📅 Publicado em 02/12/2025 08h54
A proposta desta Coluna de hoje é refletir sobre a maior preocupação da humanidade: a MORTE. E para colaborar com tal missão promovo o encontro de dois grandes escritores da Literatura mundial: o português José Saramago (1922 -2010) e o russo Liev Tolstói (1828-1910). Homens que viveram em tempos diferentes, mas que refletiram sobre temas universais e trouxeram desassossego ao leitor de qualquer tempo e lugar.
A morte é um tema que nos causa preocupação, é o centro das nossas angústias. Diante disso, trago duas obras que abordam o tema em perspectivas diferentes, em AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE (2005), de José Saramago, tem-se aquele, que talvez seja, o maior desejo da humanidade, a IMORTALIDADE. Sim, pois a morte deixou de trabalhar, como bem sugere o título INTERMITÊNCIAS, a temida Senhora Morte resolveu suspender suas atividades, descontinuar, interromper o seu trabalho. Saramago aborda um tema que é profundo, denso, pesado, com muito bom humor. A partir desta premissa, o leitor é convidado a pensar, refletir sobre o mundo sem a morte:
“No dia seguinte ninguém morreu. O fato por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, basta que nos lembremos que de que não havia noticia nos quarenta volumes da historia universal , nem ao menos uma amostra, de ter alguma vez ocorrido um fenômeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas prodigas 24 horas, contadas diurnas e noturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada (…)”.
Leia mais:O texto, é bem-humorado, divertido, leve, irônico: “O governo quer aproveitar a oportunidade para informar à população de que prosseguem em ritmo acelerado os trabalhos de investigação que, assim o espera e confia, hão de levar a um conhecimento satisfatório das causas, até este momento ainda misteriosa, do súbito desaparecimento da morte.
O que é a vida sem a morte? Como nós, seres humanos, nos comportaríamos diante da ausência da FINITUDE? Como diz o sábio ditado popular: a única certeza que temos é a morte. E essa certeza nos gera angústia, medo, insegurança. Saramago nos pergunta: o que seria de nós sem a morte, sem que ninguém, absolutamente, morresse? Nem mesmo aqueles que sofrem violentos acidentes ou que estejam na fase terminal de uma doença. O escritor português nos apresentar um país inteiro possuidor do “elixir da imortalidade”.
Na narrativa distópica de Saramago, refletimos sobre as consequências práticas do mundo sem a morte. Em um país sem nome, um lugar imaginário, tem-se o CAOS SOCIAL. As pessoas não morrem. Os hospitais estão lotados, ninguém mais entra, ninguém mais sai, não há leitos. A Igreja começa a se preocupar, uma vez que sem morte não há ressurreição, céu e inferno. Os doentes terminais não morrem, sofrem com suas dores agudas sem qualquer alívio, sem esperança de fim. O sistema funerário deixa de funcionar, o que impacta a economia. Todos os setores que se beneficiam com a morte se preocupam e começam a colapsar.
Com a trégua unilateral da morte, o colapso passa a ser também moral, ético: “Se os seres humanos não morrem tudo passa a ser permitido”, esta questão sintetiza os sentimentos contraditórios que invadem os pensamentos humanos diante daquela nova realidade. A obra assume um tom filosófico e começa-se a questionar as verdades e certezas humanas: “Desde que o mundo começou a ser mundo, sempre houve uma hora e um lugar para morrer”; “Se não voltarmos a morrer não temos futuro”. Saramago é realmente um engenheiro literário, capaz de construir uma obra que é distópica, bem-humorada, filosófica, com um tema de muita densidade que sempre esteve no cerne da angústia humana, ao tempo em que oferece a imortalidade, talvez, o maior anseio dos mortais.
A morte sempre pautou a ficção, o texto literário. Há inúmeros romances que tratam do assunto. Estando longe de exaurir o tema de hoje, na próxima Coluna continuamos nossa reflexão a partir de A Morte de Ivan Ilitch (1886), de Liev Tolstói. Até a próxima, Caro Leitor!
* A autora é graduada em Letras pela UFPA; bacharela em Direito pela Unifesspa e leitora voraz, por amor e vocação.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.
