Correio de Carajás

Semana do Contador de Histórias revive memórias e capacita profissionais em Marabá

No Dia Nacional do Contador de Histórias, 20 de março, um evento voltado para esses profissionais – responsáveis por contar e recontar histórias através da fala, dos movimentos e da imaginação – animou a tarde de segunda-feira em Marabá. O 2º andar do prédio do Serviço Social do Comércio (Sesc), na Avenida Transamazônica, Núcleo Cidade Nova, foi palco de oficina, bate-papo, contação de histórias e lançamento de livro. Os contadores de história de toda a cidade compareceram em peso ao evento.

“Atuando como contadores de história contemporâneos, nós temos umas 20 pessoas. Mas contando com as mais de 50 salas de leitura, a gente tem muitos contadores em Marabá”, afirma Gabriela Silva, contadora de histórias, coordenadora da Escola do Legislativo e uma das organizadoras da “Semana do Contador de Histórias” (que acontece entre os dias 20 e 22 de março). O número expressivo é consequência da atuação de professores nas salas de leitura das escolas, que assumem o papel de contadores, ainda que não sejam elencados como profissionais da contação de histórias.

A oficina de experimentação reuniu dezenas de contadores de histórias na tarde desta segunda-feira, 20 – Foto: Jeferson Pinheiro

Sobre a organização do evento, ela explica que foi possível por conta da lei estadual (de maio de 2022), que criou a Semana Estadual do Contador de História, lei que também foi aprovada a nível municipal pela Câmara de Marabá. “O programa ‘Marabá Leitora’, da Secretaria de Educação, já realiza o trabalho de incentivo à leitura, das narrativas – e como eu sou contadora de histórias também e trabalho na Escola do Legislativo –nos reunimos para fazer um movimento juntos, já que existe essas leis municipal e estadual”, afirma.

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Gabi detalha que a programação foi pensada para abarcar as histórias que vivem nas páginas dos livros e também aquelas que vivem nas memórias, exploradas através de rodas de conversa, lançamento de livro, sessões de contação de histórias e de uma oficina.

Gabi detalha que Marabá possui em torno de 20 contadores de história profissionais – Foto: Jeferson Pinheiro

Inclusive, na tarde desta segunda, foi oferecido para os profissionais um workshop de experimentações, ministrado por Camila Clemente, do Brincarte Ateliê da Infância. “Ela desenvolve essa ideia da ludicidade, da função do corpo como movimento e musical, para trabalhar isso com os bebês”, explica e acrescenta que o objetivo era fazer florescer o pensamento lúdico para trabalhar com a primeiríssima infância.

AQUELES QUE CONTAM HISTÓRIAS
A tradição de contar histórias que passam de geração em geração através da fala é tão antiga quanto o mundo. Com crianças, é comum que essa prática seja iniciada através da contação de histórias de príncipes e princesas. No livro “Contos de Fadas: origem e contribuições para o desenvolvimento da criança”, os autores Falconi e Farago escrevem que os contos de fadas surgiram por meio da tradição oral há milhares de anos, contudo, não é possível datar com precisão a sua origem.

Em Marabá, a trajetória dos contadores é recente, data de 2013, com um projeto que nasceu para a comemoração dos 100 anos da cidade. É o que detalha Marluce Caetano, professora aposentada e contadora de histórias. Em seu currículo ela acumula mais de 30 anos de profissão. O projeto batizado como “O Baú de Cacau e Malu”, foi o pontapé inicial para a expansão da prática em Marabá.

“É claro que a gente sabe que houve muitos outros contadores de histórias. Marabá, por ser uma cidade centenária, registra muitos resquícios de oradores ribeirinhos, lavadeiras, todo o tipo de pessoas que contam essa Marabela para nós”, explica.

Mas, foi em 2013 que a contação de histórias, da maneira como é conhecida hoje, começou a se popularizar pela cidade. No início, eram feitas rodas no entorno da Toca do Manduquinha (Marabá Pioneira), prática que aos poucos foi atraindo público e chamou a atenção das escolas. A arte foi levada para diversos lugares da cidade, como hospitais, presídio, embaixo de pés de árvores e até mesmo nas praias. De lá para cá, a contação cresceu e se expandiu, ocupando inúmeros espaços pela cidade.

“Marabá continua contando e todas essas meninas contam histórias. Cada uma dentro do seu quadro. Elas precisam expandir, bater asas e nós vamos ver isso aqui hoje, belamente”, reflete.

LADO MENINÃO
Embora a profissão seja dominada por mulheres, é possível encontrar um ou outro homem contador de histórias. É o caso de José Uelevison Silva de Assunção, professor (há mais de 20 anos), que há pouco mais de um ano enveredou pelos caminhos da contação. “Sempre gostei muito de contar histórias, de livros. Tenho ainda esse lado meninão e acho que tudo isso ajuda muito”, compartilha.

Questionado se já recebeu algum olhar enviesado por ser um homem em uma área majoritariamente masculina, ele diz que nunca passou por nenhuma experiência de preconceito. “O que eu vejo é assim, a falta de querer (de outros homens) participar, de querer ser um contador de histórias”.

Já Magnólia Costa Campelo, professora há 29 anos e contadora de histórias há oito, revelou para a Reportagem do CORREIO que a busca pela aprendizagem é o seu maior desafio. “De você querer buscar, aprender mais, de sonhar para sempre dar o melhor para as nossas crianças e adultos”.
Além disso, ela diz que no ambiente escolar a empreitada é ser uma contadora itinerante, pois antes exercia a função em um local específico, mas atualmente é peregrina entre as salas da escola.

Magnólia é professora há 29 anos e contadora de histórias há 8, e diz que quer sempre dar o melhor para as crianças – Foto: Jeferson Pinheiro

Seu público são alunos de três a seis anos e ela detalha que as histórias que conta ultrapassam os muros da escola e chegam até as casas dos pequenos. “Nós nos encontramos com as mães e elas falam pra gente. Até na questão da brincadeira deles, teve uma mãe que disse pra mim que comprou uma boneca para a filha e disse assim? “qual o nome da sua boneca?” e ela disse que o nome era Magnólia”. Como justificativa para a escolha do nome, a criança falou que era a contadora de histórias que lhe conta coisas lindas. Além disso, as crianças recontam para os pais tudo aquilo que ouviram dela.

“Há muitas pessoas que acham que é algo que não tem importância, e não entendem que a contação de histórias é um fator que ajuda no crescimento e na aprendizagem dessa criança. Elas precisam disso, desse momento, desse brincar, e nós precisamos também, enquanto adultos, de voltar a ser criança”, finaliza.
Mas os contadores não se limitam ao ambiente escolar. Eles saem das salas de aulas e ocupam outros espaços na cidade. É o que explica a professora Maria do Socorro Camelo Souza. “Nas praças, nas bibliotecas, em todos os lugares. Onde der para promover e levar essa contação, nós estamos”, detalha.
A educadora assevera que um dos desafios enfrentados pela classe é a valorização da profissão e que Marabá precisa conhecer mais a fundo os contadores, mulheres e homens, que levam as narrativas das histórias contadas e recontadas. Por outro lado, ela aponta que com o tempo e devido às tecnologias, a tradição de contar histórias foi ficando perdida dentro do ambiente familiar.

A professora Maria do Socorro revela que seu maior exemplo de contadora de histórias é a avó – Foto: Jeferson Pinheiro

Questionada pela Reportagem sobre cursos e formações para os contadores, ela diz que existem alguns no município e já houve, em Marabá, uma especialização na área, que chegou até aqui através de uma parceria entre a Biblioteca Municipal Orlando Lima Lobo, o Movimento dos Contadores de Histórias da Amazônia (Mocoan) e a Faculdade Esamaz, que formou uma turma de contadores e mediadores de leituras.

Outras iniciativas, como oficinas, também são realizadas por instituições ligadas à leitura e à educação. “Tivemos um grande avanço, o número de contadores aumentou de uma forma bem significativa, mas ainda precisamos de valorização e reconhecimento”, finaliza. (Luciana Araújo)