência, bem como de ocorrência da prescrição dos delitos investigados.
A CIDH considerou a demanda ajuizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos aberta a partir de uma fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho (MT) em companhia de agentes da Polícia Federal e declarou o Brasil responsável pela violação do “dever de diligência” em atos de escravidão, servidão ou tráfico de pessoas, para evitar a perpetuação de situação de impunidade.
Leia mais:A CIDH estabeleceu que o não reconhecimento, no ordenamento jurídico, do trabalho escravo enquanto crime imprescritível, “constituía um obstáculo relevante” para a garantia da proteção judicial, seguindo o entendimento de que graves violações de direitos humanos não prescrevem na esfera internacional.
O relator, juiz federal convocado Saulo José Casali Bahia, registrou inicialmente que o fato de o procedimento investigatório aberto e iniciado ante a 2ª Vara da Justiça Federal de Marabá/PA, não terem sido localizados em nada afeta a possibilidade de instauração do PIC que se pretende ver trancado, na medida em que não há notícia de denúncia (contra os pacientes) oferecida e recebida por juiz competente, sendo que uma investigação sempre pode ser reiniciada em novos autos (não existindo a necessidade de restauração de procedimento investigativo anterior).
O magistrado salientou que o art. 1º do Decreto nº 4.463/2002 (que promulgou a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em consonância com o art. 62 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José -, de 22 de novembro de 1969) previu expressamente a admissão da jurisdição da Corte para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.
Segundo o juiz federal, apreciando a inaplicabilidade da prescrição ao caso concreto, é evidente exercer a CIDH sua competência sobre a questão, prevista na Convenção Interamericana, não representando isto qualquer bis in idem indevido, e sim a concretização da previsão constitucional de jurisdição de tribunal internacional de direitos humanos sobre o Estado brasileiro.
Sobre o tema, o relator asseverou que a proibição de escravidão é prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), adotada pelo Brasil desde 1992, e esta regra não pode ser suspensa nem mesmo em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado Parte (art. 27). O Brasil se comprometeu a combater este ilícito, como se vê também na Convenção OIT n. 105 (Convenção Relativa a Abolição do Trabalho Forçado), adotada em 25 de junho de 1957, e que teve entrada em vigor em 17 de janeiro de 1959, sendo que o Estado brasileiro ratificou a Convenção em 18 de junho de 1965.
Para o magistrado, a partir do primeiro tratado universal sobre a eliminação da escravidão (Convenção sobre a Escravatura, adotada em Genebra, em 25 de setembro de 1926), vários tratados internacionais têm reiterado a proibição da escravidão, a qual é considerada uma norma imperativa do Direito Internacional (jus cogens), e implica obrigações erga omnes de acordo com a Corte Internacional de Justiça.
É inegável o status jurídico internacional da proibição da escravidão. Além disso, tanto o Brasil como a maioria dos estados da região são parte da Convenção sobre a Escravatura de 1926 e da Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956. Nos casos de escravidão, a prescrição da ação penal é inadmissível e inaplicável, pois esta não se aplica quando se trata de violações muito graves aos direitos humanos, nos termos do Direito Internacional.
Por todo o exposto, o relator denegou a ordem por ser ausente a possibilidade de acolhimento das teses de incompetência da CIDH para o julgamento do feito; de violação ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de inocência; bem como de ocorrência da prescrição dos delitos investigados. (Divulgação/TRF1)