Correio de Carajás

Trabalho doméstico faz com que mulheres percam quase 21 h semanais da jornada de trabalho remunerado

A invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher foi tema da redação do Enem 2023

No Brasil há várias estatísticas sobre como esse trabalho de cuidado fica destinado para as mulheres (Reprodução / BBC)

Em 2022, mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. A população com 14 anos ou mais de idade dedicava, em média, 17 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, sendo 21,3 horas semanais para as mulheres e 11,7 horas para os homens. Os dados são do tema Outras Formas de Trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, que levantou informações sobre cuidado de pessoas, afazeres domésticos, produção para o próprio consumo e trabalho voluntário.

A pesquisa também mostra que o trabalho doméstico faz com que mulheres percam quase duas horas semanais da jornada de trabalho remunerado, enquanto para os homens o impacto dessas atividades é quase nenhum. Esse universo da economia do cuidado foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio 2023 (Enem) que fez milhares de estudantes refletirem sobre os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.

Virgínia Gontijo, gerente de projetos da ONU Mulheres, enxerga com bons olhos o tema escolhido para a redação do Enem pela importância da prova, pela abrangência de território nacional e por alcançar tantos jovens, pois é um tema que ainda é muito pouco conhecido e apropriado pela sociedade em geral.

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Ela explica que o trabalho de cuidado é o que sustenta a vida, sustenta a sociedade e as economias e é realizado na maior parte do tempo pelas mulheres. Elas gastam quase o dobro do que os homens no Brasil. E essa questão representa um desafio enorme para a autonomia econômica da mulehr e para o alcance do seu trabalho decente, porque o tempo que as as mulheres gastam com essa carga desigual de trabalho de cuidado acaba limitando oportunidades que elas têm de alcançar desenvolvimento pessoal e profissional e assim conseguirem alcançar a oportunidade de estudo, de trabalho, autonomia e resiliência.

“Então, enquanto o trabalho de cuidado não for dividido não só entre homens e mulheres, mas entre governos, academia, sociedade civil, setor privado e as comunidades como um todo as mulheres continuarão com essa carga desigual e não conseguirão alcançar a sua plena cidadania. E isso afeta não só a vida delas como da vida da sociedade como um todo”, pontua.

Gabrielle Martins Silva Maués, Conselheira Seccional e Presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da OAB Pará, explica que a economia do cuidado está relacionada aos cuidados necessários para manutenção das pessoas e pode ser remunerado ou não. “Mas quando se trata do ambiente doméstico nós falamos de um trabalho que é desenvolvido por mulheres. Porque elas que são as maiores responsáveis pela manutenção das outras pessoas nesse ambiente, tanto de crianças quanto de idosos, em geral, são as filhas que ficam responsáveis pelo cuidado com os pais na velhice mesmo que existam irmãos homens”, exemplifica.

Sobre a questão do trabalho do cuidado ser tema da redação do Enem, a presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da OAB Pará, diz que é muito significativo, pois o trabalho doméstico de cuidado é bastante invisibilizado. Pois se trata de um trabalho que não é remunerado e é, equivocadamente, visto como amor e como uma atribuição específica das mulheres. “É visto de uma forma que as mulheres já nasceram com esse instinto natural de cuidar, de ser responsável pelas outras pessoas, o que é uma falácia do ponto de vista científico. Na verdade, é uma habilidade que qualquer um pode desenvolver”, pontua.

Diante disso, Gabrielle Maués diz que essa visibilidade paro o tema é essencial para discutir direitos das mulheres, já que esse trabalho de cuidado sobrecarrega as mulheres, tem impactos profundos nas carreiras e participação no mercado de trabalho. Também fomenta a violência e as desigualdades de gênero, que são tão marcantes na sociedade. “Trazer esse tema é muito importante para dar visibilidade para essa discussão, para dar visibilidade a esse tipo de trabalho para seja reconhecido como um trabalho”, acrescenta.

No Brasil há várias estatísticas sobre como esse trabalho de cuidado fica destinado para as mulheres e elas que são as responsáveis por executar tarefas domésticas quanto as tarefas de cuidado com crianças e com outras pessoas da família como os idosos.

Ainda de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, que levantou informações sobre cuidado de pessoas, afazeres domésticos, produção para o próprio consumo e trabalho voluntário, as mulheres pretas são as que mais realizam afazeres domésticos.

As taxas de realização de afazeres domésticos pelas mulheres brancas (90,5%), pretas (92,7%) ou pardas (91,9%) são sempre mais altas que a dos homens dos mesmos grupos de cor ou raça (80,0%, 80,6% e 78,0%, respectivamente).

Cuidado de pessoas recuou de 33,3% em 2019 para 29,3% em 2022

Em 2022, 50,8 milhões de pessoas de 14 anos ou mais de idade realizaram cuidado de moradores do domicílio ou de parentes não moradores, com uma taxa de realização de 29,3%, 4 p.p. (menos 5,3 milhões) abaixo de 2019 (33,3%).

O tema foi Prêmio Nobel de Economia

Esse ano, a norte-americana Claudia Goldin, professora da Universidade de Harvard, ganhou o Prêmio Nobel de Economia por seus estudos sobre mulheres no mercado de trabalho. Em seus trabalhos, ela observou que uma grande disparidade salarial e de oportunidades entre homens e mulheres ainda existe porque, em parte, é a fase da vida em que mulheres precisam decisões importantes para suas carreiras e devem fazer escolhas, por exemplo, sobre a maternidade.

A pesquisa da professora se baseou em mais de 200 anos de dados nos Estados Unidos sobre a participação feminina no mercado de trabalho. Durante os estudos, Goldin percebeu que, diferente do que imaginava, essa participação não ocorreu de uma maneira ascendente, mas sim em uma curva em formato de “U”.

(O Liberal)