Uma “medida paliativa” adotada pela administração municipal de Marabá acabou rendendo um processo por improbidade administrativa contra dois ex-secretários municipais de Saúde, um médico e a bioquímica do Laboratório Municipal Mizulan Neves Pereira, localizado na esquina entre a Rua Manuel Bandeira e Avenida dos Gaviões, no Bairro Laranjeiras.
O promotor Júlio César Sousa Costa, titular da 11ª Promotoria de Defesa da Probidade Administrativa de Marabá, denunciou Darmina Duarte Leão Santos, que até este mês respondia pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS); Marcone Walvenarque Nunes Leite, exonerado do mesmo cargo em janeiro de 2018; a bioquímica Jorgete Carneiro Chaves; e o médico patologista Felipe da Costa Silveira.
A denúncia foi protocolada no ano passado após o promotor instaurar procedimento investigativo em novembro de 2017 após inspeção da 6ª Promotoria de Justiça de Marabá, responsável pelos assuntos relacionados à saúde púbica, no laboratório. Na ocasião, o médico não foi encontrado no local e os funcionários não souberam informar o motivo, apenas que o ponto do profissional vinha sendo enviado normalmente.
Leia mais:O Ministério Público então foi informado que ele fazia os atendimentos no próprio consultório e, ao longo da investigação, todos os denunciados informaram que isso ocorreu porque a sala de patologia – onde se realizam as biopsias, por exemplo – não estava equipada. Por este motivo, o médico passou a utilizar os próprios equipamentos para atender aos pacientes encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde.
A bioquímica era a responsável pelo laboratório e informou acreditar que o acordo estava previsto no contrato e confirmou que o profissional estava usando recursos próprios para o atendimento, material que incluía ultrassom, microscópio, reagentes, agulhas, etc. Conforme o Ministério Público, após a vistoria o médico passou a realizar alguns procedimentos menos invasivos no laboratório, às sextas feiras, quando cumpria quatros horas de jornada.
Um assistente administrativo do laboratório declarou ao Ministério Público que, mesmo sem o médico comparecer, enviava a frequência do servidor mensalmente e que o fato era de conhecimento dos superiores hierárquicos. A ex-secretária Dármina, à época diretora de Alta e Média Complexidade da SMS, confirmou que foi concedido prazo para que o especialista atendesse no próprio laboratório até se resolver a situação dos equipamentos. À Procuradoria, o médico também foi ouvido e declarou que diante da situação caótica não tinha condições de fazer o trabalho no local.
DOCUMENTOS
Para o promotor, os indícios apontam ilegalidade principalmente em relação à falsificação da frequência do médico, contando com a anuência de Jorgete, que seria a principal responsável pelo encaminhamento do documento. “Este dado é fundamental para caracterizar a irregularidade trazida ao conhecimento do Ministério Público, denotando que os agentes públicos envolvidos utilizaram-se de um expediente ilegal e criminoso para encobrir a situação do médico, que foi a falsificação de suas fichas de frequências, que não refletiam a verdade de sua jornada de trabalho”, observou.
O contrato temporário de serviço foi assinado pelo ex-secretário Municipal de Saúde Marcone Nunes Leite, em 16 de maio de 2017, para o cargo de médico patologista, com salário-base de R$ 3.372,98, acrescido de gratificação de nível superior e gratificação de autorização e regulação médica, mais 20% de insalubridade, perfazendo total bruto de R$ 10.793,53. Para o promotor, entretanto, as gratificações são inconsistentes porque ele trabalhava no próprio consultório. Uma cláusula do contrato afirma que, para ser processado o pagamento, seria necessária a comprovação dos dias trabalhados através de frequência.
Conforme o promotor, a situação fere o Artigo 299 do CPB: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
Acrescenta na ação que todos os superiores ouvidos no Inquérito Civil tinham conhecimento da situação irregular do médico, inclusive o então secretário, Marcone Walvenarque, e que, nestas condições, o médico estaria desobrigado de cumprir horário, além dos atendimentos não serem fiscalizados pelos setores administrativos. Observou que não foi encontrado indício de favorecimento material para os envolvidos, mas que houve “acordo esdrúxulo” mantido entre o servidor temporário e a administração municipal.
“Durante o horário de trabalho, o médico Felipe Costa Da Silveira, viu-se acobertado por benefício indevido, pois atendia os seus pacientes em seu próprio consultório particular, recebendo privilégio completamente destoante dos demais servidores públicos. Assim, dentre um atendimento particular e outro, atendia os pacientes oriundos da seara pública, por certo”.
O Ministério Público requereu ao Poder Judiciário, ao final do processo, os denunciados sejam condenados e seja fixado valor mínimo para reparação dos danos causados.
Respostas dos profissionais apontados pelo promotor
O médico Felipe da Costa Silveira conversou com a Reportagem por telefone, na tarde de ontem, quarta (6), e confirmou que estava atendendo no próprio consultório por falta de material na Prefeitura Municipal. Ele afirma que ao deixar o contrato, em outubro de 2017, entregou listagem com 230 procedimentos que havia feito, com nomes e contatos dos pacientes que nunca desembolsaram dinheiro pelos exames. Acrescentou que foi orientado pela administração a atender no próprio consultório.
Conforme o profissional, caso tivesse cumprido carga horário no laboratório não conseguiria atender à população, vez que sequer papel havia no local. Diz estar com a consciência tranquila e que trabalhou utilizando os próprios recursos e funcionários para diagnosticar pacientes com câncer, o que não era feito antes em Marabá e não está sendo feito após o contrato ter sido encerrado, vez que é o único patologista da região. Conforme ele, esses atendimentos salvaram vidas em decorrência do diagnóstico precoce.
Informou que vários outros profissionais foram contratados no mesmo Processo Seletivo no qual ele foi aprovado e permaneceram sem atender por meses também por falta de estrutura. “Doei tudo o que se pode imaginar. Doei até meus funcionários. Eu fiz foi trabalhar e foi a primeira vez que os pacientes do SUS tiveram diagnóstico de câncer em Marabá”.
O contrato foi firmado em maio e apenas em julho foi inaugurado o laboratório. “Tenho a consciência tranquila, não fiquei dois meses sentado”.
Damina Santos, também procurada pelo Jornal CORREIO, afirmou que a atitude salvou muitas vidas e que ninguém ganhou um real sem trabalhar. “Fico imensamente triste porque não temos mais o serviço e pessoas hoje que estão com câncer demoram meses para fechar diagnóstico sendo que cada segundo se torna crucial para vida dessas pessoas”.
Destacou as dificuldades encontradas pelos pacientes em Tratamento Fora do Domicilio (TFD), como voltou a ser prestado o serviço na cidade, e elogiou a postura do médico. “Ver tantos pacientes sofrendo e muitas vezes você se sentir de mãos atadas por nem sempre poder agir porque quando você faz algo corre o risco de ainda de responder por isso. Só quem entende a Saúde é quem está dentro. Quem todos os dias acaba sendo obrigado a lidar com a vida ou com a morte”.
Ela reiterou que o profissional não recebeu nada além do contratual. Dr. Felipe foi humano e viu a necessidade nunca recebeu um real a mais pelo que fazia. “E ganhou o que fazendo isso? Responder um processo. Pergunte aos pacientes que ele atendeu se querem processar ele por ter salvo a vida deles. Por ter se dedicado a fazer um belíssimo trabalho no qual o município de marabá nunca havia tido. Nem sempre as coisas na Saúde saem como gostaríamos porque estamos lidando com vidas e isso não tem preço”.
O ex-secretário municipal, Marcone Walvenarque, afirmou que apresentou defesa na qual constam as razões todas acerca dos fatos. “Agora aguardamos, de forma bastante tranquila, a resposta do Poder Judiciário”. Jorgete Carneiro Chaves não retornou à Reportagem e a Prefeitura Municipal de Marabá declarou não ser parte citada no processo e, portanto, não irá se manifestar. (Luciana Marschall)