- Enganoso
- Post engana ao afirmar que a segunda dose da vacina da Pfizer reduz a imunidade. Na verdade, o estudo mencionado conclui que, para os infectados pelo coronavírus, apenas uma dose do imunizante é suficiente para garantir a proteção. E recomenda duas doses para quem não pegou covid-19. No entanto, a Pfizer explica, na bula do imunizante, que o esquema vacinal só fica completo com as duas doses. A farmacêutica diz ainda que “você pode ser vacinado se estiver apresentando febre baixa ou quadro leve de infecção” por covid-19, contrariando o que afirma a postagem da médica.
- Conteúdo verificado: Postagem de médica no Instagram que menciona um estudo que propõe apenas uma dose da Pfizer para quem já teve covid, e duas para quem não contraiu a doença. A médica diz também que o imunizante contra o coronavírus prejudica a resposta celular de pacientes que já contraíram a doença.
É enganosa uma publicação que sugere que a aplicação da segunda dose da vacina da Pfizer reduz a imunidade de pessoas que já testaram positivo para a covid-19.
O estudo citado no post verificado pelo Comprova, no entanto, somente sugere a aplicação de uma dose da vacina, em vez de duas, para indivíduos que já se contaminaram com a doença. Isso porque, segundo a pesquisa, o grupo desenvolveu parte da imunidade ao contrair o vírus, não necessitando da segunda aplicação.
A pesquisa, em nenhum momento, afirma que há riscos para a imunidade de quem recebe a segunda dose, tampouco sugere a suspensão do uso de imunizantes, como cita a publicação. Por esse motivo, a reportagem considera como enganosa a publicação compartilhada pela médica Helen Brandão no Instagram.
Leia mais:A reportagem tentou contato com a médica, mas ela não respondeu.
Como verificamos?
Inicialmente, o Comprova buscou no Google o nome do artigo publicado no perfil da autora verificada.
Após encontrar o artigo citado na postagem do Instagram, contatou Anamelia Bocca, professora titular de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB), para analisar o estudo.
A reportagem também buscou os dados profissionais de Helen Brandão, autora do post, no LinkedIn, no currículo acadêmico Lattes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Por fim, enviou mensagem pelo Instagram da médica e por um contato de WhatsApp disponibilizado no perfil da rede social – em ambas tentativas, não houve retorno.
Também contactamos a Pfizer e a Anvisa para questionar se estavam mantidas as orientações para duas doses do imunizante. A farmacêutica manteve as orientações da bula, mesma informação repassada ao Comprova pela Anvisa.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de outubro de 2021.
Verificação
O que diz o artigo
O primeiro link que aparece no Google a respeito do estudo citado pela médica faz o redirecionamento para a National Library of Medicine (Biblioteca Nacional de Medicina), página que reúne artigos sobre biotecnologia dos Estados Unidos.
O artigo citado no post também foi publicado pelo periódico científico Cell Reports, que é revisado por pares antes da publicação dos estudos.
O levantamento sugere que apenas uma dose da vacina da Pfizer contra a covid-19 é suficiente para imunizar pessoas que já tiveram a doença, divergindo do que foi compartilhado pela médica Helen Brandão no Instagram. Os pesquisadores afirmam que, 20 dias após a aplicação da primeira dose, a resposta imune de indivíduos que não tiveram covid começa a cair.
Já aqueles que tiveram a doença conseguem manter a imunidade mesmo após este período, o que sugere que pessoas que já tiveram covid têm uma resposta imune antes mesmo da primeira dose, necessitando apenas de uma dose da Pfizer.
Segundo o post da médica, a pesquisa demonstraria que a segunda dose do imunizante “prejudica a resposta celular de pacientes recuperados”. O levantamento traz, no entanto, constatações em outra linha de raciocínio: a de que a vacina é, sim, importante, mas em vez de duas doses da Pfizer, uma dose única seria o suficiente para pessoas já recuperadas de covid-19.
Isso é verdade?
Após ler o artigo e a publicação da médica goiana, o Comprova compartilhou os dois conteúdos com a professora titular de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB), Anamelia Bocca e questionou se a segunda dose da Pfizer poderia prejudicar a resposta celular de pacientes recuperados. “Os autores não dizem isto em momento algum”, resumiu.
Em dois áudios, Anamelia Boca explicou o seguinte: os pesquisadores constataram não ter havido melhora nos níveis de IgG (anticorpo) nem de IL-2; e que houve uma queda muito pequena de interferon gama entre os que já tiveram covid. “Os autores não atribuem isso à redução da resposta imune provocada pela vacina. Eles concluem que pode haver uma mudança no esquema vacinal de recuperados da covid e de pessoas que não pegaram a doença. Porque, quem teve, com apenas uma dose de vacina, vai ter o mesmo nível de resposta imunológica que os indivíduos que não se infectaram com o novo coronavírus e receberam duas doses do imunizante”.
A Pfizer explica, na bula do imunizante, que o esquema vacinal só fica completo com as duas doses. A farmacêutica não descarta a vacinação para os que foram diagnosticados com a covid-19 e sugere apenas que, em casos agudos da doença, o paciente converse com médicos para saber o que fazer. Mas que, em casos de febre baixa ou quadro leve de infecção é possível, sim, ser imunizado com a Pfizer.
Segundo a fabricante, o medicamento não deve ser administrado apenas em casos que pessoas tenham apresentado reação alérgica aos componentes da vacina, citados na bula. Em nota ao Comprova, a Pfizer reforçou que não há estudos em andamento conduzidos pela empresa para a aplicação de apenas uma dose da vacina em pessoas que já foram contaminadas.
Apesar de o estudo publicado na National Library of Medicine sugerir apenas uma dose para quem já teve covid-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou não ter havido mudanças no esquema de imunização aprovado na bula da Comirnaty, a vacina da Pfizer. “A bula da vacina continua indicando a aplicação de duas doses com intervalo de três semanas”. E acrescentou: “Recentemente a Anvisa recebeu o pedido da Pfizer para inclusão de uma dose de reforço na bula. Este pedido ainda está em análise pela Anvisa.”
Sobre o pedido, a farmacêutica informou ao Comprova que “iniciaram em julho estudo que avalia uma terceira dose, ou dose de reforço, da vacina Comirnaty contra a covid-19 com voluntários dos Estados Unidos, África do Sul e Brasil”. De acordo com os dados iniciais do estudos, uma dose de reforço administrada pelo menos seis meses após a conclusão da série de vacinação primária é capaz de aumentar a taxa de anticorpos contra covid-19 incluindo boa resposta às variantes.
A médica
Helen Brandão divulga em suas redes que tem pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética. Brandão também diz ter residência médica em Saúde da Família e Comunidade pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
A reportagem buscou os dados profissionais sobre a médica no LinkedIn, no currículo acadêmico Lattes, do CNPq e no Instagram. O Comprova também verificou que Brandão possui registro no CREMEGO (Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás).
Um link que redireciona para o número de WhatsApp da clínica dela foi encontrado no perfil das redes sociais e, por meio dele, fizemos contato. Até a publicação do texto, não houve retorno.
Embora o conteúdo verificado tenha sido uma republicação de outro perfil, é possível encontrar diversas publicações que abordam a vacinação e reações das vacinas contra a covid-19 no perfil da médica Helen Brandão.
As publicações do perfil também questionam as segundas doses dos imunizantes, mesmo que já exista a comprovação da eficácia e importância de completar o esquema vacinal.
Recentemente a médica Helen Brandão foi mencionada durante depoimento do empresário Luciano Hang na CPI da Covid. Na ocasião, Helen aparece em vídeo sendo entrevistada pelo empresário para participar do lançamento do aplicativo TrateCov, desenvolvido pelo Ministério da Saúde.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. A publicação verificada teve quase 2 mil curtidas e mais de 150 comentários no Instagram.
Conteúdos que desacreditam as vacinas ou minimizam os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.
Em uma checagem anterior, o Comprova havia constatado que a médica Helen Brandão citava de forma enganosa estudos não conclusivos sobre a existência de uma conspiração da indústria farmacêutica contra a cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz contra a covid-19.
O Comprova também já verificou que as segundas doses servem de reforço e são comuns em programas de vacinação, bem como desmentiu que pessoas que são contaminadas após a vacinação diminuem a eficácia da vacina, ao contrário das publicações feitas no perfil da médica Helen Brandão.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.