O inquérito policial que investiga o assassinato do passarinheiro Reginaldo Pereira Oliveira, ocorrido em 14 de maio de 2022, foi concluído e relatado ao Poder Judiciário. A peça, de mais de 1.400 páginas, assinada pelo delegado Toni Rinaldo Rodrigues de Vargas, da Polícia Civil, mostra que os vigilantes Jonathas de Oliveira Soares e Diogo da Silva Melo torturaram e mataram a vítima. Além disso, tentaram “vender” a versão de que Reginaldo (aparentemente armado) e um comparsa estariam furtando ferragens da mineradora Vale, nas margens da Estrada de Ferro Carajás, em Marabá, onde tudo aconteceu.
O caso é tão grotesco que atinge até mesmo um tema que é muito caro para o Estado brasileiro: a violação de direitos humanos. Inclusive, a reportagem deste CORREIO entrou em contato por telefone com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção Marabá, Rodrigo Botelho, o qual afirmou que vai acionar a Comissão de Direitos Humanos da Ordem para acompanhar o caso.
Nossa reportagem entrou em contato também com o advogado José Rodrigues, que foi constituído pela família da vítima para atuar no caso como assistente de acusação. Ele não quis entrar em detalhes sobre o inquérito porque o Poder Judiciário decretou segredo de Justiça no último dia 2. Mas ele confirmou que a capitulação dada aos acusados foi de tortura.
Leia mais:Por outro lado, a reportagem do CORREIO apurou, com outras fontes, que Reginaldo levou três tiros de bala de borracha no braço direito e, depois de caído, sofreu um tiro de armamento letal em um dos joelhos e agonizou até morrer.
Um catálogo de mentiras
Outra informação levantada com exclusividade foi que as próprias câmeras usadas no fardamento dos vigilantes (bodycam) revelam conversas para bolar uma versão diferente do fato. Mas a sordidez do conteúdo dos diálogos não para por aí. Os vigilantes teriam alegado que a área onde o baleamento ocorreu não pega sinal de celular, por isso demoraram a solicitar uma ambulância para o baleado. Porém os registros telefônicos e a triangulação dos aparelhos mostram que eles conversaram com seus superiores exatamente naquele lugar.
Também a versão de que Reginaldo teria um comparsa caiu por terra, tanto pela conversa entre os acusados quanto pelo depoimento de uma testemunha, que levou a vítima até o local para passarinhar. Além disso, a vítima tinha problema em uma das pernas, de modo que não conseguia andar direito. Esses dois fatos afastam a possibilidade que ele estivesse furtando material da Vale, como alegaram os vigilantes.
Outro fato também apurado pela reportagem é que o Departamento de Homicídios da Polícia Civil só conseguiu acesso às câmeras usadas pelos acusados por meio de mandado de busca e apreensão, porque a empresa não quis liberar o equipamento. Tudo isso pesa contra a versão dos vigilantes.
Responsabilização
Mas há outra questão ainda. Segundo José Rodrigues, o próximo passo é responsabilizar a Vale e a Segurpro, até porque a vítima deixou oito filhos órfãos. “As duas empresas são de âmbito internacional e gastam milhões com propagandas sobre responsabilidade social. No entanto, quando acontecem esses casos de fato, o que se percebe é que isso não se reflete na prática”, critica o advogado.
Vale e Segurpro se manifestam
A Segurpro enviou um anota de esclarecimento, informando que segue acompanhando o caso e adotará as medidas que forem cabíveis conforme resultado do processo investigativo.
A Vale também informou que acompanha o caso e esclarece que acionou administrativamente a empresa de vigilância terceirizada para apuração rigorosa dos fatos e prestação de todas as informações solicitadas pela autoridade policial para conclusão do inquérito e, desta forma, das providências que forem necessárias.
Mas nem Vale e nem Segurpro explicaram por que nunca deram nenhuma assistência à família da vítima.
A reportagem não conseguiu acesso aos dois vigilantes indiciados pela tortura e assassinato do passarinheiro. (Chagas Filho)