📅 Publicado em 09/12/2025 09h11
Na coluna de hoje, continuamos a refletir sobre a famigerada MORTE, desta vez em outra perspectiva. Se lá em AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE, Saramago ofereceu à humanidade o “elixir da imortalidade”, Tolstói nos apresenta Ivan Ilitch, um homem à beira da morte, com dores agudas, na cama, esperando a “boa hora”. “A morte odiosa, terrível”. A novela A MORTE DE IVAN ILITCH (1886), publicada no fim do século XIX, é atemporal pela temática: a morte, a finitude do ser humano, a nossa única certeza nesta vida, a nossa maior angústia.
Ivan Ilitch, um magistrado de carreira, integrante do alto escalão do serviço público russo, um homem bem-sucedido que conclui, diante da morte, que alcançou a estabilidade financeira, mas exerceu seu cargo sem vocação, sem amor. Viveu cercado de pessoas que não amava. E mais, concluiu que viveu para agradar as pessoas e corresponder às expectativas sociais de todos. E, para intensificar sua angústia em seus últimos dias, ele se sente sozinho, não é confortado sequer pela família: “Ivan Ilitch queria mais que tudo, por mais que se envergonhasse de confessá-lo, que alguém se apiedasse dele como de uma criança. Ele sabia que era um juiz importante, que em parte já tinha uma barba grisalha, e que por isto era impossível; mas, assim mesmo, queria. Ivan Ilitch quer chorar, deseja ser acariciado e que alguém chore por ele (…)”.
Durante a leitura, experimentamos a agonia, a aflição do personagem, sua tristeza e decepção diante da falta de amor e ausência de cuidados. Ainda durante o velório, a preocupação da viúva de Ivan é com a pensão por morte que vai receber em razão do óbito do marido, os supostos amigos começam a disputar seu cargo, sua lotação. No trecho seguinte, deparamos com a imediata reação dos colegas ao saberem de sua morte: “Ao ouvirem a notícia da morte de Ivan Ilitch, o primeiro pensamento de cada um dos que estavam reunidos no gabinete teve por objeto a influência que essa morte poderia ter sobre a transferência ou promoções tanto dos próprios juízes como dos seus conhecidos”.
Leia mais:O personagem russo começa a ver a vida com indiferença: “fosse manhã ou noite, sexta-feira ou domingo, era tudo indiferente, o que havia sempre era o mesmo: uma dor surda, torturante, que não sossegava um instante sequer; a consciência da vida que não cessava de afastar-se da esperança”. Ivan prefere sofrer sozinho, escolhe não demonstrar fragilidade: “sempre a dor, sempre a angústia. Sozinho sente uma angústia terrível, dá vontade de chamar alguém, mas sabe que na presença de outras pessoas é bem pior”.
Estamos diante de uma obra que é curtinha, a narrativa se desenvolve em pouco mais de 70 páginas, mas é densa e traz reflexões profundas. Convida-nos a refletir sobre nossas vidas, o que estamos fazendo, onde estão nossas prioridades e como nos relacionamos com as pessoas. É diante da consciência de que chegou o momento da nossa finitude que avaliamos e pesamos as nossas escolhas ao longo da vida. Enfim, a obra é um clássico. E nesse clima de Natal, fim de ano, naturalmente avaliamos nossas decisões, o que conseguimos conquistar ou perder durante o ano, ao mesmo tempo em que nos propomos a recomeçar no ano vindouro. É época de esperança, de novos planos, novas rotas, metas… Temos sempre a sensação de que o ano novo é uma página em branco, é uma nova chance, e isso enche o coração de esperança de fazer tudo melhor, de ser melhor.
Eu poderia ficar falando deste tema tão recorrente na Literatura em laudas incontáveis. Prometo que ainda voltaremos a este assunto, pois o que não falta são obras maravilhosas, sobretudo na ficção brasileira, como Morte e Vida Severina (João Cabral de Melo Neto), Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis); É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém (Mariana Salomão Carrara). Reforço aqui o já dito: quando entramos em contato com temas importantes no texto literário, a reflexão ocorre de forma profunda em razão da conexão que estabelecemos com a história e os personagens.
Me despeço indicando a leitura deste incrível livro russo, A Morte de Ivan Ilitch. É impossível sair ileso desta obra comovente. Até a próxima, Caro Leitor!
* A autora é graduada em Letras pela UFPA; bacharela em Direito pela Unifesspa e leitora voraz, por amor e vocação.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.
